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Casa de Tia Neiva, no Vale do Amanhecer, pode ser penhorada

Edifício faz parte da lista de bens que uma juíza quer colocar em leilão para quitar dívida da entidade com uma operadora de telefonia

Flávia Maia
postado em 17/02/2018 08:00
Fiéis no Vale do Amanhecer, em Planaltina: templo é impenhorável, conforme a legislação federal
A casa da Tia Neiva, o ;castelo; onde estão os acervos escritos e em áudio deixados pela mentora da doutrina do Vale do Amanhecer e outros espaços religiosos estão na lista dos bens a serem penhorados pela Justiça. Os imóveis podem ir a leilão por causa da dívida que a entidade Obras Sociais da Ordem Espiritualista Cristã (Osoec), responsável pelo Vale do Amanhecer, tem com a operadora de telefonia Tim. Por enquanto, a venda está suspensa por dois recursos: um impetrado pela Osoec e outro por um dos lojistas prejudicados. O Ministério Público do Distrito Federal também pediu 30 dias para analisar a situação.

O templo principal, nos arredores de Planaltina, entrou na primeira avaliação feita pelo oficial de Justiça. Contudo, foi retirado porque os templos são impenhoráveis no Brasil, de acordo com a legislação. A briga dos fiéis e da administração da Osoec é para salvar da penhora outros imóveis com rituais religiosos, assim como ocorreu com o templo. Estão na lista espaços como a Estrela Sublimação, a Aruanda de Pai João, a Casa Grande e o Pequeno Pajé.

Um apoio seria conseguir a declaração do Vale do Amanhecer como patrimônio imaterial. Com o processo judicial em andamento, a comunidade local fez um abaixo-assinado e enviou ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) um pedido de registro da doutrina como patrimônio imaterial na tentativa de que outros prédios também sejam considerados impenhoráveis. O Iphan informou que o pedido chegou em 9 de outubro de 2017 e que, desde então, analisa o caso.

A comunidade do Vale do Amanhecer, que se fixou ao redor do templo principal, tem 12 mil fiéis. Em todo o Brasil há 1 mil templos. O que a defesa da Osoec alega é que o valor dos imóveis arrolados no processo é superior à dívida. A soma chega a quase R$ 4 milhões, sendo que o débito em aberto com a Tim é de R$ 560 mil, com os juros e a correção monetária. A juíza da ação, Tatiana Dias da Silva, informa em sua sentença que o excedente será devolvido à ordem. Diz ainda que, como a Osoec não tem propriedade das terras, pois elas são públicas e pertencem à Agência de Desenvolvimento de Brasília (Terracap), a penhora será sobre os direitos aquisitivos que a Osoec tem em relação aos terrenos.

;A questão é que o excedente será transferido em dinheiro, não em uma área templária. Não estamos falando de uma padaria, mas de um local onde centenas de pessoas se relacionam diariamente;, defende o arquiteto Rogério Carvalho, que colabora com a tentativa de registrar a doutrina do Vale do Amanhecer como patrimônio.

Impasse

O imbróglio judicial começou em 2014. A Tim firmou um contrato de aluguel com a Osoec para instalar uma antena de celular no Vale do Amanhecer. De acordo com os autos, estava previsto que os primeiros cinco aluguéis seriam no valor de R$ 13 mil e os demais, na cifra de R$ 700 ; com o passar do tempo, o montante subiu para R$ 952,67.

No entanto, em 5 de março de 2014, em vez de pagar o valor estabelecido, a Tim transferiu à Osoec R$ 581.294,95. Assim que percebeu o equívoco, a empresa pediu o dinheiro de volta. No entanto, a Osoec já tinha gastado R$ 281.294,95. O restante, a entidade devolveu à operadora. Em primeira instância, a Tim ganhou a causa e, sem dinheiro para quitar a dívida, a sentença determinou que os imóveis do Vale do Amanhecer fossem a leilão.

Bens

Imóveis a serem penhorados no Vale do Amanhecer:

BLOCO A: terreno, sem construção, com área de 295 m;
Valor: não avaliado

BLOCO B: construção com área aproximada de 500 m;, dividida em lojas, com cobertura.
Valor: R$ 330 mil

BLOCO C: construção com área aproximada de 300 m;, dividida em lojas, com cobertura
Valor: R$ 198 mil

BLOCO D: construção com área aproximada de 400 m;, dividida em lojas, com cobertura
Valor: R$ 264 mil

BLOCO E: construção com área aproximada de 400 m;. Sub-administração do templo.
Valor: R$ 264 mil

BLOCO F: residência de madeira onde morou a Tia Neiva, hoje usada como Museu do Templo. Área de 600 m;.
Valor: R$ 288 mil

BLOCO G: construção com comércio, de aproximadamente 340 m;
Valor: R$ 224,4 mil

BLOCO H: Construção com comércio medindo, aproximadamente, 230 m;
Valor: R$ 151,8 mil

BLOCO I: construção, em forma de castelo, com aproximadamente 35 cm;
Valor R$ 21 mil

Estacionamento: terreno, sem construção, com aproximadamente 6.500 m;
Valor: R$ 1,950 milhão

Memória

A espiritualidade da fundadora
Neiva Chaves Zelaya nasceu em 1925, em um povoado de Jaraguá, norte de Goiás. Mudou-se para a Cidade Livre ; atual Núcleo Bandeirante ;, em 1957, quando começou a mediunidade. No ano seguinte, já conhecida como Tia Neiva, deixou o Núcleo Bandeirante, e com os filhos e mais cinco famílias fundou, em 8 de novembro de 1959, a União Espiritualista Seta Branca (UESB), na Serra do Ouro, próximo a Alexânia (GO). Em um pequeno templo, pessoas eram atendidas por médiuns que ali residiam, em construções de madeira e palha.

Tia Neiva mantinha ainda um hospital ; para curas espirituais ; e um orfanato com 80 crianças. Seus seguidores plantavam, faziam farinha para vender e pegavam fretes. Em 9 de novembro de 1959, Tia Neiva ingressou na Alta Magia de Nosso Senhor Jesus Cristo. Em 1964, mudou-se para Taguatinga, onde funcionou a Ordem Espiritualista Cristã. No mesmo ano, ela foi internada com uma tuberculose.

Após longa busca, Tia Neiva e seu grupo chegaram a Planaltina, em 9 de novembro de 1969, onde fundou o Vale do Amanhecer. Nos anos 1970 e 1980, a doutrina chamou a atenção no país e ela passou a frequentar a mídia com assiduidade. Conhecido como local de tratamento espiritual, mas também de visões e previsões, o Vale atraía olhares e adeptos curiosos. Tia Neiva recebia políticos e personalidades e costumava ser convidada para fazer previsões em programas de televisão.

Após sua morte, em 1985, o interesse pelo Vale diminuiu. Com o crescimento urbano, o que era uma comunidade isolada acabou por se mesclar a cidades vizinhas e a conviver com outras manifestações religiosas. Hoje, o Vale de Planaltina divide espaço com templos evangélicos e igrejas católicas. No entanto, tem unidades espalhadas por todo o mundo.

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