Augusto Fernandes
postado em 23/08/2018 06:00
O espaço não lembrava em nada uma sala de teatro. Não havia palco, poltronas, tampouco iluminação ou um sistema de som adequado. Mesmo assim, quem passava por perto de uma quadra de esportes do Recanto das Emas na manhã de ontem ficava curioso com a apresentação de um palhaço. Com suas trapalhadas e acrobacias, Atawalpa Coello, 39 anos, arrancava sorrisos e aplausos de um público formado por crianças, adolescentes e até adultos. Durante os 50 minutos de espetáculo, ninguém reclamou do fato de estar sentado no chão. O importante era apreciar uma atividade cultural, algo que não costuma acontecer com frequência na cidade.
A peça em questão é apenas uma das várias atrações que estarão em cartaz pelo festival Cena Contemporânea, um dos mais importantes eventos internacionais de artes cênicas do país. Assim como aconteceu no Recanto das Emas, outras regiões administrativas do Distrito Federal, em especial as mais vulneráveis e distantes do centro de Brasília, receberão os espetáculos de forma gratuita. De acordo com os organizadores do festival, a ideia é garantir a todos acesso a bens culturais.
;São pessoas que quase nunca vão ao teatro, porque na cidade onde moram não tem um espaço cultural em condições de receber as produções. Por isso, é muito importante atender a esses lugares mais desassistidos e carentes. O nosso objetivo é ;contaminá-los; com a arte, para que eles comecem a cobrar dos seus administradores mais ações nesse sentido. A cultura é capaz de transformar a realidade na qual esse público está inserido;, frisou o diretor e curador do Cena Contemporânea, Alaôr Rosa.
Além de produções locais, o festival deste ano contará com peças de grupos de outros estados do Brasil e de países como Argentina, Chile, Espanha, França e México. Uma das companhias candangas é a liderada pelo peruano Atawalpa Coello, responsável pela apresentação de ontem no Centros de Artes e Esportes Unificados do Recanto das Emas. Segundo ele, uma das maiores satisfações enquanto artista é interagir com as pessoas que têm pouco contato com eventos de entretenimento.
;A cultura não fica apenas no Plano Piloto. Temos que descentralizar. Geralmente, quando nos apresentamos em comunidades assim, o público fica muito sensibilizado. Como eles não estão acostumados, a reação é mais natural. É tão bom quanto atuar em um grande palco, ou até melhor. Chegar aqui e encontrar todos com o coração aberto é um prazer imenso;, ressaltou.
Alegria
O estudante do 8; ano do ensino fundamental Marcos Paulo Sousa, 13 anos, não apenas assistiu ao espetáculo de Atawalpa como ajudou o palhaço durante alguns minutos da apresentação. ;Fico na expectativa de que aconteça com mais frequência, porque não temos tantas oportunidades de assistir a uma peça teatral. Eu, particularmente, fiquei surpreso. É muito legal olhar para o lado, e ver um amigo sorrindo;, destacou.
Ao lado do filho Walex Miguel de Souza, 3, o vigilante Alex de Souza, 32, acompanhou a peça do início ao fim. Ele elogiou a iniciativa de o festival disponibilizar eventos para diferentes regiões do DF. ;Acredito que é válida qualquer atividade com o sentido de conscientizar os jovens. Serve para ocupar a mente de cada um e impedir que eles se entreguem ao mundo da criminalidade. Como morador do Recanto, espero que essas ações virem um costume;, analisou.
Além das peças para crianças e adolescentes, o Cena Contemporânea levará apresentações para asilos, centros prisionais e orfanatos. Um dos próximos locais a receber o festival será o Lar dos Velhinhos Maria Madalena, no Park Way. De acordo com a instituição, os idosos do local estão ansiosos para o evento, que acontece na próxima terça-feira. ;Eles são muito receptivos. Muitos nunca foram ao teatro ou cinema, e quando acontece algum espetáculo, eles aproveitam ao máximo. Gostam de interagir com os atores e participar de todas as brincadeiras. É sempre uma alegria receber essas ações;, comunicou Maria Érica Silva, do serviço de assistência social do asilo.