Cidades

Taxa fixa dos Correios dificulta compra de produtos do exterior

Órgãos de defesa do consumidor e especialistas sustentam que a cobrança deveria ser incluída no valor total do serviço e levar em consideração preço e tamanho

Erika Manhatys*
postado em 22/10/2018 06:00
Ilustração mostra homem carregando pacote na cabeça, com cifrão enorme aumentando o peso
Os baixos preços e a variedade de produtos dos sites e dos aplicativos de compra internacionais são tentadores. Essa é uma escolha que tem conquistado cada vez mais os brasileiros e não é difícil entender a preferência: há lojas virtuais que ofertam todos os produtos por valor fixo de um dólar ou outras cifras baixíssimas. Normalmente, o custeio do frete também acompanha a tendência de valores baixos, mais um fator de incentivo para a aquisição de encomendas no mercado estrangeiro.

Desde o último 27 de agosto, no entanto, os Correios instituíram uma cobrança adicional de R$ 15 para todas as encomendas internacionais não tributadas que cheguem ao Brasil. Sob nome de despacho postal, a taxa é justificada para o tratamento aduaneiro dos produtos, que não deve ser confundido com o frete, nem com tributos. O despacho cobriria despesas de alfândega e armazenamento. A liberação da encomenda só será feita mediante o pagamento da taxa, que pode ser acessada diretamente pelo link de rastreio do objeto postado.

Os Correios informam que ;a extensão da cobrança para os objetos não tributados se deu em virtude do crescimento exponencial das importações e a consequente elevação dos custos de operação para nacionalização das encomendas;. A empresa também afirma que a taxa é comumente cobrada por outras fornecedoras de serviços postais e que o valor adotado é baixo, comparado ao praticado pelas concorrentes que é, em média, ;quatro vezes maior do que o valor cobrado pelos Correios;.

O Instituto de Defesa do Consumidor (Procon-DF) informou que receberá demandas pertinentes ao despacho postal. A assessora jurídica da instituição, Nayara Saraiva, explica que há ilegalidade desde a forma como a taxa foi criada. ;Ela viola o Código de Defesa do Consumidor (CDC) desde o começo, uma vez que não teve informação prévia sobre a cobrança. As pessoas que já tinham encomendas feitas terão de pagar o valor do serviço sem o conhecimento e aceite antecipado da cobrança.;

Além de surpreendido pela cobrança da nova taxa, o estudante Victor Farias, 20 anos, teve de enfrentar um problema para pagar o despacho. ;Eu tentei pagar por diversas vezes e o sistema não funcionava. Liguei para os Correios e o atendente até perguntou se eu estava enfrentando esse problema e, segundo ele, muitos clientes estavam ligando para reclamar;, afirma.

Nayara avalia que os Correios incorrem em erro grave por transferir ao consumidor uma despesa que deve ser arcada pela empresa. ;O despacho postal transfere o ônus das operações que são de responsabilidade dos Correios. Eles repassam aos clientes o custo de um serviço que é aquele efetivamente comercializado pela própria empresa.;

A representante do Procon acredita que se trata de uma estratégia de recuperação de gastos. Na avaliação de Nayara, há outras maneiras de atualizar monetariamente as perdas logísticas, de forma legal e leal ao consumidor. ;O correto seria a empresa reajustar os valores de seus serviços com o remetente. O destinatário não deveria ser taxado pelos serviços, exceto quando se enquadrasse nos casos de tributação da Receita Federal;, observa.

A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) notificou os Correios, questionando a validade do ato, conforme afirma Nayara. Entretanto, o Procon-DF ainda não foi acionado. No Brasil, há um procedimento em análise no 8; Ofício do Consumidor, em Santa Catarina. O Ministério Público Federal do estado catarinense informa que o procurador da república responsável pela procuradoria de direito do consumidor, na capital de Florianópolis, avalia a legalidade da cobrança criada pelos Correios.

Jurisprudência

Uma cobrança semelhante ao despacho postal foi lançada pelos Correios em 2016 e julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal, conforme explica Felipe Borba, advogado especialista em direito do consumidor. ;Um despacho já foi objeto de julgamento no STF, não exatamente nestes termos de agora, mas o ministro Marco Aurélio se manifestou contrário à cobrança de taxas como esta;, diz.

O advogado esclarece que, de acordo com o regramento do CDC, a taxa é abusiva e que, para o consumidor, é dispendioso enfrentar um litígio judicial para reclamar o despacho na justiça. ;Não vale a pena fazer uma reclamação jurídica; face o valor de R$ 15 que é cobrado, entretanto, há opção de buscar administrativamente a reparação, por meio dos órgãos de defesa do consumidor, que podem buscar coletivamente o questionamento da cobrança;, diz Felipe.

Para o jurista, a taxa foi instituída de maneira injusta, pois estabelece um valor fixo independentemente do valor da encomenda. ;A cobrança é para as encomendas abaixo de 50 dólares, que representam a maioria esmagadora de todas as que circulam no Brasil. Entretanto, deveria estabelecer um valor gradativo, que fosse calculado de acordo com o valor da mercadoria, além de ser avaliada a dimensão do pacote, uma vez que justifica a taxa também pela armazenagem;, conclui.

* Estagiária sob supervisão de Mariana Niederauer

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