Hellen Leite
postado em 20/07/2018 20:40
Uma doença de prevenção fácil, mas que pode ter consequências desastrosas voltou a fazer parte do cotidiano dos brasileiros. No Distrito Federal, em 2017, houve um aumento de 8,7% nos casos de sífilis congênita, ; a que passa da mãe para o bebê ;, em relação ao ano anterior. São 3,7 novos casos por dia, de acordo com a Secretaria de Saúde do Distrito Federal.
Os dados alarmantes elevam a sífilis ao patamar de epidemia no país. Em todo o Brasil, a incidência da doença subiu 5.000%, de 2010 a 2015, segundo dados do Ministério da Saúde. Especialistas acreditam que os números não param de crescer porque as pessoas perderam o medo de contrair doenças sexualmente transmissíveis, com o avanço dos tratamentos.
"A partir do momento em que a Aids não mata mais por causa do tratamento, começaram a minimizar os riscos das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). Nunca houve uma adesão tão baixa ao preservativo como atualmente", analisa o professor de infectologia da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), Alexandre Barbosa. Segundo ele, há uma tendência nacional de redução do uso da camisinha em relações sexuais, principalmente entre os jovens.
"As pessoas sabem que a melhor forma de prevenção é o preservativo, mas não se preocupam mais com isso. O ponto fundamental é a falta de percepção de risco. As pessoas não se sentem ameaçadas pela sífilis", comenta Barbosa.
[SAIBAMAIS] A sífilis é uma doença sexualmente transmissível causada por uma bactéria chamada treponema pallidum, e pode demorar anos para se manifestar. Na fase inicial, apresenta uma ferida indolor, que pode evoluir para machas avermelhadas na pele, chamados rashs cutâneos. Em casos mais graves, o vírus pode atingir o sistema nervoso, coração, ossos e até levar à morte. Em gestantes, o risco de transmissão é grande para bebês, nos quais pode provocar deformidades, surdez e até aborto.
Apesar da gravidade da situação, entre adultos, a doença ainda enfrenta tabus. Patrícia* está internada em um hospital da rede pública do Distrito Federal desde quinta-feira (19/7), quando entrou em trabalho de parto e deu à luz uma menina. Ela conta que descobriu a IST no início da gravidez. Ela e o marido receberam tratamento com penicilina para que a sífilis não fosse transmitida ao bebê. "Mesmo assim, na hora de nascer, a doença passou para ela. Eu fiquei assustada, a médica tinha falado que se a gente tratasse a doença no início da gravidez, o bebê não seria contaminado, mas agora estamos internadas", lamenta.
Só no hospital onde a filha de Patrícia está internada, existem outros nove bebês sendo tratados de sífilis congênita. Segundo o gerente de Infecções Sexualmente Transmissíveis da Secretaria de Saúde do DF, Sergio D;Ávila, em 2018, de janeiro a junho, já foram 159 casos notificados no Distrito Federal.
A própria pasta reconhece que este quadro aponta para a importância de ampliar o diagnóstico e tratamento da sífilis na gestante e no parceiro sexual. Essa ampliação deve ocorrer com o fortalecimento da Atenção Básica, responsável pelo pré-natal onde a gestante deverá realizar o teste no 1;, 3; e 9; mês de gestação. Além disso, é importante que todas as gestantes sejam testadas no momento do parto para verificar a eficiência do tratamento prévio da mãe e, caso não tenha sido tratada adequadamente, realizar o tratamento do recém-nascido, informou o secretário.
Mais estragos que o zika vírus
Os casos de sífilis congênita são, atualmente, os mais preocupantes para a medicina. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que 25% das grávidas que têm a doença sofrem aborto espontâneo ou dão à luz bebês natimortos. No Brasil, esta é a segunda causa de morte de bebês, atrás apenas dos óbitos por malformações genéticas.
Nos recém-nascidos, os sintomas são diversos. Segundo Barbosa, o pior é quando atinge o sistema nervoso central e o bebê pode apresentar malformações graves. "Muita gente não sabe, mas a sífilis tem consequências muito piores que o zika vírus. Quando na gestação, a bactéria destrói o tecido cerebral e vai causando necrose no cérebro, o que leva a graves anomalias", explica o médico. A sífilis congênita também causa convulsões, malformações múltiplas, deformidades ósseas, lesões de pele e renais.
Em adultos, a infecção pode demorar anos para se manifestar e causar problemas sérios de saúde a longo prazo, como derrames, sintomas de demência, perda de coordenação, cegueira e males cardíacos. E, ainda que a sífilis possa ser tratada nesse estágio mais avançado, os danos causados por ela podem ser irreversíveis.
Diagnóstico e tratamento
O acesso ao diagnóstico é fácil e está disponível em qualquer unidade de saúde, sem nenhum custo e com rapidez, segundo o infectologista Alexandre Barbosa. O resultado do teste rápido fica pronto em 10 minutos. O tratamento também é rápido e feito com penicilina, o primeiro antibiótico surgido na humanidade.
Na sífilis primária, quando só se tem a ferida na região genital, normalmente uma dose de penicilina benzatina intramuscular já cura a pessoa. Na fase secundária, normalmente são feitas duas doses de penicilina benzatina com um intervalo de uma semana entre as duas. Já na fase latente, são aplicadas três doses.
*Nome fictício para resguardar a identidade da paciente