Hellen Resende*, Hellen Leite
postado em 17/02/2018 20:45
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Oficialmente, a folia já acabou. Mas diversos bloquinhos de carnaval seguem curtindo a ressaca da festa. Ainda é tempo de as pessoas irem às ruas celebrar a vida, a amizade e o amor. É a tal folia ilimitada, democrática, que contagia uma multidão de foliões. Nessa pegada, o carnaval de Brasília tem arrastado, ano após ano, multidões nos blocos espalhados pela cidade. Apesar de haver, de fato, uma inclusão maior de pessoas negras, LGBTs e de diferentes classes sociais, ainda há um público que resolveu ir às ruas, sim, gritar por espaço e jogar na cara da sociedade que, apesar de qualquer adversidade, como diria o poeta, "a vida é bonita, é bonita e é bonita". É nessa vibe que grupos ligados à causa de saúde mental curtiu o carnaval na capital da república. E como curtiu! Os blocos "RivoTrio" e "Amai-vos uns aos Loucos" levantaram o estandarte da luta antimanicomial e mostram que é urgente quebrar as barreiras que afetam a participação plena dos pacientes com sofrimentos psíquicos em manifestações culturais.
Neste sábado (17/2), pacientes, estudantes de psicologia, assistentes sociais e simpatizantes da causa, ocuparam as ruas da 408/409 Norte com o bloco RivoTrio, pelo oitavo ano seguido. A folia está ligada ao debate da reforma psiquiátrica e surgiu para dar voz à saúde mental do Brasil. Segundo um dos organizadores do evento, o estudante de psicologia, Antônio Duarte, 28 anos, outro objetivo do bloco é questionar as práticas manicomiais.
[SAIBAMAIS] "Significa oferecer novas formas de lidar com o assunto da saúde pública e saúde mental, ao invés de você isolar o ser humano, que seja alavancado um sistema que dê conta da diversidade, que possa acolher e que não negligencie o ser humano que esteja sofrendo de um transtorno", defende. A previsão do grupo era de que cerca de 800 foliões comparecessem à festa.
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"Portas abertas à loucura"
"De portas abertas para a loucura" é uma frase da poetiza Maria Clarice Gomes de Sousa, 37, que se transformou em um livro sobre saúde mental. O lema reflete o objetivo de ressocialização de pacientes com sofrimentos psíquicos. Clarice, que é diagnosticada com o esquizofrenia, frequenta as oficinas da ONG e tem conseguido superar os limites impostos pela doença dia-a-dia. Neste ano, improvisou uma roupa de bailarina e um chapéu de mulher maravilha. "Eu estou achando o bloco muito bom, melhor que no ano passado", sorri. "Eu tinha muitas expectativas para a festa", conclui, com um sorriso no rosto.
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Além de música com DJs, os foliões puderam também curtir o som da banda Maluco Voador, formado por pacientes do Centro de Atenção Psicossocial ; Caps II, do Paranoá. O grupo animou a festa com ritmos populares como maracatu, coco e samba enredo.
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"Amai-vos uns aos Loucos"
Em Taguatinga, o bloco Amai-vos uns aos loucos foi às ruas com os estandartes em punho. Todos com dizeres como "a liberdade é terapêutica". Reunindo pessoas que também convivem, de alguma forma, com doenças mentais, o evento aconteceu em 8 de fevereiro, quinta-feira da semana anterior ao carnaval. Os foliões encontraram-se na Praça do Relógio, em Taguatinga, e seguiram em festa para o Centro de Assistência Psicossocial (Caps), de Taguatinga Norte.
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Em sua segunda edição, a proposta do bloco também é a inclusão social por meio de intervenção cultural. "Por muito tempo, a pessoa com transtorno mental ficou reclusa na sua casa, excluída de eventos culturais, de festas. O carnaval é de todo mundo, o carnaval é nosso e é dos loucos também. Nós que ocupemos as ruas e façamos festa na cidade", conta a organizadora Andressa Ferrari, 27 anos.
Enfermeira no Caps II de Taguatinga, Andressa conta que o resultado da primeira edição, realizada ano passado, foi muito positivo. "A gente decidiu repetir e esperamos reunir cerca de 400 pessoas". Vários pacientes se fantasiaram e tornaram-se os heróis da própria história. Ricardo Borges, 21 anos, é um deles. "É o momento de você se distrair, sair daquela rotina do dia-a-dia. Aqui está muito bom", conta o jovem, que não se continha de tanta alegria. O carnavalesco participou da organização do evento, e trazia na camiseta um dizer promovendo a liberdade e a luta pró saúde mental.
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A estudante de psicologia Emanuele Mendes, 32, compartilhou do mesmo sorriso que Ricardo. "Eu estou adorando. É mais que especial, porque eles já são especiais. Celebramos a inocência e a alegria de festejar a liberdade", comemorou, mesmo debaixo de chuva.
Após a caminhada, para repor as energias gastas pelos foliões de Taguatinga, a festa continuou no Caps, com um banquete temático. Comidas e bebidas coloridas, bem no clima de carnaval, um grupo musical e sorrisos para dar e vender. "Dizem que sou louco por pensar assim. Se eu sou muito louco por eu ser feliz. Mais louco é quem me diz que não é feliz", cantaram, finalizando um dia que ficará na memória de todos que lutam diariamente pela aceitação de uma sociedade que anida fecha os olhos para uma questão tão importante.
* Estagiária sob supervisão de Anderson Costolli