Isabella de Andrade - Especial para o Correio
postado em 13/05/2018 08:00
Entre a criatividade dos palcos, cenários, figurinos, ritmos e acrobacias, mulheres
artistas compartilham com o público a criação mais importante que já fizeram e transitam
entre o treinamento artístico e o preparo para desempenhar o papel de mãe. Atrizes,
cantoras, musicistas, arte-educadoras e acrobatas, elas mantêm a produtividade, os ensaios e
a dedicação constante às apresentações. Enquanto isso, meninos e meninas são presenteados
com a possibilidade de experimentar na primeira infância, ou mesmo dentro da barriga, a
experiência da criação artística ao lado das mães.
É o que conta a atriz e artista circense Paula Sallas, 31 anos, que soube da chegada da
pequena Yasmin em 2017, enquanto ensaiava diferentes espetáculos e ministrava oficinas
criativas. Durante a gravidez, ela apresentou três espetáculos ; dois de palhaço e um de
teatro. A presença nos palcos continuou constante até o sétimo mês de gravidez. No início, o
medo de se machucar em cena tomou conta da artista, que logo se conectou com o próprio
ofício e a vontade de manter a criação viva. ;Na primeira vez em que apresentei, tive muito
medo, mas, logo que coloquei o nariz de palhaço, eu me conectei com o público, com o meu
parceiro de cena e com a própria criança que estava sendo gerada. Foi muito interessante;,
conta Paula.
A atriz lembra que sentia uma sensação boa e forte dentro da barriga enquanto tocava o
bumbo, seu instrumento de percussão. ;Parecia que era ela me respondendo.; A artista destaca
que adora levar a filha, ainda bebê, para acompanhá-la nos ensaios do espetáculo em que é
diretora. Para ela, essa é uma oportunidade ótima para a pequena, que pode assistir de perto
uma composição artística. ;Hoje em dia, as crianças têm muito contato com novas mídias,
novas tecnologias. Ela está se relacionando com essa experiência desde cedo;, comemora.
Enquanto isso, a arte-educadora Adriana Bertolucci lembra o quanto tem aprendido sobre o
próprio trabalho com a chegada da filha, Amora. A pesquisa em literatura infantil tornou-se
ainda mais forte e foi complementada pelo estudo literário para bebês. Adriana tem um
projeto de mediação de livros e formação de leitores que percorre escolas do Distrito
Federal, o Marandubinha. Com a chegada da filha, a educadora pôde aplicar com o público
aquilo que aprende em casa, na prática. Durante a gravidez, ela manteve o trabalho de
contadora de histórias e mediadora de livros.
;Como arte-educadora, eu tenho muito orgulho em ver que tudo aquilo que eu falo para o
público tem um fundamento verdadeiro, eu vejo acontecer dentro da minha casa. Eu leio para
ela todos os dias desde os 5 meses de idade;,relata. Adriana destaca que se inspira no
trabalho de Yolanda Reyes, que fala da leitura como um momento de afeto entre mães e filhos,
uma instante de aproximação. ;A Yolanda fala de um triângulo amoroso entre o adulto, a
criança e o livro. Eu acredito que é isso que devemos trabalhar em casa;, destaca
Adriana.
A musicista e professora Káshi Mello, 31, também subiu inúmeras vezes ao palco durante a
gravidez. A filha, Sofia Moreno, 8, chegou a se apresentar no 1; Festival de Ópera de
Brasília com Cavaleria Rusticana. ;Ela tinha 1 ano e 9 meses à época dessa récita. Dançava e
cantava entusiasmada, puxando aplausos da Sala Villa Lobos;, conta a mãe. Atualmente, Sofia
se diverte com o teatro e as oficinas de improvisação, além de tocar clarinete. Para a mãe,
o contato com a linguagem artística é fundamental, favorecendo o desenvolvimento psicológico
e motor.
Káshi manteve o ofício até o 9; mês de gestação e lembra que a filha esteve presente, na
barriga, durante constantes construções sonoras de teatro, coro e orquestra. Com a chegada
de Sofia, a musicista tornou-se ainda mais inspirada a trabalhar com o desenvolvimento da
musicalização infantil. ;A maternidade me mostrou o doar, o limite, a saudade, a intuição, a
compreensão do incondicional e a nuance entre calmaria e confusão. A vida é arte!”
Quem seguiu os mesmos passos foi a atriz e cantora Brenda Gabrielly, que ficou grávida em
2016, enquanto se apresentava com o projeto musical e performático Cantigas boleráveis.
Atualmente, a pequena Iara, de 1 ano e 5 meses, participa dos ensaios dos grupos da mãe de
contação de histórias e musicalização. ;Ela é o melhor termômetro para dizer se a
apresentação vai ser legal para as outras crianças. A nossa diretora mirim;, afirma.
Afeto e sensibilidade
A artista circense Júlia Henning, 35, é mãe de Laís Baptista, 10, que acompanha os ensaios
e as criações da companhia Instrumento desde os primeiros passos. ;Ela me acompanhou em
ensaios, apresentações, viagens, cursos, produções, em tudo o que eu faço. Às vezes, levá-la
é a melhor opção, porque é um ambiente lúdico e familiar;, destaca. A mãe diz gostar de que
a filha assista às criações do grupo para entender a seriedade do trabalho e o resultado de
sua dedicação. ;Ela até treina com a gente, sobe nos aparelhos de circo e fica bem orgulhosa
de aprender acrobacias, se sente pertencendo ao grupo.;
Enquanto isso, Júlia aproveita o aprendizado de observar a relação de Laís com o movimento
corporal e a criação, já que crianças, em geral, portam-se de maneira livre nesse aspecto.
;Já me diverti muito enquanto a observava criar cenas corporais, interagir com objetos e
depois falar que estava criando uma cena contemporânea. Por essa vivência no ambiente
artístico, ela é muito aberta a novidades. Tem também toda aquela admiração ao ver a mãe no
palco;, lembra a artista.
A vivência criativa faz parte da rotina dos filhos de artistas, e a experiência entre os
palcos e as coxias pode enriquecer o desenvolvimento cognitivo dos pequenos, ajudando em
qualquer profissão. Enquanto isso, as mães, que transitam por diferentes formas de
expressão, fortalecem o próprio ofício com a companhia de suas crias e o fortalecimento do
vínculo entre a arte e a vida.
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