Cidades

Lago Paranoá pode contribuir com a economia do Distrito Federal

A vocação para o lazer e o entretenimento pode transformar um dos principais cartões-postais do Plano Piloto em um polo de desenvolvimento sustentável e de geração de emprego. Mas o que falta ainda é infraestrutura

Ludmila Rocha - Especial para o Correio, Luiz Calcagno
postado em 04/02/2018 08:00

Vista aérea da Ponte JK

Foi Luis Cruls, em 1894, quem primeiro vislumbrou a dimensão do Lago Paranoá para a utópica nova capital do país e relatou essa potencialidade dois anos depois. Ideia que foi concretizada por Juscelino Kubitschek em abril de 1960. Hoje, o espelho d;água, com cerca de 48km quadrados de área e profundidade máxima de 38 metros, é uma região que atrai turistas e brasilienses, graças à diversidade de opções ligadas ao lazer e ao entretenimento.

Para se ter uma ideia, 50.971 embarcações circulam pelo lago. O DF é a quarta unidade da Federação em quantidade de veículos náuticos. A economia da região está em pleno desenvolvimento e passa por transformações que mudam, também, a cara da capital federal.
Vista aérea de garagem de barcos no Lago ParanoáCom a desobstrução, toda a orla do lago começa a ganhar, mesmo lentamente, um novo perfil: mais restaurantes (cerca de 80 na orla e região), urbanização, ciclovias, píeres, além dos tradicionais clubes e hotéis ; esses últimos, inclusive, buscam novidades para atrair a clientela.

Atração

O interesse da população pelo lago só aumenta. É o caso da publicitária Helena Seabra, 39 anos. Moradora da Asa Norte, ela passou a frequentar o Calçadão da Asa Norte com o filho, Arthur Dantas de Seabra, 9. ;Sempre quis passear de caiaque nessa região. Aproveitei as férias do meu filho para começarmos;, conta. O plano é transformar as idas para o lago em um programa semanal. ;Eu entro às 10h no trabalho. Nada me impede de vir mais cedo. Alugar um caiaque, por exemplo, é bem mais barato que ir ao cinema;, compara.

O interesse turístico também é forte e o brasiliense reconhece isso. Moradora de Águas Claras, a advogada Nathane Ribeiro, 26 anos, se mudou de Belo Horizonte para Brasília há dois anos, e, sempre que recebe visitas, tem roteiro definido: o Pontão do Lago Sul. Os últimos a ;turistarem; pela área com Nathane foram os amigos da capital mineira Déborah Barros, 20, e João Vinícius, 25. ;Considero (o Pontão) o lugar mais lindo de Brasília. Toda vez que vem alguém de fora, eu trago aqui. A comida é boa, tem gente bonita e a vista é inigualável;, elogia. E os visitantes se impressionam. ;Gostei muito. Íamos até fazer stand-up pedal, mas a chuva não deixou;, completa Déborah.
Nathane Ribeiro (D) e Déborah Barros: uma paisagem inigualável

Dificuldades

É claro que o local não passou imune à crise, mas as possibilidades turísticas, e as diversas atividades no Paranoá e arredores, permitem ao mercado local se reerguer mais rapidamente e projetar um crescimento em curto prazo. É certo que os restaurantes ainda amargam perda de clientela, mesmo assim empresários falam com otimismo sobre o reaquecimento do setor. Clubes investem em eventos e atividades esportivas para manter a receita e atrair novos sócios, e alguns hotéis oferecem preços promocionais para quem quiser passar o dia usufruindo do estabelecimento, principalmente em datas comemorativas.

O potencial desse cartão-postal, porém, está no que ainda não foi explorado. Quem afirma é o presidente da Federação do Comércio do Distrito Federal (Fecomércio-DF), Adelmir Santana. ;Todas as cidades do mundo aproveitam as orlas. Em Brasília, são quase 48km de área, ainda com poucas opções para quem busca lazer e arte;, por exemplo. ;O governo tomou a iniciativa de desocupar espaços e, com isso, abriu uma oportunidade para melhorar o comércio local, mas ainda é preciso investir em iluminação, acessibilidade e segurança;, avalia.
Talita Balzou (E) e Léa Moura: a gastronomia diversificada é um dos atrativos da região

"O mais bonito da capital"

Moradora da Asa Norte, Talita Balzou, 36 anos, adora levar amigos para aproveitar a boa gastronomia às margens do Paranoá. O diferencial é exatamente este: a paisagem. ;Vim para Brasília em 2007. Primeiro, como turista e, depois, para trabalhar. O Lago Paranoá é o lugar mais bonito da capital. É uma referência turística e histórica de Brasília;, afirma.

Amiga de Talita, Léa Moura, 36, mora em Palmas e visita a capital federal. Ela também se diz apaixonada pelo lago. ;Se eu morasse no DF, viria aqui sempre que pudesse. Só de ficar na orla lendo um livro já seria gostoso;, declara.

É justamente na atração que o lago provoca em turistas e brasilienses que os empresários apostam para consolidar seus empreendimentos. E o discurso é otimista, apesar da baixa no número de clientes nesta época do ano. Há quem subsidie o negócio com lucro de outros empreendimentos. Mas, mesmo em dificuldade, é a gastronomia que está modificando a economia em torno do espelho d;água. Proprietários falam com otimismo sobre o futuro.

Democratização

Um dos sócios do Bier Fass do Pontão, Antônio Carvalho acredita que, com o tempo, ;o DF se voltará, cada vez mais, para o Lago Paranoá;. ;Viramos um polo econômico importante. No Pontão, por exemplo, mesmo durante a semana, circulam milhares de pessoas. Isso acontece por estarmos virados para o lago. A crise chegou para todos. Não tem muito para onde correr. Mas, com um fim de semana de sol, por exemplo, temos um atrativo a mais. Se houver uma boa vontade governamental de democratizar o lago, tanto para frequentadores, como para empreendedores, a coisa só tem a fluir;, propõe.

Roberto Magnani, proprietário do bar e restaurante Avenida Paulista e vice-presidente da Associação Beira Lago, explica o motivo das altas expectativas. ;O Lago Paranoá é o centro de bem-estar e entretenimento da população do Plano Piloto e de grande parte das cidades do DF. Isso requer que o uso dos equipamentos públicos seja bem definido, e é o que estamos fazendo no Beira Lago, no qual trabalhamos na revitalização ao lado do governo;, explica.

Os restaurantes do Pontão também buscaram estratégias para popularizar os serviços, explica a administradora do espaço, Sandra Campos. ;Temos almoço a R$ 39,90. A pessoa come à vontade. O preço não é exorbitante;, argumenta. Ainda assim, a gestora enfatiza que há muito o que se fazer. ;A economia gerada ao redor do lago está em uma curva ascendente, mas falta regulamentação, como em outros estados e países, para explorar melhor a região;, pondera.

Vocação para o esporte

Em terra ou na água, é fácil encontrar uma atividade esportiva às margens do Lago Paranoá. Clubes dispõem de aparato completo para vôlei, diversas modalidades de tênis e futebol, por exemplo. Além disso, empresários investem em atividades aquáticas, como o stand-up paddle, o remo e a canoagem. O aluguel do equipamento varia de acordo com estabelecimento.

Aos 73 anos, o servidor aposentado Flordovaldo Cunha preferiu ficar em terra, mas bem perto do espelho d;água. Ele pratica tênis duas vezes por semana e tem fôlego para várias partidas, garante. ;Para mim, é importante praticar atividades esportivas. Pratico tênis todas as terças e quintas, enquanto minha mulher faz hidroginástica no Minas Tênis Clube. Tenho amigos em outros clubes e trocamos convites para praticarmos juntos. É um dinheiro que estamos investindo em vitalidade;, diz.

Cláudio Carraca, 44, representante comercial, é também instrutor de canoa havaiana. ;O lago é fantástico, tem uma qualidade excelente para banho e ainda une esporte e lazer. Mas ainda hoje é pouco aproveitado. Não raro recebo alunos que moram em Brasília e nunca usaram o lago. Para melhorar esse quadro, acho que precisa ter mais divulgação e organização das bases que cuidam disso, além de investimentos do governo;, avalia.

Luciano Castro, 39, é dono de uma barraca para aluguel de artigos esportivos (stand-up e remo) e de pedalinho na Prainha do Varjão. Segundo ele, cerca de 2 mil pessoas, entre esportistas, turistas e moradores da região, passam por lá semanalmente. O número aumenta Helena Seabra com o filho Arthur: passeios de caiaque e naturezana alta temporada. ;Eu atendo cerca de 50 clientes semanalmente, sendo uns 20 só nos fins de semana;, analisa.

O mar dos brasilienses

O Lago Paranoá faz as vezes de ;o mar do Cerrado;: entre as opções mais procuradas na região, estão festas ; em terra e a bordo de embarcações ;, luxuosos hotéis à margem para descansar nos fins de semana, passeios de lancha, de catamarã e clubes para se associar ou passar o dia. As festas, especificamente, geram milhões de reais em arrecadação para a capital, e, gostem os moradores do Lago ou não, o segmento se consolidou.

Em 2015, a R2 Produções trouxe o projeto Na Praia. A proposta: criar uma praia no Cerrado durante as férias de julho. O evento foi montado no Setor de Clubes Esportivos Norte (SCEN), próximo à Concha Acústica. A terceira edição, em 2017, durou mais de dois meses. Segundo a R2, 199 mil pessoas frequentaram a festa, que gerou um faturamento de mais de R$ 19 milhões, R$ 3,2 milhões em impostos e 29 mil empregos diretos e indiretos.

Eduardo Alves, diretor do Na Praia e um dos sócios da R2, destaca a importância da localização próxima ao lago para o sucesso da festa. ;Pela ambientação, pela vista maravilhosa, mas principalmente em função do valor do lago como patrimônio histórico;, afirma.

Modernização

Os eventos em embarcações também são bastante procurados no Lago Paranoá. A bancária Jéssica Wright, de 29 anos, começou a namorar o hoje marido, o analista de sistemas Eduardo Borba, 38, em um evento no barco, da igreja evangélica que frequenta. ;O convidei para a celebração de um grupo de jovens da minha igreja. Gostamos bastante do passeio. Foram quatro horas navegando por locais conhecidos do lago, como o Pontão e a Ponte JK. A festa estava animada, com música e show de luzes. Foi um bom cenário para o primeiro beijo. Continuamos juntos e hoje estamos casados;, conta.

Em um período de expansão e crescimento, negócios tradicionais, muitas vezes, precisam mudar a forma de se apresentar aos clientes e de investir. É o caso dos clubes às margens do Paranoá. Segundo Claudionor dos Santos, presidente do Sindicato de Clubes e Entidades de Classe Promotoras de Lazer e Esportes do Distrito Federal (Sinlazer), houve um afastamento de cerca de 20% de sócios nos clubes do DF. ;Estamos atuando com estratégia e criatividade para suprir isso. O principal é o investimento nas partes esportiva, cultural e social. Também temos participado de palestras e simpósios para capacitar os gestores, trazendo conhecimento e inovação;, comenta.

O Minas Tênis Clube é um dos estabelecimentos que apostam na renovação. ;Estamos investindo em modelos de diversão para angariar novos sócios e, também, mirando em convênios com empresas, que oferecerão os nossos serviços pela metade do preço;, explica o vice-presidente administrativo do estabelecimento, Carlos José Elias.
Infográfico com números do Lago Paranoá

Palavra de especialista

Hora de planejar
Para desenvolver economicamente o Lago Paranoá, é preciso um projeto de ocupação simples, pensado para várias demandas e modificável. Brasília perde todas as oportunidades de fazer uma ocupação racional, social e ambientalmente correta. Tanto o governo quanto a população têm muito o que aprender. O aprendizado tem que começar logo, com um bom projeto estruturante no conjunto do espelho d;água, ou teremos grandes problemas no futuro.

Esse projeto estruturante tem que abarcar todo o perímetro do Lago Paranoá. Um parque que preserve as margens e permita um passeio total e integral pela região deve ser a âncora do que pode vir depois. Nesse ponto, será possível começar vários negócios, de pequeno, médio e grande portes. Tem muita coisa que pode ser apresentada a partir de um lago livre, com modalidade de exploração científica, cultural, ambiental, social e comercial.

Caberia, no caso do Paranoá, criar uma administração com poderes de investir e prestar contas desse empreendimento. Mas tem que começar logo, ou o lago será sempre tratado de forma improvisada e desrespeitosa. O Pontão e o Beira Lago não ocupam nem 1% das margens. Para começar, precisamos de um projeto urbanístico simples e que permita, ao longo do tempo, muitos experimentos.

Frederico Flósculo, professor do Departamento de Projeto, Expressão e Representação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB)

Artigo

por Fernanda Bocorny Messias

O potencial sustentável
O Lago Paranoá é um privilégio da população, tanto por sua função ambiental quanto de lazer. O projeto original da cidade destinou uma parcela aprazível da orla para os setores de Clubes Sul e Norte. À época, o costume era que as atividades de lazer e esportivas se concentrassem nesses locais. A mudança nos costumes se refletiu nos projetos residenciais recentes, onde áreas de lazer privativas aos moradores esvaziaram a coletividade dos clubes, abrindo espaço para novas relações da população com o Lago.

A expansão das atividades econômicas para fins de lazer, esporte e turismo no entorno do Lago tem aumentado na proporção direta da percepção da importância do local pela população. A ocupação da orla cria novas oportunidades de negócios para atividades esportivas, recreativas e de gastronomia, e os espaços com maior oferta de atividades econômicas vêm se tornando pontos de referência para a população.

As atividades humanas, que não se restringem ao lazer e ao turismo no Lago, são as principais responsáveis pela poluição. As obras regulares do governo ; como o setor Noroeste e o Trevo de Triagem Norte ; e os condomínios irregulares impactam os corpos hídricos que fazem a recarga do Lago Paranoá.

Para regular esta ocupação, o Decreto 33.537, de 2012, que determina a Área de Proteção Ambiental (APA) do Lago Paranoá como Unidade de Conservação no Grupo de Uso Sustentável, dispõe sobre o zoneamento ambiental da APA. O decreto reflete as preocupações da expansão urbana do DF em toda a Bacia Hidrográfica do Lago Paranoá e apresenta o mapeamento das atividades humanas em funcionamento na região da APA. A Caesb, por sua vez, se vale das recomendações de balneabilidade previstas na Resolução Conama n; 274, de novembro de 2000 para o Lago.

Os estudos técnicos presentes no decreto e o rigor das análises da Caesb devem ser observados e monitorados por toda a população, para que a economia em torno do uso do Lago não afete a segurança hídrica de qualidade da cidade.

Fernanda Bocorny Messias, arquiteta, mestre em desenvolvimento sustentável e doutoranda em urbanismo na UnB. Foi conselheira do Conama e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

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