Flávia Maia, Bruno Lima - Especial para o Correio, Otávio Augusto
postado em 11/02/2018 08:00
Os dois desabamentos ocorridos em Brasília na semana passada deixaram a cidade em alerta. No último domingo, 23 carros e duas motos foram esmagados quando a laje da garagem de um prédio na 210 Norte cedeu. Na terça-feira, o viaduto sobre a Galeria dos Estados desmoronou. Especialistas dizem ser necessário cautela tanto na área tombada quanto em regiões mais novas do DF. Levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia do DF (Ibape) traz um dado preocupante: dos 70 prédios residenciais e comerciais analisados nas asas Sul e Norte, 70% têm a estrutura prejudicada com problemas como infiltrações. A próxima etapa do estudo é tentar identificar os motivos que causaram as alterações nos edifícios.
O mais grave era uma padaria na 207 Sul, interditada pela Defesa Civil em janeiro. Em 2016, Karen Lorhane Ribas comprou o ponto por R$ 1 milhão e investiu mais R$ 300 mil. A empresária acumula contas enquanto o comércio está com as portas fechadas e 20 funcionários, parados. ;Depois de uma chuva no ano passado, chamei os bombeiros e, quando chegaram, disseram que acionariam a Defesa Civil. O laudo da perícia apontou que a parte de cima poderia desabar e interditaram a loja;, lamenta. Segundo o laudo, o peso das máquinas colocadas no pavimento superior fez com que a laje deformasse. O vão, que deveria ter 2 centímetros, cedeu e passou dos 5cm.
;O estudo mostra que os prédios da Asa Sul e Norte precisam de intervenção urgente. Não é um bloqueio. As pessoas não têm que sair, mas é preciso uma reforma de reforço estrutural, que tem um custo mais alto;, analisa Iberê Pinheiro de Oliveira, diretor de relações institucionais do Ibape. Segundo ele, os principais problemas estão relacionados à impermeabilização, que contribui para a corrosão do concreto. A pesquisa mostra que 100% dos prédios analisados tinham algum tipo de vazamento de esgoto. Iberê afirma que os condomínios têm de ficar mais atentos. ;A área residencial é mais crítica do que a área pública;, observa. ;Não adianta ficar reformando só a fachada;, completa. Ele recomenda que os prédios façam uma inspeção predial para detectar problemas e um plano de ação focado nas urgências.
Em 2012, a Defesa Civil chamou a atenção de moradores dos prédios das 400 da Asa Norte. Reformas feitas durante anos comprometeram a estrutura das edificações. Por isso, os moradores tiveram de refazer paredes para evitar problemas nas fundações dos edifícios. Alguns prédios já terminaram as obras, outros ainda estão em execução ou à espera de orçamento do condomínio.
Apreensão
A falta de confiança nas estruturas de Brasília virou memes na internet e tomou conta das rodas de conversas. O brasiliense está inseguro ao cruzar pontes, passar por tesourinhas e até as suas próprias casas são objeto de dúvida. Do prédio da advogada Letícia Peres, 48 anos, é possível ver a cratera aberta no coração de Brasília. ;É uma imagem que não sai da cabeça e que reforça a sensação de que outra tragédia está por acontecer a qualquer momento;, comenta a moradora da 102 Sul. Os filhos de Letícia estudam no Lago Sul. É corriqueiro atravessar pontes e viadutos no caminho. ;Depois de tudo o que vimos nos últimos dias, é impossível entrar no carro e não temer. Podemos passar por um lugar, e o chão se abrir, não deixando possibilidade de defesa;, completa.
Letícia conta que, depois que túneis do Metrô foram perfurados na Asa Sul, os prédios trepidam. ;Até então, essa não era uma preocupação. Praticamente a cidade tem a mesma estrutura de construção e foi erguida de forma conjunta. Será esse um acidente pontual ou o anúncio de uma situação mais grave?;, questiona.
Os vizinhos do Bloco C da 210 Norte, onde uma laje cedeu, também estão apreensivos. O analista de sistemas aposentado Alírio Cabral, 73, é um deles. ;Não há como encarar a cidade da mesma forma. Que riscos corremos? Há anos percebo que a Ponte do Bragueto está se deteriorando. O que mais está naquela situação e não nos atentamos?;, indaga o morador do Bloco A.
A psicóloga Renata Coutinho, 31, mora há um ano e meio na 210 Norte. Cresceu nos pilotis da Asa Sul. A cidade que proporcionou-lhe uma qualidade de vida única no país se tornou motivo de inquietação. ;Nos últimos dois dias, passei a ter mais atenção com a estrutura das tesourinhas. Estão todas muito comprometidas;, aponta.