Sarah Peres - Especial para o Correio
postado em 25/12/2017 06:00
A transformação de vidas por meio da educação deixou o plano das ideias e se concretiza em escolas do Distrito Federal com a expansão do projeto Mulheres Inspiradoras. Ganhadora de 11 prêmios, a iniciativa foi idealizada, em 2014, pela professora Gina Vieira Ponte e implementada no Centro de Ensino Fundamental 12 de Ceilândia. Este ano, acordo de cooperação assinado entre o Governo do Distrito Federal, o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e a Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI) permitiu que a proposta chegasse a 15 escolas. Os resultados surpreenderam e emocionaram.
No Centro Educacional 7 (CED 7) de Taguatinga, alunos e professores produziram um e-book com relatos dos estudantes do 3; ano do ensino médio sobre a experiência de participar do projeto. O livro digital, intitulado Entrelaços e nós, é um diário de bordo com o sentimento da turma do 3; D. A publicação foi construída dia a dia e acompanhada pela professora de língua portuguesa Ana Claudia Souza Dias. O projeto teve vários desdobramentos, em diversas disciplinas. ;O diário é um instrumento didático que a Gina nos indicou. Comecei a aplicar e senti a necessidade de divulgar essa experiência para a construção da história deles;, explica a docente.
[SAIBAMAIS]A criadora do projeto ressalta que as histórias registradas apontam para a mudança da mentalidade dos alunos. ;Eles me mostraram que a educação vai além dos conteúdos para passar em uma prova. Educação é humanizar. É saber o meu lugar no mundo e me indignar frente ao sofrimento do outro, isso é educação;, resume Gina.
Um exemplo são as transformações em vidas como a de João Pedro Abreu, 17, aluno do CED 7. ;Eu nunca consegui estudar o dia inteiro e, quando chegava à escola, pensava: ;O que eu estou fazendo aqui?;. A gente bagunçava e acreditava que o colégio era a pior coisa do mundo. Mas, com o projeto, vi que a educação poderia ser divertida;, afirma em seu depoimento ao e-book. Pela primeira vez, João Pedro conseguiu cravar no boletim um 10 em matemática. As mudanças foram além do desempenho escolar. ;Descobri que elas (as mulheres) são muito importantes para a gente, para a nossa vida. Elas também foram transformadoras e isso mudou a minha forma de vê-las;, assegura.
;A indisciplina é um modo de o aluno demonstrar resistência e mostrar que não está contente com o ensino escolar. Às vezes, o que um aluno tem de ;mau; para uma escola é, na verdade, o que ele tem de melhor. No caso do João, é o poder de argumentação e apresentação de ideias, que, por meio do projeto, ganhou espaço para ser trabalhado. O que eu vejo é a materialização de uma visão de educação muito mais potente;, defende a professora Ana Claudia.
Parceria
Ao lado de Ana Claudia, a professora Bruna Paiva de Lucena, de redação, ampliou o projeto na escola. ;Apresentamos aos alunos uma autora da nossa região, a Cristiane Sobral. A poesia dela, de certa forma, fala das nossas realidades, como racismo e machismo. A poetisa veio à escola e trouxe uma aproximação com o aluno e com a literatura;, relata.
Para que o projeto se harmonizasse com a realidade dos estudantes da M Norte, região de Taguatinga em que fica a escola, foram promovidas rodas de conversa com mulheres da cidade, como a poetisa Meimei Bastos, a pesquisadora de literatura afrobrasileira Calila das Mercês, a militante e estudante de química da UnB Ana Beatriz Bonfim e Rayane Soares, coordenadora pedagógica do Jovem de Expressão, projeto social de Ceilândia. ;Elas falaram sobre o poder e o empoderamento feminino;, conta Bruna Lucena.
;Eu me sentia meio excluída e, com o projeto, passei a me ver como parte da sociedade;, afirma a aluna Gabriela Lopes, 18. ;Aprendemos a ampliar o senso crítico, a pensar ;fora da caixa;. Ao repensar a maneira como a mulher é vista na sociedade, é imprescindível para nós, jovens, fazermos algo para mudar essa triste realidade, que vem da cultura machista;, explicita, no diário de bordo, a aluna Jhully Gomes.
Conscientização
Ainda como parte do projeto, os alunos escreveram cartas às suas mulheres inspiradoras. Alguns homenagearam as mães, como Gabriel de Albuquerque, 18. ;Minha mãe é uma guerreira. Por ter que cuidar de mim e dos meus irmãos, não pôde ter um serviço e apenas nos últimos tempos ela começou a trabalhar;, escreveu.
Camila Rodrigues, 18, reconheceu no trabalho dos professores a sua fonte de inspiração. ;A professora de sociologia Angela Rosário, em apenas um ano e meio, construiu o que eu sou hoje. Ela tem esse lado humano de se importar com o outro;, reflete.
;Queremos que os meninos percebam a importância do respeito às mulheres e que as meninas entendam que não precisam ser submissas ao homem, que elas sejam protagonistas das suas próprias vidas. É necessária a conscientização de que a relação homem e mulher não é de competição, mas, sim, de que é possível aos dois alcançarem posições iguais na vida adulta, sem que haja a violência;, explica Vitória Régia de Oliveira, coordenadora pedagógica do CEF 12 de Ceilândia à época da criação do projeto. Hoje, ela é coexecutora do Programa de Ampliação da área de Abrangência do Projeto Mulheres Inspiradoras.
Fevereiro de 2017
Linha do tempo
A ampliação do projeto Mulheres Inspiradoras resultou em diversas ações de combate ao machismo nas escolas contempladas. Confira algumas delas e o histórico da iniciativa:2014
Nasce o projeto Mulheres Inspiradoras, idealizado por Gina Vieira Ponte, então professora do CEF 12 de Ceilândia. A iniciativa ganha o primeiro reconhecimento nacional com o 4; Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos. Depois, leva ainda o 8; Prêmio Professores do Brasil e o 10; Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero.
Dezembro de 2015
A iniciativa concorre com 17 projetos de diferentes países ao 1; Prêmio Americano de Educação em Direitos Humanos, promovido pela Organização de Estados Ibero-americanos (OEI) e conquista o 1; lugar.
Março de 2016
É lançado o livro Mulheres Inspiradoras, que reúne relatos de mães, de avós e de outras mulheres que se tornaram figuras inspiradoras para os estudantes do CEF 12 que participaram do projeto.
Junho de 2016
A convite da Assessoria Internacional do Governo do Distrito Federal, o projeto é apresentado no evento Brasília, cidade internacional. A partir dessa participação, têm início as negociações para que o Mulheres Inspiradoras chegue a mais escolas do DF, com apoio do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF).
Setembro de 2016
Criação de um grupo de pesquisa na Universidade de Brasília (UnB) para acompanhar o programa e avaliar os resultados, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da instituição de ensino.
Fevereiro de 2017
O Governo do Distrito Federal assina o acordo de cooperação técnica com o CAF e a OEI para a expansão da iniciativa na rede pública de ensino.
Maio de 2017
15 escolas da rede pública são selecionadas para capacitação de 30 professores. O número de professores interessados extrapola a previsão inicial e se registram 47 inscritos, possibilitando a participação de 3 mil alunos.
Junho de 2017
Escolas contempladas pelo projeto recebem os primeiros exemplares de livros, todos escritos por mulheres: Eu sou Malala, de Malala Yousafzai; O Diário de Anne Frank; Quarto de Despejo ; Diário de uma Favelada, de Carolina de Jesus; Malala, a menina que queria ir para a escola, de Adriana Carranca; e os livros de poesia Não Vou mais lavar os pratos e Só por hoje vou deixar o meu cabelo em paz, além dos contos Espelhos Miradouros e Dialéticas da Percepção, da brasiliense Cristiane Sobral. Ao todo foram 1,5 mil exemplares de obras de autoria feminina distribuídos.
Julho de 2017
Os professores capacitados começam a desenvolver o projeto nas unidades de ensino.
Novembro de 2017
Exposição de trabalhos de artes elaborados por alunos do CEF 15 do Gama marca a abertura do Orange Day no Palácio do Buriti, iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU) em alusão ao Dia Mundial de Combate à Violência contra a Mulher.
Dezembro de 2017
Cerimônia no Salão Branco do Palácio do Buriti, marca a conclusão da 1; Edição do Programa de Ampliação da Área de Abrangência do Projeto Mulheres Inspiradoras.