Cidades

Atividades inclusivas ajudam pessoas com transtornos psiquiátricos

Incentivo ao acolhimento, à inclusão e à reinserção são fundamentais para que essas pessoas apresentem melhora nos quadros psiquiátricos e possam conviver em sociedade sem estigmas

Ester Cezar* , Walder Galvão - Especial para o Correio
postado em 16/05/2018 06:00
Antônio é voluntário no grupo Inverso: promoção do contato humanizado, do afeto e rompendo preconceitos
Na semana que marca a luta antimanicomial, a reflexão sobre a importância da desconstrução do preconceito em relação a quem tem transtornos psiquiátricos e o incentivo ao acolhimento, à inclusão e à reinserção são fundamentais para que essas pessoas apresentem melhora nos quadros psiquiátricos e possam conviver em sociedade sem estigmas.

O brasiliense Alédison Wiliam Cândido, 35 anos, dedica a vida à dança. Diagnosticado com esquizofrenia aos 17 anos, o professor encontrou nas coreografias uma forma alternativa de tratamento. ;Quando tive minha primeira crise, fui encaminhado ao Caps (Centro de Atenção Psicossocial). Durante o tratamento, comentei que gostava de dançar e me incentivaram a seguir nesse caminho;, comenta. Em seguida, Alédison se dedicou à dança e transita entre diversas modalidades, como forró, street dance, jazz e balé.

Dois anos após completar a formação em dança, em 2012, o professor passou a lecionar para pessoas com transtornos mentais. ;Fiz muitas amizades, tirei o preconceito das pessoas. Comecei dando oficinas e as coisas foram crescendo;, comenta. Para Alédison, estar entre os pacientes é como estar em família. ;Eu me sinto muito bem, senti uma melhoria significativa após começar a ensinar. Não só para mim, mas para os alunos a quem dou aula também.;

O professor acredita que o preconceito contra pessoas que têm transtornos mentais diminuiu com o passar do tempo, no entanto, considera que ainda há muito trabalho pela frente. Ele ressalta que as internações não são a melhor forma de atender essas pessoas. ;Eu acho que o paciente não deve ficar preso dentro do hospital, ele tem que sair, fazer outras atividades.;

Mudança necessária

A Associação dos Amigos da Saúde Mental (Assim) atua desde 1989 na luta contra o preconceito a pessoas com transtorno psiquiátricos. ;Trabalhamos a favor da reforma do atendimento que existe hoje. Aqui, fazemos oficinas de produção, teatrais e terapêuticas. O objetivo é impulsionar a inclusão social, que também é uma forma de tratamento;, diz Maria da Anunciação Soares Castro Alves, presidente da organização não governamental. ;Quando o paciente chega até nós, tentamos evitar ao máximo que ele vá para um lugar de internação. Queremos que ele faça um tratamento no âmbito da saúde mental, sem essa medida;, frisa.

O professor de dança Alédison Wiliam Cândido encontrou nas coreografias forma alternativa de tratamentoAinda nesse contexto de ressocialização e não isolamento das pessoas com transtornos psiquiátricos surgiu, em 2001, o grupo Inverso. Criado pelos assistentes sociais Eva Faleiros e Vicente Faleiros, o grupo tem como proposta ser um centro de convivência, promover o contato humanizado, o afeto, restituir o que foi privado, romper preconceitos e proporcionar o bem-estar dos frequentadores. Funciona todos os dias com as portas abertas para quem quiser visitar e participar. As atividades são diferentes a cada semestre e, neste, o trabalho é com as oficinas de música, culinária, palavra, louco também toma banho e intervenção urbana e do corpo.

Antônio Duarte, 28, é oficineiro no Inverso e estudante do último ano de psicologia. Ele conta que conheceu o projeto por meio de uma atividade de extensão na faculdade e já participa há três anos. ;A Inverso nos estimula a ser criativos afetivamente e a como desenvolver um trabalho que respeite a condição de sofrimento do outro. Para mim, são lições de cidadania que eu venho aprendendo.;

O estudante conta que passou por várias experiências transformadoras, como a vez em que ajudou um senhor de 50 anos a fazer a barba, porque não o deixavam ter contato com objetos cortantes. ;Têm coisas que a gente acha que são óbvias, mas nem sempre são. Essas pessoas têm capacidades surpreendentes e, muitas vezes, nós as destituímos dessas possibilidades. A sociedade anula as possibilidades dessas pessoas;, observa. Antônio explica que o grupo Inverso não se preocupa com diagnósticos, fichas e prontuários. O objetivo é deixar os frequentadores o mais livres possíveis e esquecer o ambiente clínico e hospitalar.

Em busca de inclusão

;Essas pessoas sofrem na busca pela ajuda, em razão do preconceito na sociedade, no ambiente de trabalho e até mesmo na família;, afirma a psicóloga Kathia Priscila Neves. Segundo ela, um dos maiores problemas dessa exclusão social é a autonegação de tratamento, que provoca um adoecimento maior. Ela ressalta que a luta antimanicomial é uma forma de as pessoas com transtorno psiquiátricos buscarem os próprios direitos. ;A luta é por atendimento humanizado, acessível e que não seja isolado da sociedade, o que acontece em muitos hospitais psiquiátricos.;

Na rede pública de saúde, pessoas com algum tipo de transtorno mental podem contar com os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), vinculados à Secretaria de Saúde do Distrito Federal. ;O Caps é composto por uma equipe multiprofissional que faz um trabalho interdisciplinar, com psicólogos, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais;, destaca a diretora de Serviços de Saúde Mental da pasta, Giselle de Fátima Silva.

No total, há 18 Caps na cidade, que atendem pacientes com transtornos psiquiátricos graves e recorrentes ou com problemas decorrentes do uso abusivo de álcool ou outras drogas. De acordo com Giselle, a proposta é o alinhamento com as ideias da reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial, de maneira a desinstitucionalizar a internação dos pacientes e desconstruir a ideia de que os tratamentos devem ser feitos em manicômios, afastados e isolados da sociedade.

O objetivo, segundo explica a diretora, é integração e ressocialização dos pacientes, buscando também, fazer um trabalho em conjunto com a família. ;Para lidar com a questão da saúde mental, a gente não deve focar só no paciente, temos também que trabalhar com a família dele;, conclui. Atualmente, a pasta conta com cerca de 300 psicólogos, que fazem atendimentos de forma individual ou em grupo para pacientes internados nos hospitais (urgência e emergência, UTI, vítimas de violência), em domicílio, nos ambulatórios, nas Unidades Básicas de Saúde, no Sistema Prisional, pelo Núcleo de Saúde Mental do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), além dos Caps.

Para saber mais

Defesa de direitos

O Dia Nacional da Luta Antimanicomial é celebrado em 18 de maio e foi instituído no 2; Congresso Nacional de Trabalhadores da Saúde Mental, em 1987, em Bauru (SP). Movimentos em defesa dos direitos de pessoas com transtornos psiquiátricos se fortaleceram no país a partir de 2001, após a instituição da Lei n; 10.216, que trata da Reforma Psiquiátrica e dos direitos das pessoas com transtornos mentais no Brasil, além de combater a psicofobia ; preconceito e estigmatização de quem sofre com transtornos desse tipo. Um deles é a luta antimanicomial, que busca a autonomia dessas pessoas e o combate ao pensamento de que elas precisam ser afastadas e isoladas da sociedade para receber tratamento. A iniciativa busca reduzir o número de internações e propor formas alternativas de tratar os distúrbios. Desde 2012, a psicofobia é considerada crime, e, a partir de 2014, a prática passou a configurar injúria. A pena varia de dois a quatro anos de prisão.

Onde encontrar

; Secretaria de Saúde
A Diretoria de Serviços de Saúde Mental (Dissam) oferece orientações e tira dúvidas pelos números 2196-3716 ou 99108-7835

; Inverso
SCLN 408, Bloco B, Sala 60, Subsolo3273-4175Página no Facebook: @inversodf

; Associação dos Amigos da Saúde Mental (Assim)
AC 003, Lote 14/15 ; Riacho Fundo 1
3399-3900
Facebook: @amigosdoassimSite: www.portalcn.com/assim

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