Cidades

Diferentes iniciativas buscam revitalizar o Setor Comercial Sul

Enquanto um coletivo coloca em prática projetos para ocupar o Setor Comercial Sul e atender usuários de drogas e prostitutas, especialistas elaboram um estudo para desenvolver toda a região central

Isa Stacciarini, Walder Galvão - Especial para o Correio
postado em 11/11/2018 08:00
Os amigos Caio Dutra, Felipe Velloso, Ian Viana e Erica Cidade atuam no projeto

No ponto mais central de Brasília, o Setor Comercial Sul (SCS) tem duas faces. Durante o dia, é tomado por cerca de 200 mil pessoas e outros milhares de veículos. Todos e tudo com pressa. Trabalhadores, em sua maioria. Com a noite, usuários de droga, traficantes, prostitutas e michês ocupam as pistas e calçadas do espaço. Com eles aumenta a insegurança, potencializada pela pouca iluminação e pelas portas fechadas.

Para reverter esse cenário, um grupo de brasilienses busca soluções por meio de iniciativas econômicas sustentadas pela arte e pelo diálogo. Elas visam revitalizar o centro da capital com a inclusão da comunidade, exploração da diversidade e encontros com moradores de rua e comerciantes. A ideia é do coletivo No Setor, criado por três empreendedores sociais.

A primeira iniciativa ocorreu em 2015, quando um grupo de músicos ocupou uma garagem do SCS para tocar rock. ;Como ocorre em outras capitais, a exemplo de Londres, queríamos fortalecer o centro da cidade e reforçar a identidade desses espaços. Nada melhor que o Setor Comercial Sul, ao lado do Setor Hoteleiro, próximo ao Parque da Cidade e com acesso fácil à Rodoviária do Plano Piloto;, ressalta Caio Dutra, 28 anos, morador da Asa Sul e um dos três integrantes do No Setor.

Desde então, Caio, Felipe Velloso, 27 anos, e Ian Viana, 22, que moram na Asa Norte e em Águas Claras, respectivamente, organizam eventos culturais na região central regularmente. No carnaval deste ano, levaram o bloco Setor Carnavalesco Sul ao SCS. A folia atraiu 30 mil pessoas. A expectativa para 2019 é dobrar o público. ;Temos um centro marginalizado, tomado pelo crime. Quisemos trazer esse potencial a partir da retomada cultural;, frisa Caio.

Os rapazes enxergaram nos cinco becos e nas quatro praças do setor espaços não só para eventos artísticos, mas também socioambientais e turísticos. No endereço, eles fazem feiras de estímulo à economia criativa; caminhada com turistas e moradores do DF interessados em conhecer o centro da cidade e festival com oficinas, palestras e mostras de cinema (leia quadro). ;Faltava um olhar orgânico para o espaço. Concentramos uma energia aqui e, de forma integrada, fizemos um movimento de retomada do local;, comenta Felipe.

O coletivo No Setor tem o apoio de comerciantes, moradores de rua e guardadores de carro. ;Os enxergamos como amigos. Pedimos licença para ocupar o espaço deles. A integração ocorre por todo lado e onde pudermos fazer;, observa Ian. Às sextas-feiras, o grupo organiza um futebol para as pessoas em situação de vulnerabilidade que ficam no SCS. O trio também oferece cursos de capacitação, como o de eletricista. ;Com isso eles se sentem mais gente;, destaca Ian.

O plano do momento é fazer um diálogo com a comunidade LGBTIs que frequenta o espaço, como os travestis que se prostituem à noite. ;Isso é o que se enquadra como real cidadania. Trata-se de um diálogo cotidiano da real política;, ponderou Ian. O coletivo pretende promover encontros dos LGBTIs com policiais militares, por exemplo.

Insegurança

Guardador de carro no SCS há sete anos, Marcelo da Cruz, 35, participa do futebol do No Setor toda sexta-feira. ;Em meio ao nosso cotidiano de limpar os carros, manobrar, o futebol é uma oportunidade de diversão. Dá para compensar todo o desgaste do dia a dia;, afirma o morador de Águas Lindas (GO), a 52km do SCS

Para Marcelo, a presença de usuários de droga no Setor Comercial é um problema social. ;Alguns deles até conseguem uma oportunidade aqui, outra ali, mas voltam para a rua por causa do vício. A droga é o grande mal. Outros já foram para casa de recuperação, mas, quando saem de lá, têm recaídas;, lamenta.

Arlete Torres da Silva, Adriane Carvalho e Mariza Rodrigues contam que se sentem inseguras

Desde os 8 anos, Maicon Roger Alves Ferreira, 39, mora nas ruas de Brasília. Ele não sabe dizer ao certo o motivo de ter parado ali, mas lembra que chegou com a mãe. ;A minha rotina é pedir comida, dinheiro, vigiar carro e passar fome. Tenho documento, mas não consigo arrumar um emprego. A discriminação é a pior coisa.;

Pai de oito filhos, Maicon perdeu quatro para o Conselho Tutelar. O sonho dele é conseguir um emprego e retomar as crianças. ;Quero fichar. Já entreguei muito currículo, mas não consigo nada. Falta emprego para gente. Só consigo um bico de vez em quando;, conta.

A companheira dele está grávida. ;À noite, a gente não dorme direito, é perigoso. Conheço todo mundo, mas a gente convive com a violência. Já fui espancado e tive que digladiar (brigar) diversas vezes. Tem muita gente usando, comprando e vendendo droga. Eu mesmo só gosto de cigarro e bebida.;

Leonardo Rodrigues, 37 anos, morou na passagem subterrânea do SCS conhecida como Buraco do Rato, de 2009 a 2014. Agora, ele está de rosto limpo, livre do crack. ;Perdi a minha companheira, a minha vida e o meu antigo emprego por causa da droga. Quando ela (a mulher) veio me resgatar, me lembro ainda de ter pedido R$ 10 para comprar a droga;, conta o operador de cabo de telefone, pai de quatro meninos.

Leonardo ficou três meses internado em uma clínica de reabilitação. Hoje, ajuda a resgatar pessoas que vivem a mesma situação pela qual ele passou. ;As pessoas só acham que quem está aqui é para matar, roubar e destruir. A droga é devastadora, te tira valores, moral e até dignidade. Quem entra não sai fácil, mas é por causa da dependência;, destaca o ex-dependente.

Colegas de trabalho, Mariza Rodrigues, 39 anos, Arlete Torres, 35, e Adriane Carvalho, 38, chegam ao Setor Comercial Sul (SCS) às 6h com medo. Elas temem ser alvo da criminalidade. ;Nesse horário, tem muito morador de rua e usuário de droga que aborda a gente para pedir dinheiro. Temos amigas que foram assaltadas;, conta Arlete.

Elas têm táticas para evitar os bandidos. Mariza esconde o celular no sutiã. Adriane vai ao trabalho todos os dias acompanhada do marido. Arlete desembarca no ponto de ônibus mais próximo, na W3, para andar menos. ;A bolsa é só um disfarce, com algum dinheiro trocado, que você precisa de forma rápida, porque, senão, a gente fica no prejuízo;, ressalta Arlete.

O SCS foi cenário de 139 roubos e 55 furtos anotados pelas polícias. Só de janeiro a setembro de 2018, as forças de segurança pública registraram outros 121 roubos e 40 furtos na região.

Comerciante no local há 30 anos, André Luis Gomes da Silva, 47, teve a loja furtada em uma madrugada. Os bandidos levaram R$ 12 mil em celulares, além de outros aparelhos eletrônicos. ;O prejuízo ficou em R$ 30 mil. A gente sabe quem foi, mas a impunidade é grande. A região se transformou em uma cracolândia. O pessoal que fica aqui rouba para trocar mercadoria e até comida por droga;, reclama André.

Dona de uma banca de revistas no SCS desde 1995, Ana Amorim, 44 anos, também se queixa da insegurança. ;Ficamos próximos a um posto da Polícia Militar, mas ainda faltam policiais na rua. Não funcionamos aos fins de semana, mas tenho que ir à banca ver se ainda está tudo bem;, conta a mulher.

Ana diz que o movimento de clientes caiu ao longo dos anos. ;De uns cinco anos para cá, a minha renda diminuiu cerca de 50%;, lamenta. Ela reclama ainda da sujeira. ;Essas pessoas não têm condições de ficar aqui. O governo precisa tomar alguma atitude para dar assistência a elas.;

Pertencimento

Subsecretário de Ação da informação, da Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF), Marcelo Durante diz que, quando não há relação de pertencimento com a região, a sensação de insegurança tende a aumentar. ;Na região onde as pessoas moram, elas conhecem o vizinho, o comerciante e, por isso, há menos incertezas sobre o que pode acontecer. Quando se trata de outros locais fora do convívio diário, não existe essa relação.;

Para Duarte, mesmo sem ser vítima, as pessoas têm no imaginário aquilo que propicia a criminalidade. ;Com isso, elas constroem, até como mecanismo de defesa, algumas ações, como não andar sozinho em certos horários, porque se sentem vulneráveis e é uma forma de elas se protegerem dessa forma.;

Em nota, a SSP-DF lembra que a PM mantém no SCS um Posto de Segurança Comunitária (PCS), que funciona 24h, com um carro de apoio. Segundo a pasta, os policiais fazem rondas diárias a pé. ;Já a Polícia Civil tem trabalhando constantemente na investigação dos crimes para a resolução dos casos;, diz o texto. O órgão ainda destacou que, desde 2015, houve só um homicídio na região.


Projetos do No Setor

Setor Tropical Sul
Festa semestral para mil pessoas, com brasilidades e temática latina.

Setor Carnavalesco Sul
A primeira edição do bloco de carnaval aconteceu em fevereiro deste ano e atraiu 30 mil foliões.

Setor Criativo Sul
Festival lançado em agosto de 2018, com mais de 50 atividades entre painéis, palestras, oficinas, mostras de cinema e festas.

Feira No Setor
Aos domingos, há exposição de produtos orgânicos do cerrado brasileiro. A próxima edição será em 16 de dezembro.

SCSTour
Em parceria com o Departamento de Turismo da UnB, o coletivo organiza um passeio pelo SCS. O trajeto começa na Estação Galeria e passa por ruas, becos, praças e prédio, enquanto se conta um pouco sobre a participação do local na história de Brasílie. Este ano, houve 15 edições com público médio de 20 pessoas.

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