Cidades

Apesar da baixa representatividade, mulheres conquistam espaço na política

No Congresso, há uma representante do DF entre oito parlamentares. Na Câmara Legislativa, são cinco de 24 distritais

Gabriella Furquim - Especial para o Correio
postado em 31/01/2018 06:00 / atualizado em 08/10/2020 14:31
Bruna Pinheiro, presidente da Agência de Fiscalização de Brasília (Agefis)" />

Elas são maioria na população, mais escolarizadas e dominam as listas de aprovados em concursos públicos. Mas, quando o assunto é ocupar cargos eletivos e políticos, a realidade se inverte. No Governo do Distrito Federal (GDF), percebe-se com clareza a distorção: as mulheres representam 66,7% dos servidores e empregados ativos, mas ocupam 15,8% dos cargos de natureza política. São nove mulheres nos 57 postos do alto escalão do Executivo local.

No Legislativo, a situação é parecida. Na Câmara, dos 24 deputados distritais eleitos, cinco são mulheres, ou seja, elas ocupam 20,8% do plenário. No Congresso Nacional, há uma mulher entre os oito parlamentares de Brasília no Senado e na Câmara dos Deputados, uma porcentagem feminina de 12,5 %. “Além da sub-representatividade, vivemos uma desumanização simbólica. As mulheres lutam para serem donas de seus próprios corpos e da sua fala. Quando a mulher fala, é uma ruptura muito nítida no parlamento. Há mais animosidade, mais reações”, afirma a deputada federal Erika Kokay, única representante do DF na Casa.

Além disso, elas enfrentam dificuldades no dia a dia político. Recentemente, o Correio denunciou o mal-estar sofrido em reunião que antecedeu a votação da liberação de R$ 1,5 bilhão em verbas de precatórios e economizadas do fundo de previdência dos servidores para o GDF. A secretária de Planejamento, Orçamento e Gestão, Leany Lemos, foi recorrentemente interrompida — o comportamento é chamado de manterrupting (leia Glossário) —, e os parlamentares, consultados sobre a necessidade da presença da chefe da pasta no encontro.



“Aquele machismo grosseiro, de que mulher não pode trabalhar, não pode estudar, nós estamos superando. Hoje, enfrentamos o desafio da exclusão das mesas de decisão, dos cargos de poder. Enfrentamos o medo de falar, a desconfiança por sermos as únicas em reuniões importantes”, afirmou.

Paola Aires, procuradora-geral do Distrito Federal" />

No GDF, elas chefiam as administrações regionais de Taguatinga, do Gama e do Itapoã; a Agência de Fiscalização (Agefis); a Procuradoria-Geral; e as secretarias de Projetos Estratégicos; de Planejamento, Orçamento e Gestão; de Esporte, Turismo e Lazer; e de Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos.

A cientista política Débora Thomé estuda a participação das mulheres na política pela Universidade de Columbia, em Nova York. Segundo ela, o silenciamento é um processo com origem em uma cultura milenar. “A menina aprende desde cedo que o lugar dela é a casa. O espaço público é do homem e, nele, as mulheres não estão autorizadas a falar. Elas são constantemente desautorizadas. E, quando rompem esse limite, são vítimas de manterrupting. Uma prática que as ataca em um ponto em que a sociedade provoca e reforça a vulnerabilidade. No caso, evidencia que ela ocupa indevidamente o poder de fala, o espaço público”, analisa.

Eleições


A legislação eleitoral determina que 30% das candidatas em cada coligação sejam mulheres. Pioneira na política brasiliense, Maria de Lourdes Abadia foi deputada constituinte, distrital, vice-governadora, governadora e, hoje, atua como secretária de Estado. Ela aponta dificuldades dentro dos partidos como uma das razões para o número baixo de eleitas. “Nós enfrentamos a desconfiança e os questionamentos sobre a nossa competência. As coligações só se preocupam em ter candidatas para cumprir tabela. Não há a preocupação em formar boas candidatas”, denuncia.

Leany Lemos, secretária de Planejamento, Orçamento e Gestão" />

A cientista política Débora aponta o fenômeno das candidatas-laranjas. “Os partidos são responsáveis pelos financiamentos de campanhas, as candidatas mulheres não recebem tantos investimentos quanto os homens e muitas candidaturas são apenas para cumprir a legislação”, reforça.  De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nas eleições municipais de 2016, de cada 10 concorrentes sem votos, nove eram mulheres.

Em estudo da atual legislatura da Câmara Legislativa, a professora Danuza Marques, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), constatou que elas são sub-representadas nas comissões permanentes de maior importância política. Um exemplo é a Comissão de Economia, Orçamento e Finanças (Ceof), que não conta com nenhuma parlamentar entre os titulares.

Érika Kokay, deputada federal (PT)" />

A ausência delas nas discussões estratégicas também é uma questão abordada por Débora. “Quando elas conquistam poder, cabem a elas os espaços relacionados à vida doméstica. As mulheres são mais aceitas em pastas relacionadas às crianças, por exemplo. Mas dificilmente estão em discussões de poder político, como de orçamento.”


Glossário


  Manterrupting

» Quando um homem interrompe constantemente uma mulher, de maneira desnecessária, não permitindo que ela consiga concluir a frase. A palavra é uma junção de “man” (homem) e “interrupting” (interrupção) e, em tradução livre, quer dizer homem que interrompe. Esse comportamento é muito comum em reuniões e palestras mistas.


  Mansplaining

» Quando um homem dedica o tempo para explicar algo óbvio a uma mulher, de forma didática, como se ela não fosse capaz de entender. O termo é uma junção de “man” (homem) e “explaining” (explicar). Em atos de mansplaining, o homem acha que sabe mais sobre um tópico do que a mulher. Muitas vezes, essa expressão está ligada ao manterrupting.


  Gaslighting

» Derivado do termo inglês “gaslight”, que, em tradução livre, remete à luz inconstante do candeeiro a gás, é um dos tipos de abuso psicológico que leva a mulher a achar que enlouqueceu ou que está equivocada sobre um assunto. O gaslighting é um jeito de fazê-la duvidar do senso de percepção, raciocínio, memórias e sanidade. Algumas frases são características desse comportamento: “Você está exagerando”, “Pare de surtar”, “Não aceita nem uma brincadeira?”, “Você está louca”, entre outras.

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