Isa Stacciarini
postado em 25/05/2018 07:00
O tráfico de drogas que domina as ruas de Ceilândia alimenta a guerra entre gangues, provoca a morte de inocentes e lucra na entrada e na saída das escolas públicas da mais populosa cidade do Distrito Federal. Criminosos aliciam alunos para revender entorpecentes a outros estudantes. A Polícia Civil monitorou o perímetro de 50 colégios, durante cinco meses, até ontem, quando deflagrou uma operação e prendeu 15 pessoas, entre elas traficantes. Eles são acusados de agir em 27 estabelecimentos de ensino.
A repressão da polícia contra o tráfico aconteceu três dias depois de uma menina de 5 anos ser assassinada, ao lado do irmão de 19 anos, também baleado, que seria o alvo dos tiros, por causa de uma rixa entre gangues do Setor O. Maria Eduarda Rodrigues Amorim morreu em casa, na QNO 18. O irmão ficou ferido na perna e está internado no Hospital Regional de Ceilândia (HRC). Até a noite de ontem, nenhum suspeito havia sido preso. Os autores dos disparos seriam jovens moradores da QNO 17, inimigos de um grupo da QNO 18. Conforme revelou o Correio na edição de ontem, a disputa resultou em ao menos 14 mortes em quatro anos.
Medo
Seja nas ruas ou em casa, a população vive com medo. Nas escolas, estudantes relatam ter aprendido a conviver com o consumo e venda de drogas ao lado. Aluna do 2;ano do Centro de Ensino Médio 10 (CEM 10) do Setor P Sul, Carla*, 15 anos, conta que se acostumou a ver colegas com cigarro de maconha. ;Tem muito. Já os vi fumarem escondido dentro da sala e na porta da escola. Por aqui tem muita aglomeração e o pessoal fica vendendo. Eles trocam (a droga) e saem. Os professores não veem, mas, também, muitos têm medo de falar alguma coisa;, ressalta.
Colegas do 1;ano, Marta* e Maria*, ambas de 15 anos, afirma que na porta dos banheiros o cheiro de maconha é característico. ;A gente passa e sente. Os alunos que mexem com isso também saem de lá desconfiados. Ninguém fala nada. Não por medo. A gente já se acostumou com isso. Na hora da saída muitos ficam aqui embaixo das árvores fumando;, revelaram.
Diretora da escola, Helen Matsunaga confirma que estudantes entram com maconha. ;Há duas semanas, encontramos um tablete de maconha, um papel de seda e colírio com um aluno de 17 anos. Chamamos o pai e ele queria que devolvêssemos tudo, porque tinham de entregar para outra pessoa, mas acionamos a polícia;, revela.
Na última quarta-feira, policiais militares estiveram na escola e fizeram varredura com cães farejadores em busca de entorpecente. ;Eles vieram de manhã e retornaram à tarde, mas não encontraram nada. Temos um sistema de câmeras em frente aos banheiros e ficamos de olho. Aqui dentro a gente até controla, mas, lá fora, é difícil;, lamenta a diretora.
Pai de uma aluna do 1; ano da escola, o vigilante Benedito Rodrigues da Silva, 50 anos, orienta a filha sobre a questão das drogas e faz questão de levá-la e buscá-la todos os dias. ;É um problema grave, porque a maioria é menor. Este é um ambiente que serve para ensinar e formar bons cidadãos, mas, infelizmente, também está contaminado;, reclama.
Prisões
O CEM 10 foi um dos colégios alvos da Operação 2; turno, deflagrada pela Polícia Civil ontem. Os suspeitos presos têm entre 18 e 24 anos. Eles aliciavam alunos entre 11 e 18, que compravam e revendiam maconha dentro das escolas e na porta dos colégios, segundo a investigação conduzida pela 23; Delegacia de Polícia (Setor P Sul). Na operação, os agentes apreenderam 15 quilos de maconha. Um cigarro de maconha é vendido a R$ 5 no perímetro escolar.
Chefe da 23;DP, o delegado Vitor Dann diz que esta foi a primeira fase da operação. ;Esses traficantes se tornavam padrinhos dos alunos e, em troca, eles recebiam proteção. Até mesmo em brigas nos colégios, eles (traficantes) iam para resolver. A princípio, esses alunos eram só usuários, mas, de certa forma, se tornam traficantes por fazer essas intermediações dentro e fora dos colégios;, explica Dan.
O delegado diz que o tráfico provoca também a evasão escolar. ;Os traficantes tentam dominar essas escolas e criam a lei do silêncio com ameaças para que as pessoas não denunciem. Essa atuação provocou, inclusive, evasão de alguns estudantes e ameaças a professores e outros alunos;, ressalta.
Às claras
Outra escola que sofre com o consumo e a venda é o Centro Educacional 6, também no P Sul. Jonas* e a amiga Vilma*, 15, ambos do 1; ano, contam que alguns alunos matam o primeiro horário de aula e entram no colégio visivelmente alterados. ;Eles ficam aqui fora fumando e perdem aula do primeiro tempo. Alguns até levam para dentro da escola;, diz a menina.
Vice-diretor do CED 6, Ricardo Medeiros diz que traficantes agem do lado de fora das escolas, mas têm contatos dentro. ;Tentamos neutralizar o problema e orientamos os professores a não entrar em embate, mas é uma situação muito perigosa. Tentamos monitorar os casos e, dentro da escola, temos um controle maior. Chamamos os pais;, comenta.
Só nos dois primeiros meses deste ano, Ceilândia registrou 15 ocorrências de homicídio: dois a mais do que no mesmo período de 2017. Ainda em janeiro e fevereiro deste ano houve 67 flagrantes de tráfico de drogas, quando, no mesmo período de 2017, foram 52. Os roubos a pedestres, assaltos a comércios e furtos de veículos, no entanto, diminuíram 21,53%, 35,13% e 8,33%, respectivamente.
Questionada sobre o contingente em Ceilândia e as estratégias de combate ao tráfico, a Polícia Militar alegou não poder responder essas questões. Afirmou fazer policiamento em toda a região e foca, principalmente, em áreas consideradas mais críticas. ;Só nos quatro primeiros meses de 2018, equipes da PMDF detiveram 1.147 autores ou suspeitos de crimes e apreenderam 126 armas em Ceilândia;, informou, por meio de nota.
* Nomes fictícios para preservar os entrevistados