Helena Mader
postado em 10/07/2018 06:00
A influência que o Distrito Federal exerce sobre os municípios do Entorno vai além da oferta de serviços públicos como saúde e educação. A capital atrai eleitores de cidades vizinhas e mobiliza a atenção da região metropolitana a cada eleição. De novembro de 2016, após o pleito municipal, até junho último, 12,4 mil pessoas transferiram o título de eleitor de localidades goianas limítrofes do DF. No mesmo período, 1,3 mil cidadãos que votavam em cidades mineiras próximas também trocaram o domicílio eleitoral para o DF.
A corrida para a mudança se intensificou desde janeiro. Só este ano, 37.046 pessoas transferiram o título de outras unidades da Federação para a capital. Goiás é o campeão de migrações de documentos para o Distrito Federal. Ao todo, 9,9 mil eleitores procuraram a Justiça Eleitoral em 2018 com interesse de votar em Brasília. Em seguida, aparece Minas Gerais, com 4,1 mil eleitores, e Bahia, de onde saíram 3,8 mil novos eleitores do DF.
O município com maior migração de títulos para Brasília foi Valparaíso de Goiás. Das eleições municipais para cá, 1.878 pessoas deixaram de votar na cidade goiana para exercer a cidadania na capital federal. Na lista, também estão Águas Lindas de Goiás, de onde saíram 1.795 eleitores, e Novo Gama, que perdeu 1.749 títulos para o DF. Os dados são do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF).
Não há informações de quantos eleitores do DF moram no Entorno, pois muitos se mudam para a região metropolitana sem informar o TRE-DF e sem fazer a devida mudança de domicílio eleitoral. Outro fator frequente é a apresentação de comprovante de residência de parentes, usado por moradores do Entorno para conseguir transferir o título para alguma zona eleitoral de Brasília.
Divididos
Quem mora na região metropolitana e vota no DF acompanha com atenção a formação de chapas e a escolha dos pré-candidatos que vão concorrer em outubro. O aposentado Valdivino Bento dos Anjos, 60 anos, mora hoje em Valparaíso, mas viveu durante mais de três décadas no Distrito Federal. Ele se mudou em 2002, e, inicialmente, transferiu o título para Goiás. Mas, há quatro anos, optou por votar no DF e migrou o domicílio eleitoral novamente, apesar de ter residência fixa no Entorno. ;Brasília me acolheu muito bem quando cheguei, nos anos 1970, e meus filhos ainda moram lá. Decidi votar no DF, apesar de morar em Valparaíso, porque gosto de participar um pouco do futuro da cidade;, comenta Valdivino.
O presidente da Associação Comercial e Industrial de Luziânia, Marcos Melo, lembra que, de quatro em quatro anos, o Entorno recebe uma romaria de políticos tanto do DF, tanto quanto de Goiás, em busca de votos. ;Depois das eleições, todos somem. A população já está acostumada;, lamenta o líder comunitário. ;No caso de Luziânia, cerca de 30 mil pessoas vão diariamente para o DF, para trabalhar ou estudar, e muitos preferem votar lá porque eles têm uma relação mais próxima com Brasília do que com Goiás;, acrescenta.
Marcos Melo aposta que, em 2018, o Entorno terá importância primordial para a eleição no DF. ;Em época de eleição, todo mundo se preocupa com a nossa região, e este ano acho que o interesse pelo Entorno vai ser maior ainda. Espero que seja um ano de mudanças, e que os velhos caciques vão para casa descansar, deixando espaço para pessoas novas e com ideias renovadas;, finaliza o líder de Luziânia.
Desinteresse
O tapeceiro Matheus Silva, 30 anos, mora em Valparaíso, mas vota no Distrito Federal. ;Vou anular todos os outros votos, não quero nem saber quem vai concorrer este ano. Político só vem aqui pedir voto, não ajuda em nada a população;, reclama. Matheus tem domicílio eleitoral em Samambaia, cidade onde morou até 2013, quando se mudou para o Entorno. ;Não transferi meu título para Valparaíso porque, em Goiás, tem votação de dois em dois anos. Prefiro votar no Distrito Federal, já que só tem eleição a cada quatro anos. O pessoal daqui tem que enfrentar filas enormes para votar, e eu não faço questão nenhuma de ajudar a escolher esses políticos;, contou o jovem, desiludido com a política.
A comerciária Marizete Maria dos Santos, 60 anos, também está pessimista quanto à escolha dos futuros ocupantes de cargos públicos. Ela morou por uma década no Riacho Fundo I e se mudou recentemente para Valparaíso. O domicílio eleitoral, porém, continua no DF. A escolha dos candidatos, segundo ela, passa por indicações de pessoas conhecidas. ;Não costumo acompanhar muito os candidatos nas eleições. Escolho em quem vou votar por indicação de pessoas da minha igreja e dos meus familiares. Ninguém faz nada pela cidade mesmo, quando aparece é só para pedir voto;, comenta Marizete.
O carpinteiro Marcelo Carvalho Oliveira, 38 anos, se mudou de Taguatinga para o Entorno há quatro anos, mas não quis alterar a documentação eleitoral. Fã do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ex-governador Joaquim Roriz, que por diferentes motivos devem estar longe das urnas, Marcelo diz que perdeu o encanto pela política. ;Temos problemas graves na saúde, na educação, na segurança, mas ninguém faz nada;, reclama o morador de Valparaíso. Apesar de descrente com o cenário eleitoral, ele já começou a pesquisar sobre os políticos que serão candidatos este ano no Distrito Federal e promete escolher com cuidado.
Inchaço
O consultor político e professor da Universidade Católica de Brasília Creomar Souza lembra que, politicamente, o Entorno é uma área de grande relevância para a capital federal. ;A partir dos anos 1990, passou a ser imprescindível para qualquer candidato majoritário fazer campanha no Entorno. A região cresceu muito, especialmente por conta da demanda por moradia e do inchaço do Distrito Federal, além do alto custo de vida de Brasília;, comenta o especialista.
Para Creomar, o grande número de brasilienses que moram nos municípios vizinhos explica as constantes transferências de domicílios eleitorais entre o DF e cidades da região metropolitana. O consultor político lembra ainda que, este ano, o voto dos moradores do Entorno deve ganhar ainda mais importância. ;A disputa pelo governo está bem aberta e não temos nenhum candidato com votação claramente superior as dos outros. Com isso, o eleitorado do Entorno tende a ganhar ainda mais importância;, finaliza o professor.