Cidades

Busca por respeito e igualdade é luta diária para pessoas com autismo

Dia Mundial do Autista é celebrado hoje; classificadas como deficientes, elas querem educação diferenciada, além de inclusão na sociedade

Isabela Nóbrega*, Verônica Holanda*
postado em 02/04/2018 06:00

Fernando Cotta e o filho Fernandinho, que tem autismo severo:


O Dia Mundial do Autista é celebrado hoje com vários desafios a serem conquistados, que vão desde a dificuldade do diagnóstico até a garantia dos direitos das pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Este ano, a Organização das Nações Unidas (ONU) tem como foco o empoderamento das mulheres e meninas autistas. O intuito da comemoração é o reconhecimento do que está previsto em lei. De acordo com a ONU, há variadas formas de discriminação que dificultam o acesso aos direitos.

;O principal obstáculo do autismo é fazer com que o mundo saiba que existimos. Ainda há pessoas que não fazem ideia do que seja. Ou pior: têm uma noção extremamente estereotipada. Não há projetos ou atendimento suficientes para nós, porque todos estão confortáveis demais na ignorância;, desabafa Amanda de Sá Paschoal, 26 anos. A estudante de artes plásticas teve o diagnóstico de autismo aos 8 anos e ressalta a importância do acompanhamento no ensino.

;Se o neurotípico sem deficiência sofre para se encaixar, imagina quem está fora do padrão? Temos que mudar todo o ensino.; A jovem defende que haja acompanhamento, sala de recursos e psicopedagogos, mas afirma que não é suficiente. ;Não sou contra o que temos. As pessoas precisam de educação, mas o sistema é excludente. Se não houver o mínimo de adaptação, nós, autistas, ficaremos do lado de fora.;

O presidente do Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab), Fernando Cotta, conta que cada indivíduo é único e precisa ser avaliado para saber qual terapia, médica ou não, é mais adequada para ele. ;Alguns precisam de turmas especiais; outros, de turmas com menos alunos; e outros ainda, de um acompanhante especializado nas turmas regulares. Além, claro, de material adaptado. Mas, acima de tudo, eles precisam de boa vontade;, ressalta.

A Secretaria de Educação afirma que as pessoas com deficiência têm direito de estudar em escolas públicas e particulares e, caso ocorra uma recusa por parte da instituição, pode haver ação judicial e instauração de inquérito policial. É obrigação das escolas promover a inclusão e viabilizar recursos, bem como a capacitação de profissionais. Os estudantes com deficiência devem ser atendidos de acordo com as especificidades, seja em turma reduzida, seja em classes especiais, seja nos centros de ensino especial.

;Trabalho na perspectiva de uma educação inclusiva, em que a unidade escolar se adapte ao estudante autista e não o contrário. Uma proposta abrangente de fato;, relata Cláudia Madoz, diretora da Educação Especial da Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal. Ela ainda ressalta que há atendimento para autistas desde a educação precoce (criança de até 3 anos e 11 meses) até o ensino médio e dentro dos centros de ensino especial.

Luta constante
Fernando Cotta tem um filho de 20 anos, Fernando Adeodato Leitão Cotta, com autismo severo, e aponta a falta de iniciativas que incluam os adultos. ;As escolas públicas, principalmente, têm projetos de inclusão, mas só atendem até os 18 anos e não conseguem suprir nem um terço da demanda. Para pessoas acima dessa idade, não existe nada. É como se deixassem de ser autistas por mágica, infelizmente;, lamenta.

;Desde os anos 1960, há reuniões de pessoas com diversas deficiências e concluímos que nossos problemas se devem muito mais à forma como a sociedade é construída do que ao diagnóstico ou à própria condição;, alega a estudante Amanda Paschoal. ;Os julgamentos não são culpa do autismo, mas da ignorância da sociedade;.

Para celebrar a data, a Câmara dos Deputados sedia uma sessão solene hoje, às 9h, e o Senado Federal promove uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos, às 10h. Já a Secretaria de Estado de Saúde (SES) realizará o 1; Encontro de Conscientização do Transtorno do Espectro Autista, evento voltado para servidores da SES que ocorre nos dias 18 e 19, na Biblioteca Nacional.

*Estagiárias sob supervisão de Sibele Negromonte.

Apoio
O Moab é uma entidade nacional não governamental criada em 2005. Desde então, desenvolve projetos para amparar os familiares e os autistas. Conta com projetos como Blitz do Autismo, Autismo & Família, Desabafo Autista & Asperger, Autistas & Artistas, Autistas Plásticos, Autismo & Direitos, Prêmio Orgulho Autista, entre outros.


O que é autismo?


; O Transtorno do Espectro Autista (TEA) envolve atrasos e comprometimentos do desenvolvimento, seja da linguagem, seja no comportamento social. Os sintomas podem ser emocionais, cognitivos, motores ou sensoriais. A causa ainda não é definida, mas há estudos que suspeitam de questões genéticas. Para efeitos legais, os autistas são considerados pessoas com deficiência.

; O diagnóstico definitivo é dado após os 3 anos de idade, mas os sintomas podem ser observados antes disso e os cuidados podem ser iniciados de imediato. De acordo com a Lei n; 12.764/12, é direito da pessoa com TEA o acesso a ações e serviços de saúde, incluindo identificação precoce, atendimento multiprofissional, terapia nutricional, medicamentos e informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento.

; ;A 5; edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais descreve três níveis de gravidade para o TEA;, orienta o psiquiatra João Alberto Neves Filho. Segundo ele, todos exigem apoio, que varia proporcionalmente ao nível. O leve, ou nível um, tem dificuldades na interação e na troca de atividades. O moderado, nível dois, apresenta também prejuízo social. O severo, nível três, tem os mesmos sintomas, porém, mais acentuados e com graves prejuízos cognitivos.

; De acordo com a Secretaria de Estado de Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, existem em torno de 30 mil pessoas que apresentam essa característica, desde traços leves até mais acentuados, dentro do perfil de estudos que identificam pessoas autistas.

; ;Assim como existem várias alturas, pesos, tons de pele e tipos de cabelo, por que a gente nunca parou para pensar que existem cérebros diferentes?;, questiona Amanda. ;Não existe um único formato, mas a sociedade foi construída de acordo com a maioria, que é o neurotípico. Esse sistema se tornou excludente para pessoas com neurodivergências. Por termos cérebros diferentes, temos neurodiversidade;, explica.

; ;Autismo não é diabetes ou falta de vitaminas. É a forma como o nosso cérebro é estruturado, e afeta quem somos. Tudo o que sou é de forma autista. Eu estudo de forma autista, namoro de forma autista, vivo minha vida de forma autista;, completa a estudante.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação