Cidades

Assumir terceiro mandato no Senado seria 'exagero', diz Cristovam Buarque

Senador por dois mandatos, o candidato do PPS não conseguiu recuperar o eleitorado perdido com votações polêmicas, como a da Emenda Constitucional 95, e entrega a vaga no Senado

Luiz Calcagno, Cézar Feitoza - Especial para o Correio
postado em 08/10/2018 06:09
Cristovam Buarque
Cristovam Buarque (PPS) descreve sua derrota nas eleições por um terceiro mandato ao Senado como um ;frustralívio;. A palavra, mistura de ;frutração; com ;alívio;, foi criada pelo próprio senador, em 2004, quando, em missão em Lisboa, como ministro da Educação do governo Lula, foi demitido por telefone. Político e professor, disse ter se candidatado mais uma vez pelo Distrito Federal para que a população decidisse se ele deveria assumir novamente a cadeira, mas considera três períodos como senador um exagero.

;Eu tenho 74 anos. Já que o povo tomou essa decisão, eu me sinto no direito de sair de cena;, afirma. Militante da educação e duas vezes senador pelo DF, Cristovam, nos próximos oito anos, será substituído por Leila do Vôlei (PSB) e Izalci Lucas (PSDB), que representarão a capital na casa legislativa.

Renovação

O candidato lamenta não ver outros senadores preocupados com a bandeira da educação e diz saber que sua postura, principalmente na votação da Emenda Constitucional 95, que estabelece um teto para os gastos públicos por 20 anos, foi crucial para que perdesse essas eleições. ;As decisões que tive interferiram. Mas votei convicto de que estava certo. Sabendo que perderia eleitores. Eu votava pelo Brasil. Pelo futuro. Mas isso teve um custo eleitoral e emocional muito alto. Perdi eleitores, perdi amigos. A PEC 95 foi a que teve um custo maior. Mas o Brasil precisava;, garante.

Nessa autoanálise, Cristovam aproveitou para, mais uma vez, alfinetar o Partido dos Trabalhadores. ;Sinto um ;frustralívio;. É a mesma palavra e a mesma sensação que tive quando era ministro da Educação. Naquela época, era a frustração de deixar um governo, mas perceber que era um governo que ia chafurdar na lama. Agora, é a frustração e alívio de sair do centro de onde se discute o futuro do país. Vou ficar de fora dessa discussão, o que me dá uma frustração. Mas vou ter um alívio de, aos 75 anos, cuidar da minha vida;, compara.

Cristovam disse ainda não pensar em futuras eleições e que, a partir de agora, vai aceitar convites de universidades em outros países para lecionar e se dedicar a palestras e a escrever livros. ;Eu nunca deixei de me dedicar à família. Então, acho que isso não muda muito. Mas aumenta minha qualidade de vida. As pessoas não acreditam, mas a agenda de um senador que leva a sério o trabalho é extenuante e comprometedora. Eu não podia, por exemplo, fazer uma viagem de mais de dois dias;, afirma. Sobre o futuro do Brasil, o senador se mostrou pessimista. ;Vou sofrer de ver o que vai acontecer no Brasil e sem que eu possa influir de alguma forma. Disso eu não tenho dúvidas.;

História

Natural de Recife, Cristovam Buarque poderia não ter destaque não fosse a habilidade com as contas. Filho de pais pobres, pequeno, fazia a contabilidade do trabalho de tecelagem da família. Durval Buarque Lima e Benedita Cavalcanti Queirós deixaram o filho parar de ajudar na produção familiar quando ele conseguiu ajudar nas finanças da casa, dando aulas particulares de matemática e de física.

Foi o primeiro da família a completar o ensino superior. Graduou-se em engenharia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em 1966. Por sua militância política como ativista da Ação Popular, movimento de esquerda ligado à Igreja Católica, e a crítica pública ao Ato Institucional n; 5, em 1970, durante a ditadura militar, Cristovam se autoexilou com a mulher, Gladys Buarque, na França, onde concluiu o doutorado na Sorbonne e trabalhou seis anos no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Em 1985, foi o primeiro reitor eleito da instituição, cargo exercido até 1989.

Cristovam foi eleito governador do DF pelo PT em 1994, derrotando Valmir Campelo, candidato de Joaquim Roriz, com 53,89% dos votos no segundo turno. Logo no início do governo, lançou o pioneiro programa Bolsa Escola, sua principal bandeira da campanha eleitoral, que dava um salário mínimo a alunos de famílias carentes. Adotou também o programa Poupança Escola, no qual o governo manteria cadernetas de poupança em nome de alunos da rede pública que não fossem reprovados.

Por essas iniciativas, reduziu-se significativamente os índices de repetência e evasão escolar no DF. O governo recebeu do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) o Prêmio Criança e Paz, em 1996. Por outro lado, a gestão de Cristovam Buarque foi marcada por problemas internos no PT e denúncias de irregularidades. Em março de 1995, o governador foi acusado de usar a máquina pública para apoiar a manifestação de cerca de 10 mil pessoas contra as reformas na Constituição, organizada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pela Central de Movimentos Populares (CMP).

Eleito, em 2002, para o cargo de senador, licenciou-se da cadeira para assumir o Ministério da Educação em 1; de fevereiro de 2003. Cristovam causou mal-estar no governo com os constantes pedidos de aumento de verbas para a pasta, as queixas públicas das diretrizes do governo e o incentivo para que a população protestasse contra a falta de recursos. Em 23 de janeiro de 2004, em viagem a Portugal, foi demitido do cargo por telefone. No dia seguinte, reassumiu o mandato de senador.

Em 2005, deixou o PT para filiar-se ao Partido Democrático Trabalhista (PDT). No ano seguinte, chegou a concorrer à presidência da República. Ficou em quarto lugar, com pouco mais de 2,5 milhões de votos. Trocou de partido novamente em 2016, quando passou a integrar o quadro do Partido Popular Socialista (PPS).

Nos 16 anos de Senado Federal, Cristovam se tornou o parlamentar que mais aprovou projetos de lei desde a Constituição de 1988 entre os 744 senadores que já tiveram uma cadeira na Casa Revisora do Congresso Nacional. Foram 21 leis sancionadas entre os 212 projetos apresentados.

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