Cidades

Nunca é tarde para começar: homem se forma em direito aos 60 anos

Agora, Francisco Canindé anuncia novas metas: o mestrado e o doutorado. Ele também quer usar o conhecimento para ajudar afrodescendentes

Lucas Nanini - Especial para o Correio
postado em 09/03/2018 06:00
Perseverança, dedicação e conquista: Francisco Canindé (C) com a colega de sala de aula Amanda Gomes e o professor Daniel Falcão
Francisco Canindé Dias completou 60 anos em 1; de novembro do ano passado debruçado sobre livros e trabalhando duro na elaboração do seu trabalho de conclusão de curso, o TCC. Semanas depois, ele fez a defesa de sua monografia diante da banca do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e se formou em direito. Recebeu uma grande homenagem dos colegas na colação de grau, no último sábado.O curso foi a terceira graduação do agora advogado, que decidiu fazer a faculdade depois de ter problemas jurídicos em sua empresa de tecnologia da informação.

No IDP, boa parte dos professores é mais nova do que Francisco. Alguns têm quase a metade do tempo de vida dele, como Guilherme Pupe da Nobrega, 31 anos, e João Trindade Cavalcante Filho, 32. O orientador do TCC dele, Sérgio Alves Júnior, tem 37 anos.

Mineiro de Ituiutaba, Francisco chegou a Brasília quando tinha 18 anos. Veio prestar o serviço militar. Ele se formou em estudos sociais em 1982, no UniCeub, onde chegou a atuar como atleta ; era lateral direito do time de futebol. Mas não parou por aí, a busca pelo conhecimento e aperfeiçoamento na carreira profissional o fizeram concluir, em 1986, pós-graduação em análise de sistemas, na Universidade Católica de Brasília. Também fez MBA em gestão de negócios na Universidade Castelo Branco (RJ), em 2005.

O agora advogado carrega no currículo uma série de outros cursos, como informática, gerência de projetos e estudos de política e estratégia na Adesg (Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra), ligada ao Ministério da Defesa.
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;A necessidade me obrigou a procurar mais. E ainda não parei. Quero fazer um mestrado, um doutorado, quero fazer em direito constitucional. Ter 60 anos me possibilitou um grande leque de conhecimento, e quanto mais a gente sabe, mais a gente quer saber.;

Essa ;necessidade; se estendeu ao longo dos 10 semestres de curso. Francisco teve de se dividir entre os estudos, o trabalho e a preocupação com os problemas na gestão da empresa de TI.

;Eu fui muito mal assessorado (na empresa). Por isso quis estudar o direito, para entender por que eu estava sofrendo tantas ações judiciais. Entrei com esse objetivo, mas o curso transforma a gente. Hoje estou mais focado na questão social, quero trabalhar pelos quilombolas, afrodescendentes, pela demarcação de terras. Isso é o que me dá mais prazer. Direito é vida.;

Antes de se matricular no IDP, Francisco tentou fazer o mesmo curso no UniCeub. Ele iniciou o estudos em 2010, mas teve de trancar a faculdade no ano seguinte, por questões financeiras. Mesmo na instituição em que terminou o direito, ele quase não conseguiu prosseguir. A boa nota no Enem e uma bolsa integral obtida pelo ProUni, concedida nos três últimos anos de curso, garantiram que ele se formasse.

;Só vendo mesmo pra saber. Foi tudo muito difícil, tinha família pra cuidar. A sensação de concluir a faculdade de direito é de uma alegria muito grande. Um grande desafio, mas eu tinha um foco. Hoje sou operador do direito, venci todas as barreiras. Houve momentos em que eu pensava: ;Esse negócio não termina nunca!’, mas eu venci todos os obstáculos;, orgulha-se.
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Barreiras

;Francisco é um exemplo de vida. O que para muitos seriam barreiras intransponíveis ele superou, não desistiu em nenhum momento;, destaca o professor Daniel Falcão, 36 anos. ;Fazer parte da banca dele foi muito emocionante, foi um dos maiores dias como professor;, afirma.

Francisco começou a estudar aos 7 anos, na mesma escola onde a mãe era merendeira. O advogado ajudava na limpeza do local, sendo responsável por duas salas grandes e o banheiro masculino. O primeiro emprego veio aos 13 anos, quando ele se tornou entregador de leite. Ainda na adolescência, trabalhou como balconista e estoquista de peças de uma revendedora de carros.

Brasília passou a fazer parte da vida dele em 1975, quando se alistou na Força Aérea Brasileira. Na capital, trabalhou na Vice-Presidência da República, na Infraero, nos Correios e no Datasus antes de se tornar consultor de TI para empresas privadas. Francisco abriu sua empresa em 1996, a mesma que lhe traria problemas com a Justiça e o impulsionaria a cursar a faculdade concluída em 2017.

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