Cidades

Moradoras do DF criam grupo para compartilhar experiências da maternidade

Elas se apoiam uma nas outras para defender os próprios pontos de vista

Margareth Lourenço - Especial para o Correio
postado em 06/03/2018 06:00
As participantes da Ciranda de Mães se comunicam por um grupo de mensagens desde 2015: uma família além dos laços de sangue

Para aproveitar a tarde de domingo ensolarada, elas marcaram um encontro com o objetivo de estreitar os laços que mantêm no mundo virtual. Na verdade, seria mais do que uma reunião entre amigas, era um piquenique com filhos pequenos e pais participativos. No espaço democrático do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), elas estenderam toalhas no chão para compartilhar lanches e muita conversa, enquanto os filhos corriam soltos pelo gramado ; uma turma animada, barulhenta e alegre.

Durante a tarde de diversão, 15 das 25 participantes do grupo Ciranda de Mães contaram ao Correio como surgiu o grupo, que completa cinco anos de cumplicidade e amizade. Todas elas são mulheres que se identificaram com a maternidade ativa e o que vem depois do momento tão esperado que é o nascimento do bebê.

Para defender seus pontos de vista e colocar em prática o que entendem como melhor para suas famílias e para elas, buscam força umas nas outras. ;Nós nos apoiamos e fortalecemos, somos uma comunidade unida dentro de uma sociedade que, muitas vezes, tenta impor caminhos diferentes do que desejamos e acreditamos;, resume a psicóloga Francielly Müller Lima, 34 anos, mãe de Henrique, 5, e Murilo, 2.

Aliás, é ela, chamada pelas demais carinhosamente de Fran, uma das integrantes que mais
incentivou a formação da Ciranda. Essa história começou em 2013, com o lançamento do documentário da doula e psicóloga Érica de Paula, O renascimento do parto, momento em que a vida dessas mulheres se cruzou pela primeira vez (leia Para saber mais).

À época, grávida da primeira filha, a hoje doula Raíssa Osório, 27, pesquisava na internet sobre parto natural. ;Descobri ao acaso o documentário, e a autora me incluiu em um grupo de e-mail também de futuras mães, a maioria de primeira viagem, interessadas no mesmo assunto;, relembra a mãe de Manuela, 3, e Maitê, 1.

Nesse grupo de e-mail, diversas grávidas trocavam experiências sobre o momento pelo qual passavam, as angústias, as ideias sobre o parto e a vontade de evitarem a cesariana. O tempo andou e as crianças foram nascendo.


Desafios

Se, no primeiro momento, os assuntos giravam em torno da gravidez e o instante encantado do nascimento, em seguida, elas tiveram um choque de realidade e enfrentaram diversas dificuldades nos primeiros meses com o bebê, o que ninguém costuma contar às futuras mães. ;Meu peito está sangrando, vivo com sono, estou exausta, meu marido não ajuda, quero poder sair um pouco de casa, estou deprimida, quero voltar a trabalhar;, relembra Fran, sobre as questões que passaram a encher as caixas de mensagens do grupo. ;Nós nos dávamos conta de que, na realidade, a maternidade trazia outras ansiedades e dificuldades e que, na maioria das vezes, não tínhamos com quem compartilhar;, conta.

Cada vez mais unidas em torno das mesmas questões, Fran sugeriu que o grupo migrasse do e-mail para o WhatsApp. Elas se conheciam havia alguns meses pela troca de mensagens, passaram a ser as melhores amigas no mundo virtual, mas nunca tinham colocado os olhos umas nas outras. Decidiram marcar um encontro real, em 2015, nos gramados do CCBB.

;Foi incrível. À época, os bebês eram de colo e nos identificamos ainda mais. Todas sabiam dos problemas, das dificuldades que as demais traziam. Estávamos ali para nos ajudar, para compartilhar. Agora, a partir de uma nova etapa na vida;, relata a psicóloga.

Reunidas no mesmo espaço para contar essa história, é fácil identificar quais estão no grupo desde o começo: as que têm os filhos mais velhos, todos com 5 anos de idade. Quando, no meio da conversa, mais uma integrante chega, elas se abraçam efusivamente e perguntam pelos pequenos e pelo trabalho. Cada uma tomou para si o protagonismo da maternidade e da criação dos filhos. E isso representa muito mais do que cuidar das tarefas de casa. ;É estar consciente e assumir seu papel de mãe e de educadora;, diz Mayane Burti, mãe de Lara, 4, e Antônio, 2, que trabalha como diretora de uma organização não governamental.

Elas recordam, emocionadas, de situações como a do Natal de 2015. Uma delas viajou para a Bolívia, pois precisava acompanhar uma irmã doente. Ficou sem a festa que ela ama. Na volta ao Brasil, as companheiras da Ciranda organizaram uma festa natalina em pleno mês de fevereiro, com direito a Papai Noel e presentes debaixo da árvore.

Apoio

As gentilezas não ficam apenas nas festividades. Com vontade de morar no litoral para dar mais qualidade de vida à família, Thayane Parente, 29, compartilhou o desejo ao grupo. Mesmo sendo novata na confraria, não demorou muito para Mayane oferecer a casa que tem em Ubatuba, litoral de São Paulo.

O marido de Thayane, Lucas, 33, que acompanhava com reservas as longas conversas da mulher com o grupo, tratou de rever o conceito. ;Passei a entender como era importante para minha mulher essas trocas com outras que passavam por situações semelhantes;, admite. O casal, pais de Kamau, 4, e Malie, 1 ano e 4 meses, mudou-se para a cidade paulista, onde permaneceu por mais de um ano, antes de retornar a Brasília.

Família

;Somos a família umas das outras, somos feministas e solidárias;, resume a servidora pública Marina Cavalcanti Gontijo, mãe de Clarice, 4, e Augusto, 2. Enquanto ela conversa e dá sua opinião sobre o grupo, os filhos correm soltos. ;Aqui todo mundo toma conta uns dos filhos dos outros. Sei que estão seguros;, afirma. Com complicações no pós-parto, Raíssa precisou ficar internada por cerca de 40 dias. Em nenhum momento ficou sozinha no hospital, principalmente quando o marido, Vitor, não podia estar. ;Elas se revezaram e sempre tive companhia;, diz a mãe.

Se estão sem alguém para auxiliar no cuidado com os filhos, sem cerimônia deixam os pequenos na casa de uma das amigas. Muitas escolheram a mesma escola para os filhos e convivem mais intensamente. Guardam ainda alguns rituais, como o Chá da Benção, uma cerimônia organizada para dar as boas-vindas ao bebê do grupo que está para nascer.

Feliz em compartilhar esses laços de amizade, a mais velha participante da Ciranda, a socióloga Fernanda Vieira, 44, mãe de Noaue, 23, Elis, 5, e Inae, 2, assegura que o grupo a salvou. Ao ficar grávida da segunda filha, sentiu-se deslocada com relação à maioria das mulheres que conhecia.

Estava esperando uma criança, quando suas então amigas criavam adolescentes. ;O mundo também tinha mudado muito desde a minha última gravidez. Ao ingressar no grupo, eu me fortaleci e aprendi que esse não é o momento de a mulher passar sozinha, por mais que tenha um marido, uma família participante;, diz.


Para saber mais

Cinema contra a falta de informação
A psicóloga, doula, acupunturista e educadora perinatal Érica de Paula, 31 anos, atua com gestantes desde 2008 e percebeu que a desinformação sobre assuntos relacionados ao parto era generalizada entre boa parte das pacientes dela e das mulheres com quem conversava. Em parceria com o diretor cinematográfico Eduardo Chauvet, teve a ideia de fazer um material audiovisual a respeito, e o projeto transformou-se em um longa-metragem. No ano de estreia, 2013, o filme alcançou a segunda maior bilheteria do Brasil para a categoria documentário.

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