Cidades

Igreja invade terreno público em Ceilândia e divide opinião de moradores

O terreno destinado a um local de lazer recebeu o galpão de uma igreja evangélica. A Agefis notificou a irregularidade, mas os pastores recorreram

Isa Stacciarini
postado em 15/01/2018 06:00
Sob o comando de dois pastores, entidade religiosa está instalada na área cercada desde 2013 Uma igreja evangélica invadiu terreno público em Ceilândia e construiu um galpão improvisado. O espaço antes destinado à área de lazer virou local de culto religioso. Cercada por estacas e arame, a igreja Assembleia de Deus primeiro se instalou no endereço para depois conseguir autorização do uso do espaço. Notificada duas vezes pela Agência de Fiscalização do DF (Agefis), os responsáveis pelo templo recorreram. Nas duas ocasiões utilizaram como alternativa o amparo em legislações passadas para prolongar a permanência no local, mas esse templo não se encaixa em nenhuma das normas.

A entidade religiosa se instalou no espaço da comunidade em 2013, mas começou a realizar celebrações evangélicas um ano depois. Sob comando de dois pastores, a programação religiosa acontece todos os dias da semana, inclusive aos sábados e domingos. Quatro meses depois da demolição do templo evangélico Assembleia de Deus Ministério da Madureira, na Vila Planalto, o novo episódio reforça que a ocupação de área pública por igrejas evangélicas continua pelo Distrito Federal.

Na tentativa de se manter no espaço, o responsável pela igreja, pastor Eridan Dantas, alega que está amparado pela Lei Complementar 806, de 12 de junho de 2009. Mas a norma prevê a regularização de entidades religiosas situadas em terras públicas instaladas até 31 de dezembro de 2006: nesta data o templo em Ceilândia sequer existia. Além disso, a regra foi alterada pela Lei Complementar 873/2013

Segundo a Agefis, o templo começou a funcionar em época da transição de governo. A obra está mapeada e, segundo o órgão, a desobstrução de área pública ;obedece a uma matriz que leva em consideração aspectos ambientais, urbanísticos e fundiários.;

Para garantir que a igreja funcione, o pastor critica o abandono dos espaços públicos ao lado do templo. Ele alega que a quadra de esporte e o campo de areia, a cerca de 50 e 40 metros do templo, respectivamente, atraem usuários de droga e acumulam lixo. ;Inclusive proporcionam a proliferação do mosquito da dengue. Quando a igreja foi criada, em 2013, pedimos autorização na Codhab (Companhia de Desenvolvimento Habitacional do DF), com base na Lei 806. Inclusive tivemos projeto aprovado pelo Corpo de Bombeiros, CEB e Caesb e entramos com representação na administração regional;, alega.

Ele, no entanto, confirma que recebeu notificação da Agefis. A última vez foi em junho de 2017. ;Pedimos que a área pública seja transformada em fins institucionais para fazer a mudança da destinação do uso, colhemos 300 assinaturas em abaixo-assinado a favor da nossa igreja, pelo serviço que realizamos e temos o apoio da bancada evangélica, tanto distrital quanto federal;, justifica.

Pontos de vista

A comunidade organizou abaixo-assinado Instalada em frente a uma rua residencial, a igreja divide opiniões de moradores. Os defensores do templo relembram que antes da invasão, o terreno acumulava bichos mortos e lixo. Outros, porém, defendem que o espaço seja de fato destinado área de lazer. O pintor Hinio Marcelino de Sousa, 47 anos, é um deles. Ele conta que a comunidade também organizou abaixo-assinado para tirar a igreja do terreno público. ;Esse era um local para ser transformado em área de lazer para a comunidade. Por mais que acumulasse lixo, não era justificativa para invasão. Os fiscais da Agefis vieram aqui, mas o desrespeito continua;, lamenta.
O militar Odalves Ferreira Dias, 47 anos, mora no local há 35 anos. Ele ressalta que a igreja tem um papel social importante, mas em terreno público retira a credibilidade. ;Tanto é que a obra está inacabada. Estamos sujeitos a um mínimo de organização, mas iniciaram a construção sem nenhum documento que permitisse a instalação da igreja;, destaca. Ele ainda reforça que tem dois filhos, de 7 e 5 anos, que poderiam aproveitar o local de outra forma.
Para a pensionista Maria Olandi de Aguiar, 67 anos, o templo aliviou o mau cheiro. Moradora da casa em frente à igreja, ela relembra que tinha de pagar de R$ 50 a R$ 70 para limpar a área quase que diariamente. ;Aqui ficava cheio de cachorro morto e até cavalo. Eu almoçava com moscas rondando a minha casa por causa da podridão. Apesar de não estar certo, a igreja melhorou essa condição, além de tirar os jovens que ficam pela rua;, destaca.
Outra moradora, Joana Lima, 71 anos, conta que as filhas tinham medo, inclusive, de serem atacadas, porque usuários de droga e moradores de rua se aglomeravam perto do terreno. ;Está melhor do que era. Antes, a gente morria de medo das pessoas que ficavam por aí. Sem contar os ratos mortos que exalavam mau cheiro;, destaca a dona de casa.

Entenda o caso

Em 28 de setembro do ano passado, fiscais da Agefis demoliram a estrutura da igreja Assembleia de Deus Ministério da Madureira, na Vila Planalto. O ato gerou reação da comunidade religiosa. O deputado e pastor Marco Feliciano (PSC-SP) alegou que os fiscais agiram sem mandado judicial nem aviso-prévio, mas a diretora-presidente do órgão, Bruna Pinheiro, comprovou que a edificação foi erguida há pouco tempo e em área pública.

No mesmo dia em que a polêmica veio à tona, em 3 de outubro, o governador do DF, Rodrigo Rollemberg (PSB), chegou a receber uma comissão de 35 pastores e seis deputados da bancada evangélica no gabinete para tratar da questão.

O que dizem as leis

Pela Lei Complementar (LC) 873/2013, a área cedida a entidades religiosas não pode sofrer alteração do uso e os responsáveis poderão comprar o terreno onde estão instalados, mas desde que comprovem a existência de programas e ações voltadas para o atendimento de crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, usuários de droga ou pessoas que vivem na rua. A nova legislação altera a LC 806/2009, que dispunha sobre a política pública de regularização urbanística e fundiária dos imóveis ocupados por entidades religiosas. Ela regularizou a situação de 1,4 mil entidades religiosas situadas em terras públicas. Somente os espaços instalados até 31 de dezembro de 2006 foram contemplados. Os representantes de alguns tiveram prioridade na compra do terreno e outros, o GDF cedeu os terrenos.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação