Otávio Augusto
postado em 28/11/2017 06:00
As ruas esburacadas e sem asfalto, os casebres e a falta de serviços públicos retratam a desigualdade na capital federal. As gambiarras para o fornecimento de água e luz evidenciam a realidade de famílias que parecem abandonadas. A situação de miséria de 101.539 famílias da capital federal levou o Executivo local a investir R$ 72,5 milhões, entre janeiro e setembro, no pagamento de assistência social.
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Em locais como Sol Nascente, em Ceilândia, e Estância Mestre D;Armas, em Planaltina, a pobreza extrema chega acompanhada de mazelas como falta de saúde, educação, transporte e segurança. Sem perspectivas, essa parcela da população perpetua a miséria na capital federal. Dados da Secretaria de Estado de Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos mostram que 65% dos beneficiários do Bolsa Família têm renda inferior a R$ 85 mensais por pessoa. Ao todo, 77.710 recebem o auxílio governamental.
A procura pela suplementação aumentou 37% entre o primeiro e segundo quadrimestres deste ano, como o Correio revelou na edição de ontem. Em um mês, os novos cadastrados passaram de 5.517 para 7.590. O Ministério do Desenvolvimento Social calcula que, na capital federal, 101.539 famílias vivem em situação de miséria. O complemento na renda para cada família é, em média, de R$ 132,22.
Maria Elenilsa Nascimento, 33 anos, é uma dessas pessoas. Na casa dela, seis familiares vivem com R$ 287 do Bolsa Família. Essa é a única renda fixa. O marido dela faz bicos como pedreiro, mas, ultimamente, as empreitadas estão escassas. ;Tem dias que deito pensando no que eu vou pôr na mesa para meus quatro filhos comerem. Criança pede leite, pão, quer almoçar, e nem sempre tenho essa despesa garantida;, conta.
Grávida de seis meses, ela caminha cerca de 40 minutos até chegar ao centro de saúde mais próximo de sua casa, no Setor P Norte, em Ceilândia. Até deixar o Sol Nascente, ela atravessa ruas e vielas onde o esgoto a céu aberto se mistura com o tráfico de drogas e a incerteza de um futuro melhor. ;Somos um povo esquecido. Quando a chuva ou o vento derrubam a casa de alguém, nenhuma autoridade pública se preocupa com o destino daquela família;, critica.
Moradora do Sol Nascente há 14 anos, apenas há cinco ela conseguiu deixar o barraco de madeira e construir cômodos de alvenaria. Na última semana, comeu carne somente uma vez. O cardápio é quase sempre o mesmo: arroz e feijão. A geladeira estava praticamente vazia. ;Aqui falta tudo: médico, professor, policial, infraestrutura e futuro. Não sei que vida meus filhos terão;, pondera. Elenilsa veio do Piauí para o DF em 1997. O sonho, então com 18 anos, era concluir um curso superior. O diploma não veio. Ela parou os estudos na quarta série.
Sem perspectivas
Elenilsa não conhece Cleoneide Ferreira Rocha, 42. Porém, a história delas é semelhante. Mãe de quatro filhos, ela atualmente está desempregada. A família não tem renda fixa. A casa simples, na Quadra 3 da Estância Mestre D;Armas 2, não engana: lá tem fome, pobreza e poucos mecanismos para mudar esse caminho. ;Hoje, nem dizer ;estude;, como eu ouvia, resolve os problemas. Estudar onde? Chegar com que ônibus?;, reclama.
Ela fala de um problema conhecido. Os dois filhos adolescentes, Thiago e Eric, precisam de quatro ônibus para chegar ao colégio. ;A esperança é que eles estudem e consigam emprego. Não quero que eles tenham a mesma vida que eu. É triste dormir sem saber se amanhã terá almoço, sem saber de onde tirar dinheiro para pagar um conta;, destaca. Cleoneide faz uma pausa e emenda, em tom choroso: ;Essa é a pior fase da minha vida. Tive comércio, trabalhei na iniciativa privada, cheguei a ter dois carros em casa e, hoje, vivo de incerteza e da clemência de Deus;.
Cleoneide perdeu o emprego há três meses. Ela ganhava R$ 937. O filho mais velho, de 21 anos, arranjou uma vaga temporária em um restaurante. O contrato acabou e, até agora, ele não conseguiu outra atividade. ;Não sei até quando vamos viver nessa situação. Há semanas em que eu consigo fazer uma faxina, ganho R$ 70, mas em outras, não.; Ela mostra a casa simples de chão de cimento e poucos móveis. ;Isso é tudo o que eu tenho;, diz. Ela tentou ingressar no Bolsa Família, mas não teve o cadastro aprovado.
Benefícios
Apesar de reconhecer a situação delicada das famílias que moram nas regiões citadas pela reportagem, a Secretaria de Estado de Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos destaca que tem feito investimentos para mudar essa realidade.
;Todas recebem algum tipo de benefício social, mas nem todas estão na faixa de renda necessária, ou seja, contemplam os critérios estabelecidos em lei para ter acesso aos programas Bolsa Família e DF Sem Miséria;, explica a pasta, em nota. Desde 2011, o Plano DF Sem Miséria atende famílias em situação de extrema pobreza e pobreza. O valor do benefício varia de R$ 20 a R$ 940.
Sobre a situação das famílias da Chácara Santa Luzia e do Condomínio Sol Nascente, o governo destaca que os locais são fruto de ocupações irregulares. ;No Condomínio Sol Nascente, o governo de Brasília tem feito investimentos de cerca de R$ 200 milhões para dotar a área com infraestrutura básica: rede de drenagem e de pavimentação asfáltica;, explica a secretaria.
Não é o mesmo caso da Chácara Santa Luzia. ;Essa é uma ocupação irregular dentro da Estrutural, que não é passível de regularização, pois se encontra na faixa de amortecimento da Floresta Nacional de Brasília;, destaca o texto.
Assistência
As famílias em situação de vulnerabilidade social podem requisitar a inclusão no Cadastro Único por meio dos 27 Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) ou dos 11 Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS). A partir daí, podem ser solicitados benefícios como Bolsa Família, DF Sem Miséria, auxílio vulnerabilidade, cesta básica emergencial, auxílio-natalidade, auxílio por morte, aluguel social e benefício por calamidade.