Cidades

Projetos que visam apoiar minorias ajudam milhares a dar a volta por cima

Projetos que vão de alfabetização para idosos a possibilitar o acesso a tratamentos especializados são encabeçados por pessoas que se dedicam a melhorar a autoestima de quem luta para conquistar seu espaço na sociedade

Renata Nagashima*
postado em 09/07/2018 06:00
Aos 75 anos, Nathalina realizou o sonho que acalentava desde criança

O que parece simples para muitas pessoas pode fazer toda a diferença para outras. Superação e inclusão social são alguns dos benefícios proporcionados por iniciativas que visam apoiar minorias. Graças a projetos assim, milhares de pessoas têm a oportunidade de dar a volta por cima e enfrentar o preconceito e a falta de oportunidades com o auxílio de voluntários.

Foi assim que Natalina Umbelina Nunes, 75 anos, realizou o sonho que carregava desde criança: aprender a ler e escrever. ;Eu sempre tive vontade de estudar, mas não tive a oportunidade e depois que casei ficou mais difícil, porque meu marido era muito ciumento e dificultava as coisas;, contou. Há mais de um ano ela ficou sabendo do projeto Alfabetização Cidadã, desenvolvido pela Universidade Católica de Brasília (UCB). A filha insistia que ela ingressasse no projeto, mas Natalina teve receio por causa da idade. ;Quando ela me falou, eu pensei que não estava mais na idade de estudar, por isso não quis vir de imediato;, relembrou.

Depois de muita insistência, a idosa decidiu arriscar e não se arrepende. ;Está sendo muito bom, estou aprendendo bastante e pretendo continuar;, comemora. Ela ressalta que não saber ler ou escrever dificultava até as tarefas simples do dia a dia, mas conseguia disfarçar o analfabetismo. ;Hoje, eu percebo o quanto ra ruim chegar num lugar e não conseguir identificar as coisas. Agora, estou muito feliz por realizar esse sonho, falou, com satisfação.
Alfabetizadora Tatiana diz que não tem preço as conquistas dos alunos

Superação


Criado há 25 anos, mais de 10 mil pessoas foram alfabetizadas pelo projeto. Coordenadora da iniciativa há um ano e meio, a professora Carla Cristina de França Silva conta que, a princípio, a intenção era alfabetizar funcionários da instituição, mas em seguida foi aberto à comunidade local e para outras regiões do DF. Ela aponta que a maior dificuldade de atrair o público mais velho é porque normalmente essas pessoas têm vergonha de admitir o analfabetismo. ;É complexo você sensibilizar uma pessoa para que ela possa assumir ser analfabeta. E quando, finalmente, começam a fazer as aulas, elas passam a se orgulhar disso;, enaltece.

Entre as voluntárias do projeto, Inês Correia dos Santos, 29, é estudante de pedagogia. Após conhecer o Alfabetização Cidadã, disse que até a sua visão de mundo mudou. ;A gente aprende que não foi porque aquela pessoa não quis estudar. Ela não estudou por falta de oportunidades;, exemplificou.

O aposentado Cícero Almeida da Silva, 54 anos, descobriu o projeto quando trabalhava na universidade. ;Por trabalhar em obras, a gente acha que não vai precisar dos estudos, mas precisa ficar pedindo para os outros fazerem as coisas para a gente. É muito ruim;, resumiu. Ele precisou vencer o receio para decidir aprender. ;Vi que aqui são bem atenciosos e todo mundo se ajuda;, assegurou. ;Agora eu sei ler, escrever e fazer contas. Alguns colegas até reclamam que eu foco mais na matemática. Mas me interesso pelos dois;, brincou.
O aposentado Cícero Almeida da Silva (camisa amarela) descobriu o projeto quando trabalhava na universidade e agora quer continuar os estudos

A coordenadora do projeto ressalta que é preciso ter cuidado ao receber essas pessoas que procuram alfabetização. ;Não é porque ela não teve oportunidade antes que isso é vergonhoso.; A alfabetizadora Tatiane Rego de Queiroz, 38, afirma que ;a cada dia eu me encanto mais;. Para ela, ensinar pessoas em idade avançada é gratificante. ;Eles têm muita pressa. À medida que aprendem, não tem nada que pague;, afirmou.
Paula Flávia, com a filha Rebeca Valentina, também leva o filho Nicolas

Natação inclusiva


Algumas pessoas enxergam a natação como opção de lazer. Mas para os alunos do projeto Genes ; Grupo de Estudo de Natação Especial, é uma oportunidade para os participantes interagirem e desenvolverem habilidades.

O projeto é desenvolvido desde 1999 por Alexandre Rezende, professor da Universidade de Brasília (UnB), para oferecer possibilidade de reabilitação a deficientes, além de formar profissionais especializados. ;A princípio, era para atender os estudantes que eram deficientes. Hoje recebemos bebês, crianças, jovens e adultos com diversos tipos de deficiência;, explicou.

Pedrina da Silva Lemos, 39, é mãe do Hiago da Silva Ferreira, 16, que tem autismo e epilepsia. Ela conta que a atividade vem ajudando a melhorar o comportamento do filho, que tem dificuldade para se relacionar com outras pessoas. ;Por causa disso, ele estuda em sala individual. Aqui é o único momento que ele tem para interagir com outros colegas;, falou, com alegria.

Apesar de ter dificuldades na fala, quando a terça-feira se aproxima, Hiago lembra a mãe que o dia da aula de natação está chegando. ;Os irmãos Rebeca, 8, e Nicolas de Castro, 6, começaram a frequentar as aulas juntos e Paula Flávia de Castro, 37, mãe das crianças, nota diferença no desenvolvimento dos filhos. ;O Nicolas é autista e tinha muita dificuldade de se relacionar com outras crianças, tanto que em projetos que as atividades são em grupo ele se afastava. Aqui, ele brinca com as outras crianças;, assegurou. O diagnóstico de Rebeca ainda está sob investigação, mas ela vem apresentando melhoras. ;Minha filha está ficando mais confiante em si mesma;, avaliou.

As aulas são oferecidas no Centro Olímpico da UnB. É preciso apresentar atestado médico que comprove a aptidão para a natação. Informações: 3107-2560 ou e-mail: rezende@unb.br.
Maria da Piedade (E) e Mariana Guedes são cadeirantes que dançam

Movimento com asas


;Eu não só aprendi a dançar, mas ganhei asas;, diz, sorridente, a cadeirante Mariana Guedes, 26 anos. Ela acompanha a coreografia ao lado dos colegas do projeto Rodas e Dança, que oferece aulas de expressão corporal e dança para deficientes. Jornalista, fotógrafa e dançarina, ela sofreu um acidente de carro em 2015, que a deixou paraplégica. Encarando a situação da melhor forma possível, Mariana descobriu a iniciativa logo em seguida e está no projeto desde a primeira turma. ;Foi um desafio, porque tive que aprender tudo de novo, a dançar de uma forma diferente, com os braços;, contou.

As aulas foram essenciais para a sua recuperação física e psicológica. ;Tiveram alguns momentos com aulas de expressão corporal que me ajudaram a perceber e o que poderia fazer de acordo com minha própria limitação. O projeto melhorou minha comunicação com as pessoas, minha desenvoltura e mobilidade;, assegurou. No projeto há dois anos, a cabeleireira Maria da Piedade Cruz da Silva teve poliomielite com 3 anos, mas apenas com 28 começou a perder os movimentos das pernas. ;Foi essencial para minha reabilitação. No começo, eu achava que a cadeira ia ser um empecilho, mas, na verdade, me deu mais espaço;, afirmou.

Idealizado pela professora Alice Maria Corrêa Medina, o Rodas e Danças teve sua primeira turma formada em 2015. Desde então, o projeto vem ajudando cadeirantes em processo de recuperação física e emocional. ;Muitas vezes, chegam pessoas que acabaram de perder a movimentação e, com as dinâmicas, começam a se soltar e a aceitar sua nova condição;, disse.

Interessados em participar devem comparecer à Sala dos Espelhos, número 18, no Centro Olímpico da UnB, nas segundas ou quartas-feiras, às 13h.
Professora do curso de odontologia Aline Úrsula mostra uma prótese

Qualidade de vida


Com o intuito de promover autoestima, melhorar a qualidade de vida e possibilitar a reabilitação estética e funcional de pacientes com algum tipo de defeito maxilofacial, decorrente de doença, malformação ou trauma, o projeto Reabilitação Protética de Pacientes com Defeitos Maxilofaciais é desenvolvido pela professora do curso de odontologia da UnB Aline Úrsula. A iniciativa oferece próteses faciais produzidas por alunos de odontologia. Aline diz que, para os profissionais, ;é uma troca, em que os voluntários e os pacientes ganham;.

Luiz Felipe Tavares Araújo, 7, é paciente do projeto há 7 anos. Ele precisa de uma prótese ocular e, com apenas sete meses, começou o tratamento. A mãe do garoto, Cláudia do Espirito Santo Araújo, 33, ressalta que ;a gente não vê tratamentos como este sendo oferecidos gratuitamente para a comunidade. Custam, no mínimo, R$ 2 mil. A qualidade de vida dele melhorou muito;, afirmou.

O projeto atende pessoas que possuem algum defeito na região maxilofacial, como ausência de olho, nariz, orelha, língua, parte do palato ou da mandíbula. Para serem atendidos, os pacientes precisam ser encaminhados por profissional do serviço público de saúde. Para quem teve câncer, é importante ter sido liberado pelo oncologista ou não estar em tratamento radioterápico. A reabilitação, neste caso, deve aguardar que os efeitos da radioterapia estejam sob controle.

* Estagiária sob supervisão de Margareth Lourenço (Especial para o Correio)
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Onde aprender

; As aulas são oferecidas três vezes por semana, durante nove meses em:

; Areal, Brazlândia , Recanto das Emas, Riacho Fundo 2, Samambaia Sul e Norte, Taguatinga, e Varjão

Para participar

; A inscrição abre em dezembro e as aulas têm início em abril. Para participar, interessados devem comparecer ao Campus 1 da Universidade Católica de Brasília, Bloco D, Sala 210, com cópias do CPF, RG, comprovante de renda e de residência. Informações: (61) 3356-9104.

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