Cidades

Voluntários se reúnem para cuidar de bebês no Lar da Criança Padre Cícero

Voluntárias se reúnem semanalmente no projeto Colos de Algodão para oferecer carinhos aos pequenos de até 3 anos, abrigados pelo Lar da Criança Padre Cícero

Jéssica Eufrásio*
postado em 26/11/2017 09:55
Voluntárias do projeto Colos: o objetivo de proporcionar, com carinho e afeto, a educação precoce das crianças

Abraços, afagos, canções, brincadeiras com sons de animais e interação afetiva. Para a maioria das pessoas que teve a oportunidade de crescer em um ambiente familiar saudável, esse tipo de contato fez parte de um processo natural vivido com os parentes durante a primeira infância. Essa, no entanto, não é a realidade dos milhares de brasileiros abandonados pela família ou afastados do convívio dos responsáveis ainda pequenos.

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É com o objetivo de atender a bebês em situações como essas que um grupo de 10 voluntárias se reúne, semanalmente, no Lar da Criança Padre Cícero, em Taguatinga Norte. Elas comparecem ao local todas as quintas-feiras para alegrar e oferecer carinho aos pequenos, de até 3 anos, abrigados pela instituição.

O trabalho faz parte do projeto Colos de algodão, criado para estimular e oferecer suporte a crianças que tenham sido encaminhadas pela Justiça a abrigos de acolhimento por se encontrarem em situação de risco social.

Além do Colos de Algodão, o abrigo abre espaço para receber interessados em conhecer a iniciativa e contribuir com o desenvolvimento dos bebês por meio do projeto Colos, um toque a mais. A ação ocorre no terceiro sábado de cada mês e conta com a participação de pessoas que não são, necessariamente, parte da equipe semanal.

Idealizadora dessas ações e voluntária, a professora Sônia Aparecida das Dôres, 57 anos, conta que as atividades nasceram com o objetivo de proporcionar a educação precoce das crianças. Ela conheceu o lar enquanto ainda atuava em uma escola pública de Taguatinga e deu início ao projeto no local em 2011.

Depois de se aposentar, a professora buscou formas de ajudar os bebês do abrigo semanalmente. Tudo começou com visitas para fazer massagens nos pequenos. No entanto, depois de precisar atender cerca de quatro deles sozinha, a atividade passou a se tornar exaustiva para ser feita por apenas uma pessoa. ;Meu cansaço me trazia uma frustração. Quando me disseram que todas as crianças ali tinham um atraso significativo no desenvolvimento, pensei: ;Preciso de mais pessoas aqui;. Conversei com a coordenadora do lar à época e fiz a proposta de dar colo aos bebês de lá;, detalhou Sônia.


Acolhimento


Ao chegarem, as voluntárias do Colos de Algodão participam de um momento de harmonização e preparo. As participantes realizam exercícios para se tranquilizarem, higienizam as mãos e vestem uniformes (compostos por um avental e uma touca) antes de irem ao encontro dos bebês.

O ambiente é fraterno. As crianças aguardam em quartos coloridos, repletos de brinquedos, travesseiros, berços e almofadas. Duas pessoas ficam responsáveis por coordenar as atividades do dia. Elas explicam o que deverá ser feito e decidem quem ficará com qual criança. Cada voluntária pega uma delas no colo, se apresenta e dá início às atividades lúdicas, que ocorrem por cerca de duas horas.

Segundo Sônia Aparecida, as tarefas são planejadas com o objetivo de trabalhar a autoestima e a identificação dos bebês. Por isso, elas exigem uma preparação adequada dos voluntários. ;Percebemos que, quanto mais calmos estamos, melhor os bebês respondem. Eles ficam mais tranquilos e se sentem mais seguros. O processo envolve uma preparação inicial, depois conversamos, cantamos, fazemos festas em datas especiais, tomamos banho de sol com eles, damos uma volta e, por fim, colocamos todos de volta nos berços.;

* Estagiária sob supervisão de José Carlos Vieira

Estímulo às emoções


Esse tipo de atividade, que estimula o afeto, especialmente com crianças em situação de vulnerabilidade, é primordial para o crescimento delas. Segundo Rosana Maria Tristão, professora do Programa de Ciências Médicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), os primeiros quatro anos de vida correspondem à fase em que o cérebro mais se desenvolve, tanto em tamanho quanto no que diz respeito à formação das chamadas redes neurais.

;O ser humano precisa de estímulos sensoriais adequados do nascimento aos 4 anos de idade, com especial ênfase nos dois primeiros anos de vida. É nessa fase que há o desenvolvimento sócio-emocional, da inteligência, das áreas sensoriais e das relações socioafetivas;, explica.

Rosana Maria destaca, ainda, que o trabalho com crianças tende a ser estimulante pela riqueza do universo delas e pela rapidez nas respostas e reações que apresentam. ;Nessa fase, elas formam vínculos e mostram o poder de aprendizagem que têm. Do nascimento aos 4 anos, o mínimo que você faz a uma criança gera respostas muito velozes, porque ela está crescendo de forma bastante rápida. Atitudes como essas podem fazer com que você se sinta mais fortalecido;, complementa.


Triste realidade


Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atualmente, o Distrito Federal conta com 15 entidades de acolhimento que atendem 442 pessoas. No Brasil, o número de pessoas que vivem em abrigos supera 47 mil.

Uma questão de humanidade


Para Thér;se Hofmann, decana de Assuntos Comunitários e professora do Departamento de Artes Visuais do Instituto de Artes (VIS/IdA) da UnB, a cultura do voluntariado ainda não se consolidou no Brasil. O país enfrenta dificuldades para incentivar esse tipo de trabalho entre os cidadãos e muitas pessoas ainda carecem de informação sobre ele.

;Em vários concursos públicos, por exemplo, a atuação voluntária conta na prova de títulos, e é pontuada como tempo de serviço na área para a qual se está concorrendo. E, para quem pretende fazer um intercâmbio ou estágio em uma empresa multinacional, o trabalho voluntário é muito valorizado, porque mostra que a pessoa se engajou em alguma causa e tem experiências para além da formação acadêmica.;

A especialista relembra que voluntariado também promove ganho de conhecimento, interação com outros grupos sociais e gera resultados positivos na vida de outras pessoas. Por outro lado, Thér;se acrescenta que a falta de capacitação ou inadequação do processo formativo do voluntário favorece os casos de descontinuidade da atividade.

;Não podemos confundir o desejo de colaborar, trocar informações, ajudar o próximo e de doar dedicação e conhecimento com o fato de a pessoa estar ociosa e querer preencher esse tempo sendo voluntária. Esse tipo de trabalho exige compromisso de ambas as partes;, destaca a decana.

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