Cidades

Ambulantes definem Rodoviária do Entorno como 'terra sem lei'

Mãe e filho foram mortos no local nessa quarta-feira. Polícia suspeita de disputa por ponto de venda ambulante

Bruna Lima - Especial para o Correio, Sarah Peres - Especial para o Correio, Isa Stacciarini
postado em 05/07/2018 06:00

Duas vítimas morreram na área de embarque e desembarque de passageiros. A terceira foi transportada para o Hospital de Base em estado grave

Mãe e filho mortos a tiros. A filha e irmã deles atingida duas vezes no abdômen e transportada para o Hospital de Base com vida. Tudo às 14h40, na Rodoviária do Entorno do Distrito Federal, na área central de Brasília, a 3 km do Palácio do Planalto. O motivo para tamanha brutalidade na tarde dessa quarta-feira (4/7) seria uma rixa, surgida da disputa por clientes. Presidente da Associação dos Ambulantes de Brasília, Luiz Coutinho disse que, no local, há trabalhadores itinerantes e fixos. Os primeiros são aqueles que transitam com carrinhos de mercadorias entre as filas, como era o caso das vítimas e do suspeito identificado. Os fixos são os comerciantes que estendem o pano e vendem os produtos.

;Cada carrinho fica em uma fila e os outros comerciantes circulam. Quando a Agefis (os auditores da Agência de Fiscalização) chegam, todo mundo corre no sentido contrário. Quando voltam, eles se reposicionam. O que acontece é que, na volta, isso gera uma discussão, mas eles não têm ponto fixo;, garantiu.

No entanto, camelôs que trabalham no local desde a inauguração do terminal no antigo Touring relatam a disputa por área e por preço de mercadoria. ;Isso é briga antiga. Aqui é terra sem lei. Tem gente que se ajuda, mas tem também quem não gosta de ajudar nem de ser ajudado;, relatou um comerciante de 56 anos.

A reportagem ouviu sete ambulantes. Eles reforçaram que a disputa é maior nos boxes dos ônibus que saem para Planaltina de Goiás, onde o crime aconteceu. Nos outros, apesar de existir um ponto definido, os ambulantes se ajudam.

Uma camelô, de 43 anos, contou que há vendedores que atuam dentro dos ônibus e outros, que vendem no terminal. ;Existe uma rixa entre os dois grupos. Ela aumentou depois que algumas empresas proibiram vendas nos veículos;, explicou.

O presidente da Associação alegou que a resistência é de quem não se adapta ao padrão do local. ;Para quem nunca foi ambulante na vida é difícil chegar e vender o produto, como em qualquer lugar. As pessoas estão aqui há mais de quatro anos, sem apoio do governo para nenhum credenciamento;, reclamou.

Fiscalização

Responsável por combater o comércio irregular no Distrito Federal, a Agefis afirmou, por meio de nota, que ;todos os dias há uma equipe permanente na área central de Brasília, incluindo principalmente a Rodoviária do Plano Piloto, o Setor Comercial Sul, os pontos turísticos, a Ponte JK e o Touring;.

A Agefis disse haver também outra equipe volante de auditores ;combatendo atividades econômicas sem o devido licenciamento, que faz operações preventivas e punitivas nos pontos mais congestionados, nos pontos mais denunciados e em eventos;.

A agência informou que, nos dois primeiros meses de 2018, emitiu 118 autos de apreensão, somando 9.975 mercadorias, só na região da Rodoviária do Plano Piloto. Em 2017, realizou 1.630 operações na área central de Brasília, com a apreensão de mais de 90 mil itens.

Policial faz perícia após mãe e filho serem mortos na Rodoviária do Entorno

Tiroteio

Os mortos são Maria Célia Rodrigues dos Santos, 38 anos, e Wellington Rodrigues Santos da Silva, 22. Atingidos no coração, morreram no local. A garota levada com vida para o Base é Kerolyn Ketlen Moreira, 19. Os três trabalhavam como ambulantes na região central de Brasília vendendo doces e salgados. Moravam em Planaltina de Goiás, a 68 km do local do crime. Foram atingidos na área de embarque para Planaltina de Goiás e Novo Gama (GO).

Uma ambulante contou ao Correio que um homem e Wellington discutiram no terminal. Wellington pegou um facão e o outro sacou uma arma e atirou. Ao tentar defendê-lo, a mãe e a irmã de Wellington também foram baleadas. O criminoso fez, ao menos, quatro disparos. Havia muita gente no terminal, que não tem câmeras de segurança. Houve pânico. Pais tentavam proteger os filhos com o corpo. A maioria correu ao ouvir os disparos.

O assassino chegou em um Fiat Dobl; verde, mas deixou o veículo no estacionamento público, ao lado da Biblioteca Nacional, segundo a Polícia Civil. Agentes levaram o carro para perícia. Havia a suspeita do envolvimento de outra pessoa no crime, pois os corpos das vítimas estavam distantes. A PM procurava dois suspeitos apontados por testemunhas: uma pessoa que teria fugido em ônibus que seguia para Águas Lindas (GO), mas saltou do coletivo logo depois, no Buraco do Tatu. A outra saiu correndo sozinha.

Conhecido da família

Ao lado do corpo de Wellington, policiais militares encontraram um facão. Os agentes de segurança supõem que o rapaz carregava a arma branca para se defender. Em 25 de junho, a mulher do acusado teria ferido, com um golpe de faca, Wellington. As vítimas baleadas ontem registraram, semana passada, um boletim de ocorrência denunciando lesão corporal, ameaça e lesão recíproca, depois de terem se envolvido em uma briga no mesmo terminal. Desde então, Wellington passou a andar armado com um facão, que seria o mesmo encontrado na cena do crime.

Identificado pela polícia como Henrique, o suposto autor dos tiros também mora em Planaltina de Goiás. Segundo um irmão e filho das vítimas, de 16 anos, o suspeito é conhecido da família. ;A minha irmã (Kerolyn) chegou a me avisar que o Wellington e o Henrique tiveram uma briga, que chegou na polícia. Mas achei que tudo tinha se resolvido;, afirmou o adolescente.

Karolinne Vieira de Sá, irmã da viúva de Wellington, disse que a briga teria começado com a mulher do suspeito. ;Na semana passada, ela ameaçou todo mundo. Pegou um facão e tentou matar o Wellington. Eles até foram para a delegacia, mas não acabaram presos;, relatou.

A Polícia Militar diz ter identificado também três suspeitos de serem cúmplices do crime. De acordo com a corporação, duas mulheres e um homem receberam um telefonema de um dos suspeitos, pedindo para que eles escondessem o Dobl;. As chaves do veículo foram encontradas com um dos suspeitos, levado para a 5; Delegacia de Polícia (Área Central), responsável pelo caso.

O delegado Rogério Henrique Oliveira, chefe da 5;DP, afirmou, às 19h30, que ;os agentes estavam se inteirando sobre a ocorrência e a prioridade é prender o suspeito; e não tinha informações para repassar à imprensa. Ele não deu entrevista até o fechamento desta edição.

Mulher grávida

Quando os policiais e os bombeiros chegaram para atender a ocorrência, mãe e filho ainda respiravam. Kerolyn estava sentada em um banco de concreto próximo. No nono mês de gestação, a mulher de Wellington, Pâmela Vieira de Sá, 22 anos, chegou à Rodoviária do Entorno, ontem à tarde, em desespero, gritando o nome do marido. ;Meu Deus, o que fizeram com o meu amor? Eu queria abraçá-lo. Acabaram com uma família inteira!”, esbravejava Pâmela.

Por três vezes, ela tentou furar o bloqueio para ir ao corpo do marido, mas foi contida por policiais militares. Parentes e camelôs ampararam a mulher, que não quis dar entrevista.

Para saber mais

Terminal inaugurado em 2014
Com o nome oficial de Terminal Rodoviário Touring, a chamada Rodoviária do Entorno foi inaugurada em 4 de junho de 2014 e entrou em operação quatro dias depois. Ao custo de R$ 11,6 milhões, para a construção de 20 boxes com adequação viária para coletivos e outros três, mais amplos, destinados a ônibus articulados, o terminal conta com banheiros e sala de administração.

Localizada entre a Rodoviária do Plano Piloto e o Complexo Cultural da República, a Rodoviária do Entorno fica no térreo do antigo Touring; por isso o nome oficial. A necessidade da reforma do prédio para receber coletivos veio com as obras da estação do Expresso DF Sul na Rodoviária do Plano Piloto, iniciadas em março de 2014, quando os passageiros das cidades do Entorno passaram a pegar os ônibus na plataforma superior do local. As reclamações de falta de estrutura eram constantes e forçaram o GDF a construir um novo estacionamento para abrigar os 300 mil usuários. O terminal tem capacidade de receber mais de 600 coletivos por dia.

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