Cidades

"Estamos buscando uma situação melhor", diz venezuelano sobre Brasília

Três famílias recém-chegadas à capital revelam ansiedade para conseguir emprego e escola para os filhos depois de deixarem a Venezuela. Na bagagem, histórias de fome e saudade

Luiz Calcagno
postado em 26/07/2018 06:00
Gimelsón José Corsega, com a mulher, Rosimar, e os filhos, de 3 e 15 anos:

Distantes mais de 5,2 mil quilômetros de casa, os venezuelanos que chegaram na terça-feira a Brasília fugidos da crise econômica e política e da fome, resultado do regime de Nicolás Maduro, estão, agora, em busca de emprego e de escola para os filhos. Eles vieram para a capital por meio do programa do governo federal de interiorização dos imigrantes fugidos do país caribenho. Pela primeira vez desde que entraram no Brasil, dormem entre quatro paredes, em vez de uma barraca, e cozinham a própria comida.

No total, 50 pessoas dividem residências na organização Aldeias Infantis SOS, na Asa Norte. São casas pequenas, de tijolo vermelho, com três quartos e dois banheiros, cozinha, despensa e área de serviço. Uma das construções é um sobrado, um pouco mais espaçoso e iluminado que os demais. A convivência próxima ressalta diferenças e é preciso definir, por exemplo, os dias de uso da máquina de lavar para garantir que todos tenham roupas limpas. As normas ajudam na divisão dos bens.

As histórias familiares, no entanto, coincidem em vários pontos. Muitos venderam carro e eletrodomésticos para deixar o país de origem. Todos sentem falta da terra natal e dos parentes e amigos deixados para trás. Entre os imigrantes está Gimelsón José Corsega, 42 anos, a mulher, Rosimar Yanet Marin, 38, e os filhos, de 3 e 15 anos. Na Venezuela, ele trabalhava na indústria petrolífera, e ela era administradora na cidade de El Tigre. A família teve de se separar para migrar. Gimelsón veio em 12 de novembro do ano passado, Rosimar chegou com o filho mais novo em 12 de dezembro. E o filho mais velho, em 15 de março.
Dejanira Gomes, com o marido, Carlos, e filho, de 2 meses:
;Cheguei ao Brasil sozinho. Dormi na rua nos primeiros dias. Não queria ir para o abrigo de Boa Vista (Roraima), achava perigoso. Mas eu sou espontâneo, ganhei a confiança das pessoas, capinei, pintei parede, fiz amigos militares brasileiros. Não viemos fazer nada de mau. Estamos buscando uma situação melhor. Precisamos de ajuda ou não estaríamos aqui, mas na Venezuela. Eu quero o meu país, mas não como está;, afirma Gimelsón. ;Tenho um irmão lá. Ele não está conseguindo emprego. Um mês de trabalho não paga 1kg de carne;, completa Rosimar.

Sonhos

Também de El Tigre, o auxiliar de oficina Carlos Bonarde e a mulher, a professora Dejanira Gomes, ambos de 27 anos, cuidam do filho de 2 meses nascido no Brasil. Ela é formada em engenharia mecânica, mas não conseguia emprego no país. Por isso, conta, dava aulas. Foi a gravidez que os motivou a deixar a Venezuela. ;Vendemos o que tínhamos de valor, os nossos eletrodomésticos;, recorda Carlos. O aparelho de DVD, Dejanira vendeu na rua para conseguir pegar um táxi e cruzar a fronteira. ;Eu tinha de me alimentar por mim e pelo meu filho. E, lá, eu não conseguia. As crianças estão subnutridas. Agora, esperamos conseguir emprego e um espaço nosso, para que outros venezuelanos possam vir pelo programa;, afirma a mulher.
Martins Rosa, com os filhos, de 1 e 3 anos:
No caso de Martins Rosa, 32, quando os filhos de 1 e 3 anos passaram um mês com apenas uma refeição por dia, ele e a mulher, que não quis se identificar, decidiram se mudar para o Brasil. ;Chegamos à conclusão de que devíamos ir embora quando as crianças choraram porque estavam com a barriga vazia;, diz. ;Em Boa Vista, ficamos na rua. Depois, fomos acolhidos por uma igreja e, em seguida, ficamos no Abrigo São Vicente por dois meses antes de virmos para Brasília. Aqui, é muito mais cômodo. Agora, é encontrar um emprego e uma escola;, explica.


Inflação galopante

A inflação venezuelana corrói a moeda local, o bolívar. Segundo projeções do FMI, a desvalorização da moeda está em cerca de 1.000.000%. O relato dos imigrantes que chegaram a Brasília corrobora com o dado. Segundo eles, uma compra do mês para uma pessoa pode custar 6 milhões de bolívares. Desde o fim do governo de Hugo Chávez, em 2013, a Venezuela enfrenta crise econômica, social e política.

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