Jornal Correio Braziliense

Cidades

Mesmo sendo crime que mais cresceu, nem todas as vítimas denunciam estupros

Nem todas vítimas do crime que mais cresceu no ano passado registram ocorrência. Algumas só procuram a delegacia meses e até anos depois, por diversos fatores. Demora prejudica investigação, principalmente na coleta de provas

A vendedora Antonieta* se lembra com detalhes do primeiro dia de setembro de 2010, principalmente da volta do trabalho para casa. ;Eu estava indo para a parada de ônibus quando ele apareceu e me arrastou para um lugar escuro;, conta, com a voz fraca. Um homem a amordaçou e a estuprou. ;Na hora, senti muito medo. Depois, me senti imunda. Não tinha reação, não consegui fazer nada;. Na época, ela tinha 23 anos e não contou para ninguém. Só três anos depois, conseguiu compartilhar com uma amiga, que a aconselhou e acompanhou a uma delegacia. Antonieta ainda carrega as marcas do abuso. ;Só uma mulher que já passou por isso sabe como é. Nunca mais fui a mesma.;

Apesar de recorrente, o estupro é um crime subnotificado, por não ser registrado por todas as vítimas. Em muitos casos, a ocorrência só é documentada muito tempo depois, como no caso de Antonieta. Das 814 ocorrências de estupro entre janeiro e novembro de 2017, 626 foram de fato neste período. As outras 188 tratam-se de casos em que a vítima denunciou o abuso sofrido muito antes, às vezes, anos. Os dados são da Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social (SSP-DF). Apenas em agosto do ano passado, foram registradas 82 ocorrências, das quais 44 ocorreram de fato no mês.

Na contramão de outros crimes graves, como homicídio e latrocínio (roubo com morte), os casos de estupros aumentaram no ano passado, com 883 denúncias, 32,4% a mais do que 2016, quando houve 667 queixas. Um fator que contribui para os registros, segundo especialistas, é a ampliação daquilo que se caracteriza como estupro. Pela lei, ele não se resume só ao ato sexual.


Em todo o ano, 55% dos estupros ocorreram sem conjunção carnal e 39% dos crimes ocorreram na casa da vítima ou do autor. Em 59% dos casos havia vínculo entre a vítima e o estuprador, segundo a SSP-DF. Dados da secretaria apontam que 96% das ocorrências de estupro de vulneráveis em agosto de 2017, por exemplo, aconteceram em locais fechados.

Em 2017 a quantidade de estupros consumados também aumentou. Passou de 616 em 2016 para 687 em todo o ano passado: um salto de 12%. O acumulado de janeiro a dezembro de 2017 seguiu a tendência do que aconteceu mês a mês no DF. O crime chegou a ser o único que continuou crescendo na capital.


Vestígios

Diretor do Instituto de Criminalística da Polícia Civil, Gustavo Dalton destaca a importância de denunciar o crime assim que possível. ;Se a denúncia é feita imediatamente, as chances de se chegar ao autor do crime são maiores. Os trajes da vítima, por exemplo, podem guardar indícios de pelos, sangue, sêmen e outros fluidos corporais;, explica. A recomendação da polícia é que a vítima evite tomar banho antes de procurar ajuda. Os resíduos fisiológicos se degradam com o tempo.

[SAIBAMAIS]Depois de feito o registro, a vítima é encaminhada a um hospital para realizar exames e receber medicamentos antirretrovirais, que impedem a contaminação de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST). As mulheres recebem, ainda, a pílula do dia seguinte, para evitar gravidez. O registro do BO é fundamental para que, em seguida, seja feito o exame de corpo de delito, realizado no Instituto Médico Legal (IML). O objetivo da análise é colher as provas do ato criminoso para que o caso seja investigado. É válido ressaltar, no entanto, que a vítima não é obrigada fazer nada que não queira.

Quando o crime ocorre em vias públicas, a principal medida de prevenção do órgão é a elaboração de um estudo que indica os dias, horários e locais do fato. Outra razão pela qual é importante a denúncia: o levantamento é feito a partir das ocorrências registradas nas delegacias de polícias do DF e permitem a elaboração de estratégia a fim de se evitar aumento de casos.


Ajude

O projeto Maria da Penha, do Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ) da Universidade de Brasília (UnB), presta atenção jurídica e psicológica a mulheres que sofreram algum tipo de violência. O atendimento, que ocorre aos sábados pela manhã, das 9h às 12h, é gratuito e aberto à comunidade. Interessadas em receber apoio, podem ir local, em frente a estação do Metrô de Ceilândia Centro, ao lado do supermercado Tatico. Há desde acolhimento em grupos de apoio até amparo com o processo de denúncia. Mais informações: 3581-1433 e 3372-3746.



*Estagiária sob supervisão de Renato Alves