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A Brasília que não existe mais: moradores lembram locais que marcaram época

Moradores da capital relembram histórias antigas da cidade e os lugares que marcaram época nas últimas décadas do século 20. Dentre as recordações, estão a Piscina de Ondas do Parque da Cidade e o Gran Circo Lar

Augusto Fernandes, Ester Cezar*
postado em 18/11/2018 08:00
Gran Circo Lar

Com quase 60 anos de história e conhecida como o centro do poder político do Brasil, Brasília vai além dos monumentos de concreto e da referência como capital do país: mesmo nova, guarda recordações de uma cidade que ficou apenas na lembrança de quem teve a oportunidade de desfrutar os primeiros pedacinhos que marcaram a vida dos candangos.

Para quem costumava frequentar o Plano Piloto a partir de 1988, cenas de uma Kombi carregando policiais militares tornaram-se comuns. Era o patrulhamento da antiga Ronda Ostensiva Candanga (Rocan), que atuava em pontos determinados por meio de uma programação, de modo a aumentar a capacidade de atuação da corporação. No veículo, 10 policiais dividiam-se em duplas conhecidas como Cosme e Damião, uma referência aos santos da religião católica, que faziam o bem e protegiam as pessoas.

Coronel da reserva da Polícia Militar Mário Souza, 64 anos, relembra os tempos de Rocam, pois foi o primeiro comandante do grupo. Segundo ele, o trabalho era diferente, por ser mais próximo da população. Os policiais atuavam dialogando com porteiros, jornaleiros e comerciantes. ;No começo, as pessoas estranhavam esse contato, pois não estavam acostumadas a conversar com policiais. Mas depois, com o reconhecimento do trabalho, elas procuravam pelas Kombis. Uma vez, um cidadão chegou para mim e perguntou ;Onde está a minha Kombi?;, e eu achei engraçado;, relembra, com humor.
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O administrador Glauco Florentino, 44, elogia o trabalho da Rocan e conta que uma vez foi pego com um grupo de amigos enquanto ;calotavam; ônibus. ;Eu tinha 14 anos e pulava a roleta do ônibus para ir para a W3 Sul. Entrava e descia sem pagar. Uma vez, a Rocan me pegou com mais quatro colegas fazendo isso.; Para o brasiliense, naquele tempo, a sensação de segurança era maior. ;Eu gostava de ver as Kombis nas ruas. Os policiais sempre estavam presentes. Não me recordo de ter sido vítima de violência quando adolescente;, destaca.


Bibabô


Bibabô


Por falar em W3 Sul, a via também guarda boas memórias. Famosa por sua movimentação e vida ativa, foi lá que se construiu a primeira loja de departamentos do DF: a Bibabô. Militar da Aeronáutica, Ana Maria Paes, 56, guarda na memória os tempos de infância, quando ia ao local com a família. ;Era uma loja grande, e os produtos das melhores marcas da época. A Bibabô era referência em artigos de cama, mesa e banho. Tínhamos um apreço tão grande que minha mãe sempre poupava dinheiro para gastarmos lá. As compras duravam o ano todo;, destaca. A loja, fundada em 1962 pelo grego Staikos Tzemos, tinha duas unidades: uma na W3 Sul e outra em Taguatinga. Em 36 anos de funcionamento, chegou a mudar de nome para Pick and Take. As atividades da Bibabô foram encerradas em 1998.
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Publicitário, João Carlos Amador, 40, também gastou boa parte da sua infância indo à loja, e salienta a importância do estabelecimento como memória afetiva. ;Aquele lugar lotava, pois não havia muitas opções de lojas. Isso era ótimo. Todo fim de semana nós íamos à Bibabô, onde eu comprei muitos dos meus brinquedos. Era uma loja clássica. Pena que acabou;, lamenta.

Rocan


Rock e piscina


Mas não foi só o comércio que garantiu a felicidade dos brasilienses na segunda metade do século 20. Atividades de lazer também estavam presentes na rotina dos que buscavam aproveitar ao máximo a vida na cidade. O publicitário Marcus Valls, 35, era um visitante assíduo do Gran Circo Lar, centro cultural que ficou famoso por receber as maiores atrações do rock nacional. ;Aconteciam muitos shows. Na maioria das vezes, iam entre 2 mil e 3 mil pessoas. As bandas começavam a tocar às 14h do sábado e só paravam às 2h do domingo. Foi a melhor época do rock;, comenta.

O espaço foi criado em 1985 e recebia eventos culturais e educativos. Tornou-se um símbolo do rock na capital por receber nomes e bandas como Raul Seixas, Marcelo Nova, Zeca Baleiro, Capital Inicial, Plebe Rude e Pato Fu. Depois de desativado, deu lugar ao Complexo Cultural da República.

Marcus estava no Gran Circo Lar no último dia em que ele abriu ao público, em 22 de agosto de 1999. Pela primeira vez, ele iria se apresentar com uma banda de amigos. Tudo estava montado e a plateia, lotada. No entanto, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros interromperam o show e interditaram o espaço. ;Foi o caos. Tínhamos recebido o sinal positivo para tocar a primeira música, mas tivemos que parar tudo. Alegaram que o lugar não contava com um para-raios. Até hoje eu fico frustrado, pois era um grande sonho para mim. Mesmo assim, sempre guardarei boas lembranças desse espaço;, aponta.

Outra diversão da capital era a Piscina de Ondas do Parque da Cidade. Inaugurada em 1978, era novidade na América Latina e fabricava ondas de aproximadamente um metro de altura. A assistente social Marluce de Lima, 50, costumava frequentar o espaço nos fins de semana. ;Ia com amigos para fazer churrasco. Passávamos o dia inteiro, mas quando não tinha onda ninguém queria ficar lá dentro. Tinha um barzinho lá perto que tocava pagode; então, a gente aproveitava.;

A piscina foi inaugurada na fundação do Parque da Cidade. Nos fins de semana, recebia cerca de 10 mil pessoas. Apesar de desativada, há alguns anos o espaço chegou a ser usado para uma festa temática dos anos 1980.

Marluce teve a sorte de aproveitar a piscina antes de ela fechar as portas, em 1997. ;Fomos na última vez que ela funcionou. Ninguém sabia que ela ia fechar. Foi péssimo. Eu gostava bastante, pois Brasília não tinha tantas opções para diversão;, afirma.

Zebrinha

Zebrinhas


Elas existem até hoje, mas já não têm o mesmo charme de antigamente. Oficialmente chamadas de Serviço Especial de Vizinhança, por muito tempo os Zebrinhas facilitaram a vida dos moradores das Asas Sul e Norte, que nem precisavam deixar as suas quadras para pegar o transporte público. ;Ajudavam bastante. Eu saía do trabalho, no Setor Comercial Sul, e ia almoçar em casa. Depois, voltava de Zebrinha. Era um ônibus muito agradável pela agilidade que tinha e por cumprir horários. Sempre cômodo e confortável;, garante o funcionário público Carlos Batista, 57.

Para Carlos, em uma cidade com tantos problemas de mobilidade urbana, os Zebrinhas poderiam ser uma solução. ;Eles convidavam os brasilienses a deixar o seu carro em casa e, de fato, dava certo. Bate uma nostalgia de quando eu era mais novo, pois quase não existiam congestionamentos nas tesourinhas. Quem sabe, um dia, elas voltem a ser como antes?;.

Criados pelo ex-governador Aimé Lamaison, os Zebrinhas tinham o objetivo de facilitar o trajeto entre as Asas Sul e Norte aos Setores Comerciais, Bancários, de Autarquias e à Esplanada dos Ministérios. O nome do animal foi escolhido por concurso popular, devido às listras brancas e vermelhas dos veículos.

* Estagiária sob supervisão de José Carlos Vieira

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