Cidades

Formas tradicionais de comércio se reinventam e atraem novos clientes

Para oferecer aos clientes itens exclusivos e de qualidade, empresários da capital desenham e produzem manualmente mercadorias usando técnicas antigas

Luiz Calcagno
postado em 03/11/2018 08:00
Leonardo Antônio Limeira Ribeiro (E) está à frente da sapataria em que o experiente sapateiro Darcílio Alves trabalha
A produção artesanal ganhou lugar cativo no comércio brasiliense. Empresários da capital desenham e manufaturam os próprios produtos com técnicas antigas. A proposta é oferecer um bem exclusivo ao comprador. Pode ser uma carteira de couro, a encadernação clássica de um livro querido ou uma bolsa, peça de roupa ou sapato costurados sob medida.

É, também, um mercado que enfrenta desafios, os mesmos impostos a qualquer pequena empresa, mas com uma capacidade de confecção limitada ao número de pessoas que dominam aquela técnica. E, para superá-los, a aliada acaba sendo a tecnologia. Internet, redes sociais e lojas colaborativas estão entre as principais soluções para manter a lucratividade da produção limitada.

Cada peça pensada, desenhada, recortada e costurada à mão contrasta com o equivalente produzido em série e seus milhares de semelhantes. É sabendo disso que Will Pedrosa, 35 anos, e Felipe Kuhlmann, 31, optaram por manter a confecção de carteiras e outros artigos de couro limitada a eles e outros cinco funcionários.

A Brave Man, empresa que a dupla criou em 2013, sobrevive de vendas pela internet. ;Começamos em um quarto na casa do Felipe. Compramos couro e produzimos uma quantidade de carteiras para ver se ia dar certo. Fazíamos a produção e a divulgação;, conta Will.

Ele recorda, ainda, que, quando começaram, não sabiam ;pregar um botão na camisa;. Aos poucos, aprenderam o uso das ferramentas e fizeram cursos. Felipe chegou a viajar para os Estados Unidos, para qualificar o trabalho. Hoje, a dupla vende o material pela internet, mas tem endereço próprio para produzi-lo e acondicioná-lo.

;Hoje, o Will cuida da produção e eu do marketing e administração. Nossos desafios estão mais relacionados à expansão dos negócios. A Brave Man ainda pode crescer muito, mas temos que fazer isso conservando a essência do nosso modelo de negócio. A industrialização banaliza e conflita com os pilares da empresa;, explica
Thiago Balieiro Martins herdou o negócio e o ofício do pai, encadernador

Entre gerações

Até a entrada da Encadernadora Martins, no início da Asa Norte, remete a uma Brasília de outros tempos. Um biombo pintado com tinta-óleo cinza, um balcão e um banco de madeira semelhante àqueles antigos de praça, mas sem muitos detalhes, escondem a oficina repleta de prensas, pesos, martelos, estiletes, linhas e outras ferramentas para encadernação e recuperação de livros.

Thiago Balieiro Martins, 36, toca o trabalho que era do pai, Clóvis Martins, que morreu em 2017, aos 71 anos, e chama o local de trabalho de ;sala de encadernação e recuperação;. ;Atendemos alguns juízes do DF, cartórios do DF e Entorno, e somos muito procurados para restauração de livros, principalmente quando há um apego especial;, revela Thiago.

A encadernadora também faz livros contábeis e trabalhos universitários. A marca é a capa de couro, as letras douradas, tudo nos mínimos detalhes. ;Dependendo do tipo de restauração, da idade do livro e de quanto ele está danificado, desmanchamos todo o processo antigo e reencadernamos completamente. Até a capa fazemos a partir do zero;, afirma, mostrando pedaços de couro de diversas cores.

;Meu pai trouxe a técnica do Rio Grande do Sul. Mas aprendeu grande parte do ofício com um amigo chamado Teodorico, que já era bem velho quando começou a ensiná-lo. Tem ferramentas que eram dele, passaram para o meu pai e, depois, para mim.;

O negócio é familiar e funciona há 50 anos. Thiago começou em 2000, aos 18 anos. Trabalha ao lado do irmão, Luciano Baleiro, 40, e conta com a ajuda de um primo. O segredo é a dedicação. ;No trabalho artesanal, cada peça é única e cada livro tem uma necessidade. Um trabalho em larga escala não nos permitiria observar esses pequenos detalhes. O material usado em encadernações de larga escala também é de menor qualidade. A maioria dos livros que recebo para restaurar tem um apreço, um valor sentimental do dono;, observa Thiago, que pretende levar o trabalho para a internet para diversificar a clientela.
Felipe Kuhlmann e Will Pedrosa vendem carteiras e pulseiras de couro

Em família

Leonardo Antônio Limeira Ribeiro, 32 anos, e a irmã, Ana Angélica Limeira Ribeiro, 30 anos, estão à frente da Couro Chique. A loja é antiga na capital, com 35 anos de praça. O serviço de restauração e produção de calçados também segue a tradição. Tem até um sapateiro que faz questão de trabalhar diretamente em cada uma das encomendas.

Darcílio Alves, 62, começou a confeccionar calçados aos 12 anos. Agora, o material produzido também pode ser encontrado na rede social Instagram. ;Nosso foco é o conserto, mas fazemos sapatos sob medida também. Temos vários clientes, mas os principais são portadores de necessidades especiais;, destaca Leonardo.

;O trabalho artesanal nos permite corrigir defeitos que a produção em larga escala não calcula. Além disso, usamos materiais de melhor qualidade. Um sapato masculino ou feminino de couro, se bem cuidado, vai durar muito mais tempo que um tênis de marca;, garante Darcílio. ;Uma das nossas dificuldades é o imposto. Na parte de produção, pagamos imposto por serviço, de 15%, que é mais caro que o de vendas, que fica entre 12% e 13% do faturamento;, completa Leonardo.

As bolsas da Nuvii Bolsas, por sua vez, podem ser encontradas no Instagram da marca ou em uma loja colaborativa da Asa Norte. Cada peça é fabricada pela criadora da grife, Maiara Nunes, 29, moradora de Ceilândia Norte. Ela entrou para a formalidade recentemente e está aprendendo a lidar com a parte administrativa do empreendimento.

;A Nuvii Bolsas surgiu depois do meu período de maternidade. Tive dois filhos e queria fazer alguma coisa que me permitisse cuidar deles. Veio a ideia da costura, comprei uma máquina e comecei a aprender. Fui desenvolvendo as técnicas e passei a ter gosto pelo trabalho. Eu me arrisco até a desenhar as peças;, relata.

Maiara produz cerca de 50 bolsas por semana. Assim, consegue atender a loja e o perfil na rede social. ;É uma quantia que está dentro do orçamento. Trabalho sozinha e produzo cada peça com muito amor. Tem uma energia boa em uma peça feita por uma microempreendedora;, reflete.

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