Gabriela Vinhal
postado em 02/03/2018 21:30
O amor à primeira vista, a certeza de encontrar quem procurava, a angústia sobre o futuro, a ansiedade pela decisão, a guarda finalmente concedida. Essas etapas marcaram a vida de Joyce dos Santos, 41 anos, que adotou Larissa, a primeira criança com microcefalia decorrente do zika vírus do Distrito Federal. Foi através de uma foto, na Busca Ativa de um grupo de apoio no Whatsapp, que ela e o marido, Fabrício Rezende, 38, saíram de Betim (MG) em direção a Brasília para conhecer a filha, de apenas 1 ano.
O texto que acompanhava a imagem da menina não poderia ser mais claro: "Menina de 10 meses com microcefalia e lisencefalia causada pelo zika. Uso de sonda nasoenteral para alimentação e medicação devido à dificuldade de deglutição. Não possui controle de tronco, mas responde a estímulos com os olhos". A mensagem sem rodeios, com o aviso de uma doença que assombrou diversas mães no país há dois anos, foi a última coisa que Joyce pensou quando viu Larissa.
"Como você sabe que a criança é seu filho? Eu ficava pensando isso dia e noite. Mas quer saber? Você simplesmente não sabe, é seu coração que fala, e ele fala alto. Quando eu vi a foto, sabia que era a minha filha. Isso tudo vai além da doença dela;, disse, emocionada.
Essa não foi a primeira vez que a professora da rede municipal de Belo Horizonte entrou em um cadastro de adoção. Muito menos que foi chamada para conhecer uma criança. Mãe de dois rapazes, André, 17, e Ivan, 20, e madrasta de Luiz Gustavo, 23, o sonho de ter uma filha sempre foi presente em seu coração. Assim que André nasceu, em 2000, ela e o ex-marido logo entraram na fila à procura de uma menina. Como o cadastro era específico para meninas saudáveis e recém-nascidas, Joyce pensou que demoraria ao menos quatro anos até que ligassem, tempo de espera estimado na época para o tipo de perfil. Mas seis meses após o nascimento do filho, foi chamada para conhecer uma bebê.
[SAIBAMAIS] "Fomos até o abrigo, seguramos a neném no colo, mas não tivemos certeza. Achei que não estávamos preparados ainda. Não senti que era ela quem eu buscava;, disse Joyce. Quase 17 anos depois, ela finalmente encontrou. Apesar dos familiares e alguns amigos próximos alertarem a família para a gravidade das sequelas que a microcefalia deixa nas crianças, ela e Fabrício esqueceram o medo e ouviram o coração. Contudo, não foi um processo rápido.
O pai de Larissa hesitou pela adoção; até conhecê-la. Com quatro anos de casados e com os filhos já crescidos, conversavam sobre a adoção. Passaram a frequentar grupos de apoio, preencheram a papelada do Cadastro Nacional de Adoção em 2015 e só dois anos depois, em 2017, ficaram habilitados para a acolhida. O perfil do casal era com exigências comuns e padrões da maioria das famílias disponíveis no CNA: até quatro anos, com doenças tratáveis e sem irmãos - no caso deles, tinha que ser uma menina. ;Todo mundo que entra no cadastro idealiza a adoção considerada perfeita. Bebê saudável, recém-nascido, escolhido sob medida para a família. A nossa também era assim;, afirma.
Não era o sonho deles adotar uma criança com microcefalia. Mas era o sonho deles adotar uma filha. E foi assim que ela chegou. As discussões e o entendimento acerca da adoção ajudaram na desconstrução desse perfil. No entanto, ainda acreditavam que era o ideal. Até chegar a imagem de Larissa. Com ela, a persistência de Joyce para conversar com o marido e explicar que o amor incondicional dá forças e encoraja. E eles o tinham de sobra.
;Ele estava mais racional que eu. Sentia medo de não corresponder às expectativas, de não conseguir lidar emocionalmente com a doença, não dar o melhor para Larissa. Eu também sentia medo;, explica Joyce. Em janeiro deste ano, ela e Fabrício vieram a Brasília conhecê-la ainda no abrigo onde ficava. O marido disse, por diversas vezes, que era uma visita sem compromisso. Insistiu que Joyce não criasse expectativas. Quando chegaram e pegaram a menina no colo, não contiveram a emoção. ;Ele chorava tanto. Naquele momento, ele sentiu o mesmo que eu;.
Passaram quatro dias na cidade e voltaram a Betim, de carro. O trajeto foi feito em silêncio. ;Eu fiquei arrasada de não voltar com a Larissa. Sempre chorava quando falava dela. Ele também tinha ficado triste. Estava pensativo;, lembra. Passaram a semana inteira pensando, noites em claro, discutindo se dariam conta mesmo da adoção. Foi quando Fabrício deu a notícia. ;;Já estou preparado para sua resposta;, ele disse. Meu coração disparou. ;Vamos voltar para buscar Larissa;;, conta, emocionada.
Com pouco dinheiro, recorreram a ONG Adotar, em Belo Horizonte, responsável por conduzir trabalhos de grupos de apoio para adoção. A presidente da organização conseguiu 10 dias de hospedagem e dinheiro para a alimentação. Já os amigos da igreja se mobilizaram e reuniram o custo para a gasolina. Mais 10 horas de carro. Ansiedade batendo forte no peito. Chegaram no último 29 de janeiro e ficariam até 8 de fevereiro. Mas dia 1; já havia saído a guarda provisória da filha.
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"Eu tinha R$ 7 na minha conta e R$ 200 no bolso. Mas meu coração tava cheio de esperança e confiança de que tudo ia dar certo. E tudo ocorreu além do que eu esperava. A diferença entre um filho biológico e um filho adotivo é que você pode escolher. E escolhemos a Larissa com tudo o que ela é e representa. A doença é só um obstáculo", comenta.
A pequena Larissa foi diagnosticada com microcefalia desde que nasceu. A saúde física dela é ótima, mas o quadro neurológico é completamente comprometido por causa do zika vírus. Como é uma doença relativamente nova, os médicos ainda não conseguem ter um prognóstico fechado. Mas a família já fez um plano de saúde e espera que ela possa se desenvolver bem, com qualidade de vida e dignidade. Na quinta-feira (1;/3), ela fez uma cirurgia para retirar a sonda nasal e colocar uma sonda diretamente no estômago. A previsão é que tenha alta até terça-feira (6/3). Espertinha e risonha, conta Joyce, a pequena responde bem aos estímulos e é muito amorosa.
Joyce, Fabrício e Larissa vivem uma rotina de hospital desde o último 7 de fevereiro. Ansiosa para voltar para a casa, a família não vê a hora de poder curtir a mais nova integrante. Os filhos do casal esperam sempre por ela para dar carinho e pegar no colo. Joyce conta que a menina até ficou mais manhosa desde chegou para eles. "Agora ela só quer ficar no colo. Aos poucos o coração dá uma balançada, mas é só olhar para o sorriso dela que esqueço de tudo;, conta.
De acordo com o relatório da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal (VIJ-DF), Larissa foi entregue para adoção pela mãe biológica ainda no hospital. Além das condições socioeconômicas precárias, a família do bebê alegou não ter recursos emocionais para lidar com a doença.
A pequena Larissa foi a segunda bebê das 20 crianças e adolescentes com problema de saúde a ser adotada no DF neste ano. No Cadastro Nacional de Adoção, há 1.630 crianças com esse perfil, o equivalente a 33,39% do total. Para Walter Gomes, supervisor da Seção de Colocação em Família Substituta da VIJ-DF, a adoção de Larissa representa um sopro de esperança em relação à possibilidade de a Justiça Infantojuvenil, em parceria estratégica com os grupos de apoio à adoção de todo o Brasil, aumentar o número de famílias habilitadas predispostas a realizarem adoções que fogem do perfil padrão do país.
Adoção no DF
A pequena Larissa foi a segunda bebê das 20 crianças e adolescentes com problema de saúde a ser adotada no DF neste ano. No Cadastro Nacional de Adoção, há 1.630 crianças com esse perfil, o equivalente a 33,39% do total. Para Walter Gomes, supervisor da Seção de Colocação em Família Substituta da VIJ-DF, a adoção de Larissa representa um sopro de esperança em relação à possibilidade de a Justiça Infantojuvenil, em parceria estratégica com os grupos de apoio à adoção de todo o Brasil, aumentar o número de famílias habilitadas predispostas a realizarem adoções que fogem do perfil padrão do país.
"As reações e palavras dessa família adotiva conduzem à indubitável conclusão de que adoção é entrega total e sem limites e que a prioridade deve ser não a satisfação primeira do adulto, mas a promoção da alegria, do bem-estar e da proteção integral do adotando. Quando existe o potencial e a incondicionalidade do amor acolhedor em uma família pleiteante, os traços, características, histórico genético ou familiar de uma criança ou adolescente apto para adoção se tornam secundários;, disse Walter.