Jornal Correio Braziliense

Cidades

Como o consumidor deve reclamar, com razão, sobre serviços prestados?

É direito do cidadão expressar sua opinião a respeito de um serviço prestado, mas o consumidor deve ficar atento aos seus direitos para não acabar prejudicado


A insatisfação com serviços mal prestados e a demora em obter resposta nas centrais de atendimento são os motivos que mais levam os consumidores a procurar alternativas, seja nas redes sociais, seja em sites de opinião e sugestões, para expor a insatisfação com a empresa que não cumpriu o que prometeu. Entretanto, é preciso ser cauteloso na hora de publicar reclamação que possa difamar a companhia.

É direito de qualquer cidadão expressar suas opiniões e pensamentos e usar a internet para isso. Porém, se o cliente abusar na hora de reclamar e ofender uma empresa ou seus funcionários, pode ser condenado a pagar indenização e responder judicialmente pelo ato de injúria e danos morais.

Segundo o diretor do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec) e especialista em direito do consumidor, Geraldo Tardin, no Código de Defesa do Consumidor não há artigo que dê ao consumidor o direito de fazer uma reclamação publicamente. O artigo 5, inciso IV da Constituição, entretanto, garante que qualquer cidadão tem direito de expressar sua opinião. O anonimato, porém, é vetado, ou seja, o consumidor precisa assumir a responsabilidade pela queixa.

Cuidado com declarações públicas

O especialista destaca que, geralmente, quando os consumidores tornam suas reclamações públicas em redes sociais ou em outros sites, já tentou, previamente, soluções por outros meios. ;Martelaram várias vezes para obter uma solução e não conseguiram;, diz. Assim, recorrem às redes sociais quando estão saturados de respostas vagas e, muitas vezes, se deixam levar pela emoção do momento, perdendo a linha na hora de se expressar.

A psicóloga e programadora júnior Carla Guimarães, 27 anos, conta que, frequentemente, usa as redes sociais para expressar descontentamento, principalmente contra serviços prestados por empresas de telefonia e bancos, mas também publica reclamações em sites de opiniões e avaliações. Ela afirma que prefere usar redes sociais porque o tempo de resposta é mais rápido. ;Em geral, as empresas são muito receptivas e buscam resolver o problema por esse canal de atendimento ou entram em contato por telefone. Com exceção de algumas, que só prestam atendimento após eu ameaçar procurar o Procon;, explica.

Tardin aponta que é preciso ter cuidado com o modo de se expressar. Ao postar alguma opinião, o consumidor deve evitar excessos verbais ou expressões que causem constrangimento tanto à empresa quanto às pessoas diretamente relacionadas a ela, o que pode ser categorizado como crime. O artigo 5, inciso X da Constituição defende que a honra e a imagem de uma pessoa não podem ser ofendidas, com isso, embora a liberdade de expressão seja prevista, a pessoa não tem direito a reclamações e publicações injuriosas, caluniosas ou difamatórias contra algum estabelecimento.

;A empresa também é amparada pela Constituição, então o consumidor não pode chegar e denegrir a imagem dela. Reclamar na internet pode, é direito, mas ele não pode se exceder ou vai responder judicialmente por isso;, explica o especialista. Além de responder na Justiça pelo ato, o consumidor pode ser condenado a pagar a indenização à empresa. Tardin acrescenta que o valor a ser pago é determinado pelo juiz, de acordo com critérios que variam desde o tamanho da empresa, quantidade de pessoas atingidas e o tipo de ofensa.

A estudante de pedagogia, Joana de Lima Reis, 21, recorda que, em uma brincadeira, postou sua opinião sobre o sabor do picolé de uma rede de sorvetes. Após o ocorrido, a rede procurou a jovem, que foi reembolsada e teve o direito de provar outro sabor dos produtos da empresa. ;Eles me mandaram uma mensagem perguntando o motivo de eu não ter gostado e disseram que outras pessoas reclamaram do mesmo lote e que dariam meu dinheiro de volta. Acredito que esse retorno positivo que tive foi justamente pela forma como eu me expressei, foi uma brincadeira e não saí xingando a marca, como muitas pessoas costumam fazer;, aponta.

Outro lado

Ao contrário da situação de Joana, Ana Júlia de Andrade Rodrigues, 19, recebeu retorno negativo de uma empresa de doces quando planejava uma festa de aniversário para o namorado. Quando a encomenda chegou, a estudante notou que alguns dos alimentos pareciam velhos e tentou contato com a loja para pedir que fossem trocados. ;A gerente foi indiferente, disse que os doces haviam sido feitos naquele mesmo dia e que, se eu tivesse alguma reclamação, deveria ter feito antes de levar tudo para casa. Fiquei sem reação com a grosseria e desliguei o telefone.;

No dia seguinte, a estudante postou a foto dos alimentos em uma rede social criticando a posição do estabelecimento e expressando sua insatisfação com o atendimento, mas foi surpreendida com a resposta da dona da loja. ;Eu não disse nada demais, tenho tudo salvo. Só falei que os docinhos estavam velhos, que fui muito maltratada pela atendente e que não recomendava a doceria, aí marquei o perfil da loja na foto. Minutos depois, a dona me respondeu com palavras ofensivas e de forma debochada;, conta a jovem, que pretende recorrer à Justiça.

O diretor do Ibedec explica que, nos casos como o de Ana Júlia, em que o consumidor é oprimido ou denegrido pela empresa, ele deve registrar o ocorrido em uma delegacia de polícia ou em um órgão de atendimento ao consumidor, e pode, posteriormente, recorrer à Justiça. ;Ele deve ter provas disso e depois proceder a ação por danos morais, porque isso é uma violação à honra do consumidor e a empresa pode ter que pagar indenização na maioria dos casos.;


Alerta para outros consumidores

Flávio Lacerda, 23 anos, teve problemas com um site de vestuários quando não recebeu um tênis que havia comprado. Após o prazo de entrega ter esgotado, Flávio entrou em contato com a empresa e foi informado de que uma nova solicitação havia sido aberta e receberia o produto assim que estivesse disponível. No entanto, no dia seguinte ele recebeu um e-mail dizendo que a compra tinha sido cancelada.

;Liguei novamente para saber o que tinha acontecido, pois eu tinha pagado pelo tênis e fazia questão de recebê-lo, mas o atendimento foi tão ruim e desgastante que eu pedi o reembolso;, relata. Após a insatisfação com a loja, o cliente postou reclamação na rede social dele e expôs sua opinião com o intuito de conscientizar e alertar os amigos para que evitassem ter aborrecimentos com a empresa.

O especialista Geraldo Tardin aponta que atitudes como a de Flávio, que têm o objetivo de alertar os consumidores, são muito bem-vindas e eficientes. Porém, o mais eficaz seria registrar as reclamações em entidades nas quais a opinião do leitor fica aberta para o público em geral. ;É importante registrar também em Procons, em sites como o Reclame Aqui, porque o consumidor costuma procurar informações e avaliações de outros consumidores. Na rede social dele, o registro fica restrito apenas à comunidade dele;, destaca

O principal conselho do especialista para expor um problema é que seja feito de forma moderada, sem ofender a honra da empresa e evitar o uso de palavras de baixo calão. ;Existe uma diferença entre difamar e apresentar uma insatisfação, então, é necessário manter equilíbrio;, aponta.

*Estagiária sob supervisão Margareth Lourenço