Cidades

Faltar ao trabalho em dias de jogos pode causar demissão por justa causa

Empresas não são obrigadas a liberar funcionários para assistirem às partidas, mas, já que boa parte da equipe estará com a cabeça no mundial, o acordo de compensação de jornada pode ser a solução. Faltar ao serviço em dias de jogos pode causar demissão por justa causa

Felipe de Oliveira Moura*
postado em 16/06/2018 07:00
Na Faculdade Instituto de Pesquisa e Ensino Médico, quando a Seleção entrar em campo, todos vão sentar em frente à TV e aproveitar o momento para confraternizarem com festa regada à pipoca, guaraná, adereços e barulho

A Copa do Mundo de 2018 chegou, mas a sorte de ver a bola rolando sem se preocupar com o trabalho não será realidade para muitos torcedores. No país do futebol, isso pode virar um drama para os mais aficionados, principalmente nas partidas que ocorrem durante a semana. O primeiro jogo do Brasil será amanhã, às 15h, contra a Suíça. Depois disso, a Seleção entra em campo numa sexta-feira (22/6), às 9h, e numa quarta-feira (27/6), às 15h. Os outros jogos, caso o país avance no torneio, serão em julho. Serão quatro jogos em dias úteis, podendo haver mais um se o Brasil passar em primeiro no Grupo E.

Para quem tem expediente no horário, a má notícia é que as empresas não são obrigadas a liberar os funcionários nos dias de jogos da seleção. No entanto, é comum que patrões permitam a suspensão das atividades ou a adaptação do horário de expediente. Dependendo da profissão, porém, isso é impossível. É o caso de empregados de bares e restaurantes, que costumam lotar durante as partidas; e de serviços de urgência, como hospitais e Unidades de Pronto Atendimento (UPAs).

No comércio, o Sindicato do Comércio Varejista do Distrito Federal (Sindivarejista) e o Sindicato dos Empregados do Comércio do DF (Sindicom) firmaram acordo para adequar o funcionamento das lojas de rua e shoppings ao horário dos jogos. Os servidores do Governo do Distrito Federal ; incluindo as unidades básicas de saúde ; e de órgãos e entidades da administração pública federal do poder executivo terão de trabalhar até as 13h nos dias em que os jogos forem à tarde; ou a partir das 14h, no caso de confronto pela manhã. As horas não trabalhadas devem ser compensadas até 31 de outubro. No setor privado, quando não houver acordo sindical, a decisão fica a cargo dos gestores. Nesse caso, empregados e empresas podem chegar a um acordo de compensação, que ganhou novas formas de ser cumprido com a reforma trabalhista. Erika Medina Stancioli, auditora-fiscal da Coordenação Geral da Fiscalização do Ministério do Trabalho, explica as possibilidades. ;Se a compensação for no próprio mês, o acordo com o empregado pode ser individual e tácito. Caso a compensação seja em até seis meses, o acordo tem de ser por escrito. Se for em um ano, deve passar pelo sindicato da categoria;, afirma.
Amanda assistirá aos jogos com os colegas de equipe, no trabalho
Embora a escolha pelo funcionamento da empresa dependa unicamente da vontade do empregador, Erika alerta que isso não pode ser feito de qualquer jeito. ;O que o patrão não pode fazer é, na inexistência de acordo de compensação, obrigar o funcionário a folgar. Se não existir esse combinado, o empregado pode se recusar a parar ;, ressalta. A única saída para o patrão é dispensar sem exigir compensação. Leandro Antunes, professor de direito penal do trabalho da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio, indica outra forma de trato entre gestores e empregados. ;Uma forma de compensar é trabalhar a mais em outros dias da semana. Por exemplo, se o funcionário tem expediente num sábado em que tem jogo da Copa do Mundo, o empregador pode liberar e exigir essas horas durante os dias da semana;, diz. O essencial, afirma Leandro, é a ;comunicação prévia;.


Confraternização

Embora a Copa do Mundo envolva uma paixão comum a milhões de brasileiros e seja costume o país parar em dias de jogo, há órgãos e empresas que não podem interromper o serviço nessas ocasiões. Nesse cenário, a solução para empregador e empregado pode ser a confraternização. ;Sem dúvida, essa é a melhor opção no caso de uma empresa que não possa interromper as atividades;, afirma Denis Luna, sócio da franquia de São Paulo da Actioncoach, companhia multinacional de treinamento de empresários. Administrador, Denis observa que a decisão por liberar o quadro funcional varia conforme a empresa. ;Temos que fazer um combinado entre produtividade e satisfação do empregado. Parar meio período significa um tempo de produtividade da empresa que foi desperdiçado. Em contrapartida, se o patrão libera o funcionário pode reverter numa satisfação que reflita nos próximos dias, o que também gera produtividade;, argumenta.
Quando era dono de uma empresa familiar no ramo gráfico, Denis buscava promover a confraternização durante os jogos. ;A gente montava uma sala com telão e todos paravam para assistir. Aquilo trazia satisfação: era um momento de interação, em que o funcionário esquecia das atividades do dia a dia da empresa. Era um momento de muito prazer;, lembra. Além de gerar um ambiente positivo de descontração, o empresário cita outra vantagem quando se acompanha os jogos na empresa. ;Nem todas as pessoas são aficionadas por futebol e, essas que não querem assistir ao jogo, estão liberadas para continuar o trabalho se assim desejarem;.

Especialista em direito do trabalho pela Lobo de Rizzo Advogados, Fabio Medeiros acredita que prender os mais fanáticos na hora do jogo pode trazer prejuízos. ;Os departamentos de RH devem pensar na produtividade e na responsabilidade da empresa porque, se o funcionário perde a atenção por causa do jogo, algo de errado pode acontecer, até mesmo acidente de trabalho ou entrega de produto e serviço com defeito;, alerta.

A saída que muitas empresas encontram para não deixar ninguém de fora nos dias de jogos do Brasil é a confraternização. ;Esse momento de descontração dos jogos é saudável e bem oportuno. É importante para a integração da equipe, o que não se consegue com horas de trabalho burocrático;, afirma Amanda Moreira, gestora da Faculdade Instituto de Pesquisa e Ensino Médico (Ipemed). A festa nos três jogos da fase de grupos será regada a muita pipoca, guaraná, adereços e barulho. Na hora do jogo, todos vão sentar em frente à TV. A instituição não pode parar de funcionar, porque as aulas obrigatórias para os cerca de 250 alunos ocorrem aos fins de semana (sexta, sábado e domingo). Responsável pela unidade de Brasília, Amanda acredita que ignorar a vontade dos funcionários pode trazer prejuízos organizacionais. ;O veto influencia na produtividade e na motivação, porque ele vem em um momento em que as redes sociais e os colegas falarão sobre o assunto. Não estar nessa harmonia traz insatisfação;, acredita.

Katyenne Souza, 36, está entre os três funcionários da Ipemed que vão trabalhar na estreia da Seleção. Bacharel em direito, ela é coordenadora de ensino da instituição há um ano e afirma que não tem outra opção senão cumprir a jornada. ;Trabalho com o atendimento ao aluno presencialmente. Não tem como eu me ausentar;, afirma. Pela primeira vez, ela terá de assistir aos jogos na firma. ;Costumava ver com a família;, lembra. Às 15h, as atividades serão interrompidas para dar lugar aos barulhos das vuvuzelas. Amanda vai coordenar a festa e admite a importância de celebrar com a equipe. ;É muito importante a empresa reconhecer que somos seres humanos e brasileiros e que queremos entrar na onda de alegria do país;, ressalta.

Alenamara Carvalho, 43, é coordenadora de ambulatório da Ipemed, e gosta do espírito que Copa traz para reunir amigos, família e ; por que não? ; colegas de trabalho. ;É importante participar. É uma festa que se repete desde a minha infância. Eu gosto muito. Por todos os problemas que a gente passa no Brasil, é uma chance de esquecer isso, de se alegrar;, acredita. A economista vai assistir à Copa no trabalho pela primeira vez. Embora prefira assistir aos jogos em casa, ela entende a exigência da empresa. ;O trabalho está em primeiro lugar. Temos de respeitar a decisão. Não é o fim do mundo;, brinca.


E se não der?

Em situações em que a instituição não possa mesmo interromper as atividades, o melhor caminho é ser incisivo na comunicação sobre o comportamento durante os jogos . ;A empresa deve orientar os funcionários de que, no horário dos jogos, não estão liberados para acessar celular, TV, o rádio ou fazer qualquer coisa que possa atrapalhar o desempenho no trabalho;, diz. É importante o empregado não tentar dar aquele jeitinho para acompanhar a partida. ;Quem descumpre essa ordem do empregador pode levar uma advertência ou suspensão ou, se for algo muito grave, até ser demitido por justa causa;, adverte o especialista Fabio. Diante de tantas regras e comportamentos a serem evitados, pode ser que o funcionário mais apaixonado pela amarelinha seja tentado a faltar o trabalho.

;O trabalhador não tem o direito unilateral de parar para assistir ao jogo. Se não houver concordância prévia da empresa, a ausência para assistir aos jogos será considerada injustificada e o empregado perde todos os direitos: o dia, o repouso, o vale-transporte;, alerta Erika Medina Stancioli. As consequências para quem deixa de ir ao trabalho deliberadamente podem ser desastrosas, adverte Leandro Antunes, mestre em direito pela Universidade Cândido Mendes. ;Se o trabalhador chegou atrasado ou faltou no dia do jogo, pode ter o salário descontado e sofrer, dependendo da gravidade da falta, uma advertência, suspensão ou até demissão por justa causa.;

Manual do torcedor-funcionário


Se a instituição onde você trabalha for liberar a equipe para assistir aos jogos ou promover uma confraternização, isso não é motivo para relaxar na postura e exagerar na torcida. Confira dicas para não prejudicar a sua imagem profissional durante a Copa. Carolina Silva, coordenadora de RH da Luandre, consultoria de RH, e psicóloga com especialização em psicologia organizacional deixa orientações básicas de comportamento.

Na confraternização:
; Cuide das vestimentas. Verifique se a empresa permite o uso de acessórios ou da camisa do Brasil.

; As mulheres devem ficar atentas às roupas customizadas. Decotes muito chamativos não pegam bem
em alguns ambientes.

; Cuidado para não discutir com um colega durante o jogo. Com os ânimos alterados, fica mais fácil criticar os jogadores e isso pode causar confusão.

; Não xingue. Guarde aquele palavrão na hora do jogo. No ambiente corporativo, é importante ter inteligência nas emoções.

; Nada de bebidas alcoólicas.

Se for liberado e tiver que retornar ao trabalho?
; Não consuma bebidas alcoólicas.

; Retorne pontualmente no horário combinado.

*Estagiário sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

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