Cidades

Fundador do Arquivo Público do DF é homenageado com biografia

Fundador do Arquivo Público do Distrito Federal, Walter Albuquerque Mello ganha biografia escrita por colegas que trabalharam ao lado dele

Luiz Calcagno
postado em 06/11/2018 06:00
Walter Mello fundador do Arquivo Público do DF"Uma cidade sem um arquivo público é como uma pessoa sem memórias." É assim que Walter Albuquerque Mello define a importância do Arquivo Público do Distrito Federal (ArPDF). Ele fundou o órgão ao lado de um grupo de trabalho em 1985, após sete anos de luta incessante, em plena ditadura militar. De olhar cansado e sorriso vigoroso, o homem apaixonado por música, cinema e cultura completou, ontem, 90 anos e ganhou de presente um exemplar da própria biografia, intitulada Walter Mello entre a oralidade e a escrita, apontamentos biográficos, o mais completo registro da vida do fundador da instituição.

O livro, lançado ontem, escrito com base em entrevistas feitas pelo diretor de Pesquisa, Difusão e Acesso e historiador do Arquivo Público, Elias Manoel da Silva, e publicado oficialmente pelo órgão, propõe ser uma fonte de história primária sobre Walter. A obra traça os rumos inesperados que levaram um menino magro, nascido de um caso extraconjugal em Salvador, em 5 de novembro de 1928, até a capital carioca da década de 1950, em um dos períodos mais férteis do cinema e da música brasileira e, depois, em 1960, para Brasília, onde, atendendo a um convite para abrir uma loja de discos, viria, conforme destaca o próprio Elias, a protagonizar a consolidação cultural do sonho de JK.

Sentado em uma mesa circular de madeira do Arquivo Público, com os óculos sobre um dos três exemplares do livro de capa vermelha posicionados diante de si, Walter falou sobre a criação do órgão e um pouco da própria história. ;Havia um acervo de documentos da maior importância, produzido no período da construção de Brasília, silenciosamente sob a guarda de funcionários zelosos da Novacap. Não fosse o trabalho do órgão, esse material da mais alta significação na história do país teria se perdido. Eu dirigia a divisão de patrimônio histórico da Secretaria de Cultura a convite do embaixador Wladimir Murtinho;, recorda.

;Aquele chato;

Como diretor, ele precisava cuidar de uma série de projetos. Entre eles, o de tirar o Arquivo Público do papel. ;A luta começou em 1978. Uma tramitação longa. E não havia interesse de outros órgãos do governo;, explica. Reclamações sobre a persistência de Walter eram comuns. A expressão ;lá vem aquele chato querendo criar o arquivo; estava entre as menos agressivas relacionadas ao chefe da equipe, que lutava para reunir, organizar e tornar acessíveis os milhares de documentos que contavam a história da fundação da capital e de seus pioneiros. ;Tive a sorte de encontrar outras pessoas empenhadas. Em 1985 saiu o decreto;, conta.

No começo, porém a instituição criada por lei não tinha espaço físico para ocupar. ;Era um arquivo muito engraçado. Não tinha teto, não tinha nada;, brinca Walter. Os primeiros móveis que o órgão teve, recorda, eram de papelão. Pilhas de caixas com os documentos da capital. Mas, após a descontração, ele volta o foco da memória para os trabalhos. ;Tínhamos uma equipe de primeira;, destaca.

Walter se mudou para Brasília, no entanto, para abrir uma loja de discos junto ao amigo Narceu de Almeida, repórter da extinta Revista Manchete. A loja ficou conhecida e o recém-chegado fez várias amizades.;Dois anos depois, Jânio Quadros renunciou. Brasília parou e não tínhamos mais condições.; Foi quando lhe perguntaram se ele não queria ingressar na Secretaria de Cultura. O convite vinha de Alcides da Rocha Miranda, do ciclo de Oscar Niemeyer e cofundador da Universidade de Brasília (UnB). Era o começo da jornada que resultaria no ArPDF.

Waltinho da Cultura

;Waltinho da Cultura!” O cumprimento carinhoso de Oscar Niemeyer se deu em uma visita do arquiteto a Brasília, durante o governo de José Roberto Arruda. O autor dos apontamentos biográficos do fundador do ArPDF, Elias Manoel da Silva, foi testemunha ocular. Ali, segundo ele, nasceu a necessidade de escrever um documento histórico sobre o fundador do arquivo. ;Estávamos no Brasília Palace Hotel. Niemeyer se referiu a ele com um carinho especial. Foi ali que vi que ele merecia ter uma história. Não tínhamos nada sobre a vida de Walter;, explica Elias.

Para o historiador, Walter se iguala em importância aos que projetaram Brasília. ;Eu percebo que temos a tendência a reforçar a história dos que ergueram a cidade, mas não a dos que a consolidaram. Do ponto de vista cultural, Walter não é um construtor, mas consolida culturalmente a capital, guardando o acervo da epopeia que foi essa construção. Como é que o homem que criou o ArPDF, foi responsável pela proteção documental e o acervo arquitetônico, uma figura importante, não tinha uma biografia pessoal preparada? Ele lutou pelo tombamento de prédios e do próprio buriti plantado no meio da Praça do Buriti. Ele pede, ao fim da biografia, que, quando morrer, quer ser cremado e parte das cinzas jogadas aos pés do buriti, na praça. É uma poesia;, elogia.

O atual superintendente do ArPDF, Jomar Nickerson de Almeida, trabalhou com Walter ao ingressar no órgão, há 20 anos, e se refere ao fundador como um professor. ;Relatamos, na biografia, o que foi a vida dele e a importância de Walter para a cultura brasiliense. Sua principal obra, talvez, tenha sido a criação do ArPDF. Ele sempre se mostrou modesto e humilde. Sempre nos deu força para continuarmos esse trabalho. Como superintendente, era amigável com todos. Foi fundamental para nos tornarmos uma instituição respeitada nacionalmente;, conclui Jomar.

Confira
Interessados em conhecer mais sobre Walter Albuquerque Mello podem conferir a biografia elaborada pelo Arquivo Público. O texto está disponível na íntegra em formato de arquivo PDF no site do órgão. O link é www.arpdf.df.gov.br/publicaoes.

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