Alessandra Azevedo, Murilo Fagundes*
postado em 15/12/2018 07:00
A defesa de João de Deus, acusado de abusar sexualmente de mais de 300 mulheres durante tratamentos espirituais, afirmou, ontem, que entrará com um pedido de habeas corpus contra o mandado de prisão preventiva do médium, decretado pela Justiça de Goiás. Um dos advogados dele, Alberto Zacharias Toron, garantiu ao Correio que o cliente vai se entregar à polícia, mas não especificou quando ou em que delegacia. A defesa estaria negociando condições de entrega com o diretor-geral da Polícia Civil de Goiás, André Fernandes.
Caso João de Deus não se apresente, poderá ser considerado foragido da Justiça. A decisão fica a cargo da Polícia Civil e do Ministério Público de Goiás (MPGO), que devem se reunir hoje. Desde a última quarta-feira, quando o médium esteve no centro espírita onde atuava, em Abadiânia, cidade goiana no Entorno do Distrito Federal, não há mais notícias sobre o paradeiro dele. Nem mesmo pessoas próximas sabem onde ele está. O administrador da Casa Dom Inácio de Loyola, Chico Lobo, disse que tem se reservado às atividades burocráticas. ;Não tenho mais me envolvido. Antes, até me contavam sobre onde ele estava, como estava. Mas, agora, não sei de mais nada;, contou.
Na noite de quinta-feira, João de Deus esteve numa chácara nos arredores de Anápolis (GO). A polícia, no entanto, não o encontrou em nenhum dos lugares que ele costuma frequentar. Além da residência e do centro, em Abadiânia, policiais fizeram buscas na chácara e em um apartamento, em Goiânia.
Segundo o advogado criminalista Fernando Castelo Branco, do Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP-SP), João de Deus já poderia ser considerado foragido, após não ter sido encontrado nesses locais, mas, no caso específico, ele acredita ser mais provável que a defesa esteja negociando com as autoridades. ;Às vezes, até por questão de segurança, o advogado conversa com a autoridade policial para combinar a melhor forma de apresentação da pessoa;, explicou o criminalista.
A prisão preventiva do médium foi decretada pelo juiz Fernando Chacha, de Alexânia, cidade vizinha a Abadiânia. Ele acolheu dois pedidos de prisão: um da Polícia Civil e outro do Ministério Público de Goiás. A justificativa para a solicitação era de que, solto, o médium poderia ameaçar mulheres que dizem ter sido abusadas sexualmente ou, ainda, fazer mais vítimas.
Antes da decisão do juiz, um dos advogados de João de Deus esteve em Alexânia para apresentar a versão dele e sugeriu que o líder religioso continuasse os atendimentos com acompanhamento dos policiais. O juiz não aceitou.
Funcionários são suspeitos de conivência
Desde que as primeiras denúncias de abuso sexual contra o médium João de Deus vieram à tona, há uma semana, o Ministério Público de Goiás já recebeu 335 depoimentos. Além das vítimas de 14 estados brasileiros, mulheres de seis países foram ouvidas pela força-tarefa ontem: de Alemanha, Austrália, Bélgica, Bolívia, Estados Unidos e Suíça.
Algumas delas disseram que funcionários do médium eram coniventes com os abusos sexuais cometidos durante as sessões. Segundo as promotoras responsáveis pelo caso, as vítimas apontaram quatro funcionários, cujos nomes se repetem nos depoimentos. O fato será apurado.
O coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal do MP, Luciano Miranda Meireles, se disse impressionado com o relato das vítimas, sobretudo pelas semelhanças e riqueza de detalhes. Ele acredita que, quando as denúncias forem formalizadas, o caso tem potencial para superar o do ex-médico Roger Abdelmassih.
O MPGO tem uma sala de videoconferência para atender mulheres que não moram em Goiás ou que não podem se deslocar até o estado. Participam da chamada os cinco promotores que integram a força-tarefa, duas psicólogas e dois tradutores de línguas estrangeiras. O procurador-geral do órgão, Benedito Torres, explicou que o acompanhamento de denúncias estrangeiras é feito dessa forma.
Torres encaminhou, na terça-feira, um ofício-circular aos procuradores-gerais de Justiça dos MPs estaduais e do Distrito Federal e pediu que fossem designadas unidades de atendimento para coleta de depoimentos de possíveis vítimas do médium. O e-mail para recebimento de relatos, denuncias@mpgo.mp.br, foi criado no último domingo.
Pelas contas da Promotoria, se comprovadas as denúncias, João de Deus pode ter uma sentença superior a 150 anos de prisão. Os relatos indicam três crimes: estupro, estupro de vulnerável e violação sexual mediante fraude.
Além do MP, a Polícia Civil recebe relatos. Somente em Abadiânia, três inquéritos foram abertos nos últimos dias. Antes de as vítimas virem a público denunciar o médium, a corporação informou pelo menos três casos abertos: um de 2016 e dois deste ano. Alguns foram arquivados por falta de provas. A recomendação é de que, agora, sejam reabertos.
Denúncias em série
Na madrugada de sábado, o Jornal da Globo e o programa Conversa com Bial, ambos da TV Globo, trouxeram à tona as primeiras denúncias de abuso sexual contra João Teixeira de Farias, conhecido como João de Deus. Nos 10 depoimentos exibidos, mulheres disseram que o médium abusou delas durante os atendimentos espirituais que oferecia em Abadiânia, no interior de Goiás. Em nota, ele negou as acusações.
O Ministério Público de Goiás e a Polícia Civil afirmaram, na segunda-feira, que já apuram, há meses, as denúncias de abuso sexual. Segundo o MP, elas foram encaminhadas à Polícia Civil do Estado de Goiás no primeiro semestre de 2018. O delegado-geral da Polícia Civil, André Fernandes de Almeida, disse que a Delegacia Estadual de Investigações Criminais (Deic) abriu investigações em outubro.
O MP também declarou ter registros de casos de assédio desde 2010. Já o programa de Pedro Bial apresentou acusações desde os anos 1980. Em apenas um dia, uma força-tarefa montada pelo órgão reuniu 40 denúncias. Até quinta-feira, 330 mulheres denunciaram abusos sexuais junto ao órgão.
Na quarta-feira, a Promotoria de Justiça de Goiás pediu a prisão preventiva de João de Deus. O advogado do médium, Alberto Zacharias Toron, pediu que a prisão não fosse concedida. Segundo ele, seu cliente estaria disposto a fazer atendimentos espirituais escoltado por policiais. No entanto, ontem, a Justiça decretou a prisão preventiva do líder religioso.
*Estagiário sob a supervisão de Cida Barbosa