Jornal Correio Braziliense

Cidades

Tribunal de Justiça do DF proíbe uso de animais em provas de vaquejada

Sentença não impede realização do evento, desde que os animais sejam apenas usados para exposição e comercialização, com cuidados de veterinários, e em ambiente adequado


[SAIBAMAIS]O descumprimento da ordem judicial pode resultar em uma multa de R$ 50 milhões para o responsável. Além dessa penalidade, o magistrado determinou que o uso de animais nesse tipo de evento fique limitado à comercialização e exposição, sendo necessários cuidados veterinários e ambiente adequado. O governo do DF também deve proibir a realização de provas e garantir o respeito à decisão judicial.

A sentença foi proferida na Ação Civil Pública apresentada pela BSB Animal Proteção e Adoção contra o Distrito Federal e a Parque Vaquejada Maria Luiza. Ainda cabe recurso à decisão.


Justificativa


A determinação do magistrado se fundamentou no artigo 225 da Constituição Federal, que proíbe a submissão de animais à crueldade. Com base em um parecer técnico, o juiz explicou que os maus-tratos acontecem não só antes e depois dos eventos, mas também durante os treinamentos. Segundo ele, os problemas são causados, principalmente, pela sujeição dos animais a situações de estresse e pela provocação de lesões físicas.

"São inúmeras as manifestações de veterinários, juristas e técnicos no que concerne aos maus-tratos a animais em provas de vaquejada e similares. (...) Durante a prova, a derrubada do animal se dá por meio de uma torção no rabo, o que ocasiona lesões traumáticas na medula espinhal e muitas vezes resulta no desmembramento da cauda. Já a laçada exige que o boi saia em disparada, motivo pelo qual se procede a prévio molestamento por meio de choques elétricos e estocadas, levando o animal a extremo estado de agitação e estresse", afirmou o juiz.

O magistrado acrescentou que o uso de animais em práticas que causam dor e terror é "francamente antiético" e inconstitucional. "Dado que, salvo os pervertidos denominados ;masoquistas;, nenhum ser senciente aprecia a dor e o pavor; logo, a conduta de se lançar animais ao sofrimento, para o puro divertimento e esporte de alguns (...) não poderia jamais ser reputada como eticamente defensável;, disse.

O juiz ainda abordou a questão da herança da prática e justificou que, hoje, a atividade não condiz com a "evolução ética e jurídica" da sociedade. "Algumas tradições podem ter sido aceitas ou celebradas em algum momento histórico, mas tornaram-se inadmissíveis em outro, conforme evolução da consciência ética da sociedade."

A Associação Nacional de Criadores de Cavalo Quarto de Milha (ABQM) se manifestou de forma crítica à decisão. "Lamentamos que preconceitos e desinformação sobre a cultura do campo sejam propagados em decisão judicial. O STF nunca proibiu a prática da vaquejada, como já foi esclarecido pela 1; turma ao julgar a reclamação 25.869, do Piauí, e como já disse o ministro Marco Aurélio, relator do caso que, em 2016, considerou inconstitucional uma lei do Ceará que não estabelecia penas para os maus tratos", afirmou, por meio de sua assessoria, o presidente da entidade, Edilson Siqueira Varejão Júnior.

"O esporte representa uma garantia de bem-estar animal. O circuito de competições exige padrões rigorosos de tratamento e cuidado. O carinho com os animais é uma característica do ambiente esportivo. Por isso, a ABQM atua no Executivo, no STF e no Congresso em defesa dos esportes equestres e da aprovação da lei que estabelece punições para quem não respeita os animais. O texto, já aprovado pelo Senado, depende agora de votação na Câmara", concluiu.


Tramitação


Em outubro de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional uma lei cearense que regulamentava a vaquejada no estado. Em novembro do mesmo ano, a Lei Federal n; 13.364/2016 permitiu que o rodeio, a vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais fossem consideradas patrimônio imaterial e manifestações da cultura nacional.

Já no Distrito Federal, essa ação tramitava na Vara do Meio Ambiente desde 2015 e foi apresentada com pedido liminar para a suspensão de uma vaquejada que aconteceria em Planaltina. O evento foi cancelado, e o tema voltou a ser analisado pelo TJDFT em 2017.

O Conselho Especial do TJDFT julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) apresentada pelo Ministério Público (MPDFT) contra a Lei Distrital n; 5.579/2015, que reconheceu a vaquejada como modalidade esportiva no DF.

O colegiado do tribunal decidiu que a prática não configura maus-tratos contra animais e tem natureza recreativa e cultural. Sobre essa decisão, proferida em segunda instância, o juiz da Vara do Meio Ambiente disse que não há quebra de "reverência e acatamento", mas sim respeito à determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), divulgada em 2016.

"A presente demanda não visa proibir pura e simplesmente a vaquejada, mas apenas a condenação em obrigação de não fazer, ;determinando a proibição de utilização de animais no referido evento;", concluiu o magistrado.

*Estagiária sob supervisão de Ana Letícia Leão.