Cidades

Associação Nacional de Equoterapia ajuda pessoas com deficiência locomotora

Segunda reportagem da série Rede do Amor conta a história da instituição que trouxe a equoterapia para o Brasil

Mariana Machado
postado em 30/11/2018 07:00
Lucas Carvalho: a terapia melhorou os movimentos do menino de 12 anos
São diversas as razões que podem causar dificuldades motoras ou de fala em uma pessoa: paralisia cerebral, má formação física ou mesmo a velhice, por exemplo. Para ajudar quem vive nessas condições, médicos têm indicado a equoterapia como ajuda no tratamento. Um mês de sessões, no entanto, pode custar em torno de R$ 400, valor que nem todos conseguem pagar. Para ajudar, entra em cena a Associação Nacional de Equoterapia (Ande/Brasil) que, por meio dos cavalos, tem auxiliado, principalmente, crianças.

Fundada em 1989, a instituição sem fins lucrativos foi a primeira a trazer a equoterapia para o Brasil. A sede fica na Granja do Torto, em um espaço cedido pela Presidência da República. Jorge Dornelles Passamani, coronel aposentado da Polícia Militar do DF, está à frente da instituição. Segundo ele, 150 pessoas são atendidas atualmente, todas de forma gratuita. Os alunos têm autismo, paralisia infantil, síndrome de down e doenças que causam dificuldades de fala e locomoção. A Ande exige, para a prática, laudo de um médico, psicólogo e fisioterapeuta. Profissionais da associação também precisam atestar que o interessado tenha condições físicas e psicológicas de fazer o tratamento.

O coronel explica que o movimento tridimensional do cavalo ajuda a despertar regiões adormecidas no cérebro de quem está montando. ;Em 30 minutos de terapia, são feitos 21 mil deslocamentos, o que estimula o equilíbrio e melhora as demais funções. Do lado psicológico e lúdico, é um animal fascinante, admirado por crianças e adultos;, afirma. A equipe de trabalho é multidisciplinar e formada, na base, por três profissionais: psicólogos, fisioterapeutas e equitadores.

Com as mãos firmes nas rédeas do cavalo, Pâmela Cordeiro, 13 anos, consegue montar sozinha. A menina tem paralisia cerebral desde o nascimento e, por indicação, a mãe, a dona de casa Ana Paula Cordeiro, 47, procurou o tratamento, mesmo tendo ouvido de alguns médicos que de nada adiantaria. ;Tem gente que não acredita, mas, na vivência, a gente percebe o quanto foi bom. Não imaginávamos que ela chegaria onde está hoje;, emociona-se Ana Paula.

Quando começou a prática, a menina sofria de mutismo seletivo e falta de equilíbrio. Cerca de dois anos depois do tratamento iniciado, passou a conversar, melhorou o rendimento escolar e ainda participou de três competições de equoterapia, levando medalha para casa em todas. ;A vontade dela é participar de uma paraolimpíada e eu sonho que isso se torne realidade. A equoterapia só trouxe melhoras. Hoje em dia ela não tem vergonha de ser quem é;, comemora a mãe.

Pâmela tem uma irmã gêmea que também nasceu com a paralisia. No entanto, o caso dela é mais grave. Por ter uma escoliose acentuada, não foi autorizada a montar. O movimento poderia romper a coluna dela. ;Eu queria muito que ela também pudesse fazer, porque os benefícios são grandes, mas essa limitação impede;, lamenta a mãe.

A pediatra e especialista em trissomia do cromossomo 21, ou síndrome de down, Moema Arcoverde, avalia que os resultados observados com a equoterapia são extremamente positivos, sobretudo para crianças nessas condições. ;Há benefícios na concentração, e interação. O contato com os animais facilita isso; é como se o cavalo fosse uma ponte de comunicação;, afirma.

Assim como outras práticas esportivas, também melhora a disciplina e equilíbrio. ;Essas crianças têm alteração na anatomia do cerebelo, que é menor. Quando começam a montar, isso traz maior segurança, porque a estrutura motora fica mais firme;, destaca a pediatra. Quanto mais tempo durar, melhores os resultados, mas as filas de espera e pouca oferta do serviço acabam limitando os tratamentos. Hoje, 550 aguardam a vez.

Gabriel Ramos: sem a equoterapia, o progresso que ele teve pode ser prejudicado

Futuro incerto

Com síndrome de down e paralisia cerebral, Gabriel Ramos, 15, está chegando ao fim dos dois anos de tratamento. Ele passou por listas de espera de outras instituições e conseguiu fazer o tratamento sem interrupções desde os 2 anos de idade, mas a partir do ano que vem o futuro é incerto. ;Sem a equoterapia, o progresso que ele teve pode ser prejudicado. Quando começou, não tinha controle do pescoço e tronco e, nos primeiros meses, ganhou equilíbrio. Antes tinha dificuldade até de sentar. Além disso, passou a interagir mais, ficou mais sociável;, relatou a mãe, a dona de casa Marilene Ramos, 47.

A família mora no Paranoá e a mãe se desdobra para sempre levar o filho às sessões uma vez por semana. ;Percebo que, quando está no cavalo, ele fica muito feliz, então se é algo que traz alegria, eu tento proporcionar. Os médicos dele também recomendam;. Ainda bebê, Gabriel foi diagnosticado com a paralisia, depois que um exame identificou uma lesão no cérebro. Ele não fala, usa uma cadeira de rodas para se locomover e, desde 2014, perdeu a visão. ;Sonho que o futuro dele seja um pouco melhor e é por isso que eu luto para que ele tenha uma postura e interaja;, afirmou Marilene.

Ela não é a única mãe preocupada com o ano seguinte. A dona de casa Eliane Fonseca, 44, colocou o nome do filho em listas de espera. Lucas Carvalho, 12, também está prestes a completar o tempo limite de dois anos, mas não quer sair da Ande. O menino não tem ainda um diagnóstico definido, mas sofre de fraqueza muscular nas pernas e braços desde bebê. Para andar, precisa da ajuda de um andador. ;A terapia melhorou o movimento dele, deu mais forças nas mãos. Do jeitinho dele, ele consegue segurar nas rédeas e a postura ficou ereta;, descreveu Eliane.

Moradora da Asa Norte, a família é natural do interior de Minas Gerais, onde nasceu o amor por animais. Lucas sonha em crescer e se tornar veterinário. ;Aqui, na associação, é uma maravilha, uma coisa apaixonante, pena que não tem vaga para todo mundo. O sonho era que houvesse cavalo para todo mundo;, disse a mãe.

Para cada patologia, um animal é indicado. A professora e pedagoga Lílian Guimarães, 51, explica que, assim como cada pessoa anda de uma forma, o mesmo vale para os cavalos. ;Tudo implica um resultado. Se é uma criança com dificuldades de equilíbrio, vamos pegar um animal que faça movimentos que exijam esse esforço de quem estiver montando, para que isso acorde no cérebro o necessário para se equilibrar;.

Lílian trabalha há cerca de 10 anos na associação e conta que os professores também incentivam o aprendizado em disciplinas escolares, como na alfabetização. ;O trabalho aqui é fantástico. Se todo professor pudesse passar aqui antes de ir para a sala de aula, o ganho seria muito maior;, acredita a pedagoga.

Jorge Dornelles:

Orçamento

Para se manter funcionando, a organização recebe os valores pagos nas aulas de equitação e aluguel de estábulos que funcionam no mesmo espaço da Granja. Outra fonte de renda são os cursos de equoterapia ministrados pela associação em todo o país. Contudo, o presidente explica que ainda não é suficiente para todos os custos; por isso, algumas vezes por ano campanhas de doações precisam ser realizadas. ;Tudo é bem-vindo, especialmente materiais para os cavalos. Ração, remédios, feno, etc;, disse Dornelles.

Além da unidade na Granja do Torto, outros dois locais estão filiados à Ande no Distrito Federal. Um deles é o centro da Polícia Militar, no Riacho Fundo I, e o outro é o Centro Joca, no Gama. Em todo o Brasil, 259 unidades estão vinculadas à Ande. ;Hoje estamos deficitários. As campanhas que fazemos dificilmente atingem as metas, mas nós continuamos trabalhando. Aqui tem muita história de vida linda, cada família é uma inspiração;, explica o presidente.

Como ajudar

A Ande recebe doações o ano todo. Interessados podem entrar em contato com a secretaria pelo telefone: 3468-7092

Transporte

Em 2018, a Ande conseguiu, junto à Secretaria da Criança, verba para a compra de uma van que agora faz o transporte gratuito de 70 crianças em tratamento, todas de baixa renda e moradoras das regiões ao norte do Distrito Federal, como Sobradinho, Planaltina e Paranoá.

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