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Filha vende dindin para arcar com tratamento de câncer da mãe

Conheça a história de duas mulheres desempregadas que, juntas, superam problemas financeiros e o câncer de mama. Descubra ainda como a internet foi importante nesse processo

Jéssica Andrade*
postado em 16/01/2019 14:43
Clorinda Maria Canhizares (à esquerda) e Luciane Canhizares (à direita)
O amor incondicional pela mãe foi o combustível que capacitou Luciane Canhizares, 40 anos, a superar a crise financeira e, ainda, arcar com os custos do tratamento de câncer enfrentando pela genitora. Dona Clorinda Maria Canhizares, 59 anos, descobriu um tumor maligno na mama esquerda em Outubro de 2017. A produção de dindins gourmet;s é a única fonte de renda da família e é responsável por suprir as despesas da casa como aluguel, água e luz, e oferecer à Dona Clorinda a qualidade de vida necessária.

Luciane é Bacharel em Direito, mas começou a vender dindins quando ela e a mãe, que é artesã, ficaram desempregadas. Todos os dias elas eram esperadas por seus principais clientes, os alunos do colégio Piaget, no Guará - DF. Mãe e filha paravam em frente a escola com uma caixa térmica e uma sombrinha, para fazer a alegria da criançada. A princípio, as vendas eram apenas para as necessidades da casa. No entanto, ano passado, Dona Clorinda descobriu o câncer de mama e o dinheiro obtido nas vendas passou também a ser usado para pagar o tratamento.

;Como a gente ia para a escola exatamente na hora do sol forte, eu levava uma sombrinha e apoiava o cabo ao lado do peito esquerdo. Com o tempo, comecei a sentir uma dorzinha embaixo do braço e percebi que tinha um ;carocinho;. Achei que era por causa do guarda sol. Nunca imaginei que pudesse ser algo mais sério. Mas, bem lá no fundinho, eu tinha medo;, relata Clorinda. Até então, a família ainda não tinha histórico da doença.

Em uma reunião com parentes, no sul do país, durante as férias, a sobrinha de Dona Clorinda contou que estava com câncer de mama. A artesã, por sua vez, comentou também sobre o caroço que vinha incomodando há algum tempo. ;Minha filha ficou muito brava porque eu não tinha contado nem para ela. Algo me dizia que eu estava com um problema e eu tinha medo de fazer exames. Sabia que ela ia me levar ao médico. Chegou uma hora em que eu sabia que ia ter que enfrentar;, desabafa.

Para confirmar a doença, eram necessários vários exames. Ao todo, só naquele mês, foram cerca de 2 mil reais em procedimentos. Todos pagos com a venda dos dindins. ;Foi o mês que mais vendemos. Tenho certeza que Deus agiu o tempo todo;, conta a filha. A biópsia, tomografia computadorizada e o exame de risco cirúrgico foram feitos pelo Sistema Único de Saúde - SUS.

Com a confirmação, a filha relata a dificuldade em agendar a cirurgia. ;Só foi possível graças ao Dr. Rogério Vasconcelos, mastologista do Hran, que se empenhou muito no caso da minha mãe; diz, agradecida. A intervenção foi um sucesso, mas a luta, no entanto, estava longe de terminar. Após a cirurgia, vieram as sessões de quimioterapia e radioterapia. Vaidosa, Clorinda resolveu cortar os cabelos antes que eles caíssem. ;Eu era apegada demais ao cabelo. Naquele momento, percebi que tinha que valorizar coisas mais importantes. Chamei meu sobrinho, que tinha uma máquina, e pedi para raspar tudo;, relembra a artesã.

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Dona Clorinda, a cada etapa da doença, compartilhava sua história nas redes sociais. Assim, ela criou um laço de amizade com integrantes de grupos de amigas em várias cidades. ;Se eu fico muito tempo sem postar, logo elas começam a perguntar por mim;, aponta. Certo dia, ela desabafou sobre a dificuldade que estava enfrentando nas sessões de quimioterapia. A medicação agressiva enfraqueceu as veias, dificultando o acesso da agulha. ;Furavam meu corpo inteiro, braços, pescoço, tudo, e não achavam a veia;, relembra.

A alternativa seria a implantação de um Cateter - pequeno tubo plástico que se introduz no corpo e possibilita a injeção de líquidos. O procedimento tinha que ser feito antes da próxima sessão de quimio, em 21 dias. Na rede pública, demoraria anos. Na particular, custava cerca de R$5,500. A venda dos dindins não era suficiente para arcar com mais este custo. ;Eu postei no facebook, para desabafar mesmo. A gente não podia pagar por aquilo. Era meu atestado de morte;, analisa a artesã.

Na internet surgiram parcerias e amizades que trouxeram amor e a esperança para a paciente. Uma vaquinha começou a ser feita na rede social para ajudar a angariar o montante necessário para o cateter. Além disso, uma integrante do grupo que leu o desabafo, marcou na publicação o nome de Kenne Roger, Enfermeiro Supervisor do Centro Cirúrgico do Aliança - Instituto de Oncologia, no Gama. O enfermeiro oncológico se sensibilizou com a história e se mobilizou para ajudar. ;Ele nos ligou dizendo que tinha conseguido baixar o valor para R$750,00. Esse valor nós já tínhamos por causa da vaquinha. Era a luz no fim do túnel;, conta Luciane.

Mãe e filha seguiram para o Instituto para implantar o cateter. Luciane lembra que, ao chegar no local, estranhou a demora no atendimento. ;Cheguei a pensar que não era verdade. Eu falava com o Kenne sobre o pagamento e ele ;enrolava;;, observou. Ao chamar a senha, Kenne anuncia que o tratamento não teria custo algum e que eles demoraram porque estavam esperando alguns funcionários voltarem do almoço. ;Nesse momento, saiu gente de tudo quanto era lugar, com papéis e violões, e começaram a cantar uma música linda para a minha mãe;, conta Luciane, emocionada. A música era ;A Paz;, do grupo Roupa Nova.
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;A internet fez isso. Eu não podia imaginar que, nesse momento difícil da minha vida, encontraria tantos anjos. Isso confortou meu coração, me deu paz, me deu força. Foi uma injeção de amor e de ânimo;, afirma a paciente.

;No nosso logo diz que aqui o amor faz parte do tratamento. Todos os nossos colaboradores prezam por isso;, afirma Kenne Roger. O supervisor de enfermagem conta que se surpreendeu com o quanto as pessoas estavam dispostas a ajudá-la. ;Cada pessoa que eu ia pedir desconto, tanto o médico, fornecedores, todos, queriam fazer de graça. Tudo foi fluindo. Com isso, a gente teve a ideia de recebê-la com uma canção. O amor nos motivou a isso;, confessa o profissional.

Dona Clorinda superou as sessões de químio e radioterapia. Atualmente, se recupera em casa. Ela ainda não pode acompanhar a filha nas vendas por causa do sol. Além disso, se prepara para 10 anos de hormonioterapia. Luciana continua vendendo os dindins diariamente na frente do Colégio Piaget, das 11h às 12h30 e das 17h às 18:30. Elas também aceitam encomendas. O fato de não tem um emprego fixo possibilita que ela tenha o tempo necessário para se dedicar à saúde da mãe. A preocupação agora é, principalmente com a alimentação, que precisa ser balanceada. Mas Luciane reveza, incansavelmente, entre as vendas e os cuidados que Dona Clorinda precisa e merece.

;O câncer é um tapa na cara. Você passa ver a vida de outro jeito e valorizar o que realmente importa. Eu descobri que minha autoestima não está no meu peito, está dentro da minha cabeça;, finaliza Clorinda.
*Sob supervisão de

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