Cidades

Governo decreta estado de emergência na Saúde do Distrito Federal

Diante da grave situação da área, diagnosticada pela equipe de transição, o governador Ibaneis Rocha aproveitará o dia do lançamento do programa SOS Saúde para assinar decreto que autoriza conjunto de ações urgentes para o setor

Thiago Melo*, Ana Maria Campos, Jéssica Eufrásio
postado em 07/01/2019 06:00
Pacientes esperam atendimento no Hospital Regional da Asa Norte: falta de infraestrutura, de pessoal e de insumos são problemas comuns a todas as unidades da rede pública
O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), vai assinar hoje decreto em que declara situação de emergência na saúde pública do Distrito Federal. O anúncio ocorrerá nesta manhã, durante o lançamento do programa SOS Saúde, no Instituto Hospital de Base. O diagnóstico feito pela equipe do novo chefe do Buriti é de uma situação grave e provoca risco de aumento no número de mortes no DF. A emergência autoriza o governo a adquirir medicamentos e insumos sem licitação, convocar concursados, contratar servidores e estender cargas horárias de trabalho.

Entre os problemas detectados estão o desabastecimento da rede de saúde de estoque de medicamentos, de materiais e de insumos hospitalares (leia Sem remédio); pendências de pagamentos de fornecedores; suspensão ou interrupção de contratos; deficit de pessoal; e fechamento de diversos leitos em unidades de terapia intensiva (UTIs), inclusive neonatais. Segundo o levantamento da nova gestão, a situação é muito mais séria do que a equipe de transição apontou. Apenas com hospitais particulares, a dívida ultrapassa R$ 350 milhões.

No parecer técnico que embasou a decisão de decretar a situação de emergência, há relatos como a existência de 3,4 mil notificações de dengue e mil casos confirmados, redução média de cobertura vacinal nos últimos cinco anos, média mensal de 2.832 servidores de saúde em gozo de licença médica e previsão de deficit orçamentário para 2019 de R$ 2,6 bilhões, com mais de R$ 400 milhões de restos a pagar a fornecedores. Segundo o relatório, houve o ajuizamento de 2.640 processos em 2018 por falta de atendimento pela Secretaria de Saúde de demandas diversas.

Revolta

Na última semana, o Correio esteve em hospitais para identificar as principais demandas da população. As unidades têm carências parecidas: falta de infraestrutura, de pessoal e de insumos. ;É um grande desrespeito com a gente;, criticou Joseni Silva, 46 anos. Moradora de Águas Lindas (GO), ela deixou a cidade para levar a mãe, Luiza Josefa da Silva, 83, ao pronto-socorro do Hran. A paciente apresentava sangramentos em diferentes regiões do corpo. Sem atendimento no hospital do município goiano, que só terá médicos a partir de 15 de janeiro, Joseni desistiu de esperar. A tentativa em Brasília também não teve sucesso. ;Aqui, disseram que só haverá médico à noite. Como posso ficar com minha mãe nesse estado se não irão nos atender?;, questionou.

No Hospital Regional do Gama (HRG), quem aguardava na fila reclamava da falta de triagem para distribuição de senhas. Além disso, mais uma vez, a baixa quantidade de profissionais deixava pacientes em espera por horas. ;Fiz uma cirurgia para retirada da vesícula e ainda estou com os pontos. A área está doendo muito. Vim uma vez e não tinha clínico geral. Mandaram-me para o Hospital de Santa Maria. Lá, disseram que meu caso só seria tratado aqui, mas, até agora, nada;, relatou Fernanda Alves, 36, moradora do Gama.

Descentralização

Presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de Brasília (SindSaúde), Marli Rodrigues critica o cenário aos quais pacientes e funcionários do setor precisam se submeter. ;Necessitamos de uma estrutura hospitalar mais moderna, que ofereça mais agilidade no atendimento, e de uma rede totalmente interligada. Como mudar isso? Com uma gestão competente, moderna, transparente, comprometida e participativa;, ressaltou.

Marli citou um relatório elaborado pela entidade com dados da Secretaria de Saúde indicando que, em 2016 e 2017, 1.260 pacientes morreram por não conseguirem vaga em Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs). ;O governo anterior se pautou muito na questão básica da Saúde da Família, mas se esqueceu de que o atendimento de emergência e a hospitalização precisam continuar. Mudar toda a saúde pública é como trocar o pneu de um carro andando;, comparou Marli.

Para Carla Pintas Marques, professora do curso de saúde coletiva da Universidade de Brasília (UnB), o problema vai além. Ela afirmou que o investimento na atenção primária foi fundamental e precisa ser mantido pelo novo governo. ;Voltar atrás é retornar a um modelo de inoperância. Temos de contar muito com a atenção básica. Isso é importante, fora as outras áreas, como a atenção ambulatorial especializada;, avaliou.

A especialista ressaltou a necessidade de descentralizar os recursos da saúde e de reorganizar a gestão dos hospitais. No que diz respeito ao primeiro, ela explicou que o modelo atual de concentração dos pedidos de insumos e distribuição para toda a rede não funciona. ;É importante que cada unidade de saúde conheça as próprias necessidades para fazer a compra de acordo com o que for preciso. Não vejo isso há muito tempo. Essa centralização dificulta. As necessidades de Brazlândia não são as mesmas de Ceilândia, do Itapoã;, pontuou Carla.

O problema da gestão, por sua vez, requer uma avaliação do número de profissionais da Secretaria de Saúde, da distribuição e dos horários de trabalho deles. ;Temos um quantitativo grande de funcionários, mas não sabemos em que medida, onde e em que horários estão alocados. Não adianta contratar em concursos públicos e eles não irem para a ponta;, afirmou Carla. Ela considerou como ;populista; a decisão de gratificar médicos aposentados que voltarem à atividade, conforme anunciado por Ibaneis no primeiro dia de trabalho. ;É preciso redimensionar a força de trabalho que temos. Há um conjunto de coisas que não serão resolvidas por um profissional aposentado;, completou a especialista.

Em busca de modernização

O secretário de Saúde, Osnei Okumoto, avalia que o principal gargalo no setor é o acesso a consultas, exames e medicamentos e que garantir isso será uma das missões do novo governo. Ele reconhece a necessidade de reforma em cinco hospitais que estão em estado grave (Base e regionais de Ceilândia, Planaltina, Taguatinga e do Gama) e pretende focar nos reparos para disponibilização de leitos de internação, de UTI e salas cirúrgicas.

Em relação ao modelo anterior de gestão, Okumoto pretende modernizá-lo e pensa em mudanças. ;No Hospital de Base, faremos modificações importantes e que acharmos oportunas. O caráter jurídico entendemos que é bom, mas questões de compras e contratação serão observadas;, reforçou.

Osnei acredita que o Distrito Federal conta com unidades de saúde suficientes, mas ainda há percalços em relação à infraestrutura. Ele afirmou que entre as primeiras ações está a abertura de leitos. ;Abrir e fechar leitos é algo muito dinâmico. Não temos uma quantidade precisa dos que estão abertos, mas acreditamos que, em um breve espaço de tempo, disponibilizaremos mais 300. Não construindo, mas liberando aqueles bloqueados;, finalizou.

Sem remédio

Situação dos medicamentos na Farmácia Ambulatorial Especializada (antiga Farmácia de Alto Custo) em 4 de janeiro:
Ceilândia
35 medicamentos em falta
4 em baixa quantidade no estoque

Gama
31 medicamentos em falta
10 em baixa quantidade no estoque

Asa Sul
29 medicamentos em falta
20 em baixa quantidade no estoque
* Estagiário sob supervisão de Renato Alves

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