Cidades

Gangues de Ceilândia mataram aos menos 14 pessoas nos últimos quatro anos

Iniciada em 2014 por causa de uma briga em festa, rixa entre grupos da cidade resultou em assassinatos de inocentes, como a menina de 5 anos, morta em casa. Violência se estende a Planaltina e São Sebastião

Isa Stacciarini, Walder Galvão - Especial para o Correio, Sarah Peres - Especial para o Correio
postado em 24/05/2018 06:00

Familiares, colegas e professores de Maria Eduarda cantaram, soltaram balões e fizeram homenagens no enterro da menina

Os líderes da guerra entre gangues na Expansão do Setor O, em Ceilândia, são adolescentes que tentam comandar o crime nas vizinhas QNO 17 e QNO 18. O assassinato de uma menina de 5 anos com um tiro na cabeça e no tórax, em casa, na tarde de segunda-feira, expôs a rixa entre os grupos rivais. Mas essa violência não se restringe à mais populosa cidade da capital. A Polícia Civil também monitora gangues juvenis em Planaltina e São Sebastião. Os integrantes se matam para vingar outras mortes e para controlar o tráfico de drogas. Ostentam poder em vídeos e fotos publicadas nas redes sociais.

Uma operação desencadeada em março pela 31; Delegacia de Polícia (Planaltina) cumpriu 23 mandados de prisão e 17 de busca e apreensão contra integrantes de uma gangue da região. Eles são suspeitos de praticarem, ao menos, 40 homicídios. Em 2017, ações da polícia também desarticularam o poder desses grupos em São Sebastião e Ceilândia (leia Memória). A Polícia Civil não divulgou estatísticas de crimes cometidos por gangues no DF ;para não criar nesses jovens a falsa sensação de empoderamento; e alegou, também, que ;os dados são importantes para investigações ainda em andamento;.

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Inocentes

A rivalidade entre adolescentes da QNO 17 e QNO 18 de Ceilândia teria começado em 2014, quando um jovem na QNO 18 bateu no rosto de outro, morador da QNO 17. ;O que bateu na cara do rapaz voltou lá (para a quadra 17) para matá-lo, mas, nisso, ele (agressor) foi quem morreu. Em 1; de janeiro de 2015, a galera da 18 matou um dos envolvidos no primeiro homicídio, morador da 17. Aí, as mortes se intensificaram, um matando o outro de cada lado;, explicou um jovem morador da QNO 17, que, por medo pediu sigilo da identidade. Desde então, ao menos 14 teriam sido assassinadas pelos dois grupos. Crimes investigados em processos distintos. Algumas das vítimas são inocentes, como Maria Eduarda Rodrigues de Amorim, a menina morta segunda-feira e enterrada ontem (leia ao lado).

No último carnaval, o grupo da 18 baleou três pessoas da QNO 17, todos inocentes. Ninguém morreu. ;Parece que eles fazem isso para criar nome na bandidagem;, ponderou outro morador. Muitos dos envolvidos na matança têm relações com outros crimes, como furto, roubo e tráfico de drogas. Policiais civis e militares que trabalham em Ceilândia endossam o depoimento do morador. Não acreditam que os integrantes dessas duas gangues tenham participação em grandes assaltos ou liderem quadrilha de tráfico ou contrabando, por causa da pouca idade. Mas, por terem menos de 18 anos, são mais inconsequentes, pois apostam na impunidade. Por isso, matam tanto e por tão pouco.


Identificados

Os disparos que mataram Maria Eduarda e deixaram um irmão dela, de 19 anos, ferido, saíram de um Voyage preto. Investigadores têm três suspeitos, os mesmos que teriam roubado o veículo cerca de 20 minutos antes. Um agente encontrou o carro abandonado, na noite de terça-feira, em Ceilândia. Outra vítima recente da disputa entre jovens moradores da QNO 17 e QNO 18 é um rapaz 17 anos, jogador de futebol amador, assassinado em uma parada de ônibus da QNO 17, ao lado da irmã de 12 anos. Entre os suspeitos deste caso há dois adolescentes foragidos, que cumpriam medida socioeducativa em unidades de internação do DF.

Agentes da 24; Delegacia de Polícia (Setor O, Ceilândia) afirmam ter apreendido suspeitos dos crimes, em operações desencadeadas pela unidade para desarticular o comando das gangues da região. A matança teria reiniciado após um dos adolescentes fugir de um centro de internação e retornar à QNO 18, onde mora, há uma semana. Com um amigo, também morador da área, ele encontrou um terceiro adolescente, rival, residente na QNO 17, em 17 de maio. A dupla o espancou e o ameaçou de morte. Até então, ela não teria nenhum envolvimento na rixa entre as quadras.

Três dias depois, no domingo, o adolescente da QNO 17 e um amigo foram a uma parada de ônibus da quadra. Encontraram o jogador de futebol amador de 17 anos e a irmã dele. No mesmo momento, passou o bando da QNO 18 que havia agredido o rapaz da 17. A turma da 18 abordou o jovem atleta. Questionaram a quadra dele. Antes que reagisse, o menino levou três tiros. Caiu morto ao lado da irmã. Parentes, vizinhos e policiais garantem que ele não tinham envolvimento com gangue ou crime algum.

Ele continua internado no Hospital Regional de Ceilândia (HRC) e não conseguiu ir ao enterro da irmã, ocorrido na tarde de ontem. Segundo uma amiga da família, ele está aguardando cirurgia na unidade de saúde.

Memória

2018


16 de maio

Um jovem de 19 anos foi preso pela 24;DP (Setor O, Ceilândia) suspeito de crimes de corrupção de menores, tráfico de drogas e apologia ao crime. Ele era monitorado, por meio das redes sociais, em virtude de posts relacionados à gangue Expresso 19. Na casa do rapaz, a polícia encontrou dinheiro, porções de maconha, crack e Rohypnol. O jovem fazia uma transmissão ao vivo, com um adolescente infrator, de 15 anos, consumindo maconha em apologia ao crime.

13 de março

Uma operação desencadeada pela 31;DP (Planaltina) cumpriu 23 mandados de prisão e 17 de busca e apreensão contra integrantes de um grupo que cometia homicídios na região. Eles são suspeitos de fazer parte de um grupo e provocar a matança de rivais por disputa de poder e droga. Os suspeitos teriam cometido 40 homicídios. Eles também ostentavam armas e carros em fotos de redes sociais.

2017


18 de outubro

Cinco pessoas foram presas suspeitas de fazerem parte de uma gangue, em São Sebastião. Elas eram ligadas a brigas entre grupos rivais e acusadas de diversos homicídios. Em junho de 2017, dois suspeitos mataram brutalmente um rapaz com 15 facadas por causa de uma dívida.

16 de setembro

Uma operação da 31;DP prendeu oito pessoas suspeitas de mais da metade dos 60 homicídios ocorridos em Planaltina em 2017. Um adolescente também foi apreendido. A organização, denominada Crime, Maldição e Morte (CMM), tinha mais de 30 integrantes. Porém, 22 estavam detidos por outras razões. De dentro do Complexo Penitenciário da Papuda, o grupo chegou a comandar assassinatos. A Polícia Civil acredita que o CMM seja responsável por 108 assassinatos e tentativas de homicídios em Planaltina, Paranoá e Sobradinho de 2014 até 2017.




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