Cidades

Voluntários promovem ações para integrar moradores de rua no SCS

Coletivo de voluntários promove ações para incentivar a integração social de moradores de rua do Setor Comercial Sul

Caroline Cintra - Especial para o Correio
postado em 09/02/2019 07:00
Salu (E), Felipe Velloso e Vitor Tucci: ações humanistas para dar dignidade e trabalho a quem precisa

Uma oportunidade. É o que muitas pessoas em situação de rua querem e precisam para mudar de vida. Com o apoio de voluntários que acreditam no próximo, muitos têm alcançado a esperança de um futuro melhor longe das ruas. Assim ocorreu com o autônomo José Salustiano, 35 anos. Hoje morador de uma quitinete em Ceilândia e com emprego fixo, ele viveu os últimos dois anos pelas ruas do Distrito Federal. Seu último ;lar; foi o Parque da Cidade.

Salu, como é conhecido, saiu da casa da mãe logo no início da adolescência, aos 12 anos, quando começou a viver de favor em uma igreja. Com o passar do tempo, decidiu ir para o mundo, e o mundo não era tão receptivo como ele imaginava. Medo, violência, insegurança faziam parte da rotina de Salu. No ano passado, teve a oportunidade de conhecer o coletivo No Setor, um projeto de revitalização do Setor Comercial Sul. Desde então, o ex-morador de rua passou a frequentar a região no centro do Plano Piloto para participar das atividades. Foi por meio do coletivo que o hoje trabalhador autônomo conseguiu fonte de renda e uma moradia.

;Trabalhar com eles me deu a possibilidade e a oportunidade de alugar um quarto. Consegui várias doações e minha casa está montada. Eu fico no escritório aqui do coletivo, na limpeza, entrego documentos. Com o apoio dessas pessoas, passei a ter uma nova perspectiva de vida, de esperança e de estar no meio da sociedade;, conta Salu.

Para o ex-morador de rua, além da ajuda do governo, por meio de instituições como os Centros de Referência de Assistência Social (Cras), o apoio de coletivos, empresas privadas e voluntários faz toda a diferença no dia a dia das pessoas em situação de rua. ;Com essas ajudas minha autoestima melhorou. Hoje, não penso mais em ficar na rua, mas sim em crescer. Esses projetos não ajudam só a mim, mas a muitas outras pessoas a terem esperança. Lembro-me de que, com ajuda de pessoas, uma moça conseguiu reencontrar a família e voltar para casa;, recordou, emocionado.


Limpeza nas festas


O intuito do coletivo No Setor é realizar projetos sociais, culturais, esportivos, entre outros, que envolvam o maior número de pessoas que trabalham, transitam ou vivem no Setor Comercial Sul. Como forma de agregar os moradores de rua no programa, a ideia foi chamá-los para trabalhar na limpeza das festas realizadas na região. A ação se transformou em uma reintegração ao mercado de trabalho.

;Nosso objetivo desde o início é fazer uma transformação positiva no centro de Brasília. E uma das ações que pensamos foi enxergar nesse negócio uma oportunidade de incluir aqueles que têm menos privilégios. Começamos a ver as habilidades deles e decidimos dar início a esse projeto;, explicou o empreendedor social e um dos fundadores do No Setor, Felipe Velloso, 28.

Segundo Felipe, atualmente vivem de forma fixa no Setor Comercial Sul entre 50 e 100 moradores de rua. Em épocas de fim de ano, chega a 200 pessoas. O No Setor tenta envolver todos, mas nem sempre é possível. ;A gente até pensou em desistir, porque alguns deram trabalho no início, mas vimos que muitos estão interessados e decidimos continuar tentando. Agora está dando certo, mesmo que de uma forma amadora, no sentido de amor mesmo;, destaca.

A ação é uma parceria do coletivo com a empresa FGS Limpezas Gerais. O empresário Gilberto Silva, 45, contou que sempre teve vontade de realizar um trabalho social, mas nunca surgiu a oportunidade. ;Eu tinha no coração o desejo de ajudar e fico feliz da vida podendo beneficiar essas pessoas que vivem aqui. Nessa região, todo mundo conhece todo mundo, e a gente acabou criando laços de amizade mesmo;, conta.

Gilberto ressalta ainda que a realização do trabalho não é benéfico apenas para ele, como empresário, mas para as pessoas que estão envolvidas que conseguem ajudar, até mesmo, a família com o valor que recebem. ;Eu pago uma média de R$ 100 por festa. Mas alguns ainda recebem uma gorjeta a mais;, explica.


Resultados positivos


Jean Carlos da Cruz, mais conhecido como Passarinho, 38, mora no Setor Comercial há alguns anos. Com o trabalho de limpeza que desenvolve, além de comprar utensílios para si, consegue ajudar o filho de 14 anos. Ele está juntando dinheiro para a compra do material escolar do adolescente que vai iniciar o 8; ano.

;Não digo que pago uma pensão, porque o dinheiro não é muito, mas sempre procuro ajudar meu filho. Esse trabalho me dá a chance de querer seguir uma vida diferente. Com o projeto, temos incentivo a um trabalho. As pessoas que passam por aqui costumam nos desprezar e esquecem que também somos seres humanos. A gente agora tem, pelo menos, um pouco de dignidade;, afirma Passarinho.

Futebol à noite: o esporte é essencial para as pessoas se desligarem dos problemas diários


Futebol para todos


Outra ação desenvolvida com os moradores de rua pelo No Setor é o Festuc, um futebol que acontece toda sexta-feira, às 19h, no Setor Comercial Sul. O projeto foi iniciado por mais um parceiro, o administrador Vitor Tucci, 28, que costumava jogar futebol com amigos em casa. Com o passar do tempo, resolveram ampliar a brincadeira.

;Foi quando pensamos: por que não levarmos o jogo para o Setor Comercial? Tudo começou igual a gente joga na rua, colocamos chinelo como trave e iniciamos com poucas pessoas. Agora, quando você chega, está lotado de gente. Eles (os moradores de rua) sabem o dia, o horário, tudo certinho;, disse Vitor.

De acordo com o coletivo, o esporte é essencial para que as pessoas que vivem ali se desliguem dos problemas diários e tenham um momento de lazer, que é direito de todo ser humano. Hoje, o que eles precisam para dar continuidade ao futebol é a doação de tênis ou chuteiras. ;A maioria deles joga descalço. Nós conseguimos algumas doações de chuteiras, mas ainda são poucas. Quando um jogo acaba, eles devolvem para os próximos usarem;, explicou Vitor. ;Para apoiar o projeto, entregar doações ou participar do jogo é só aparecer aqui às 19h toda sexta-feira. Todos são muito bem-vindos;, completou.

"As pessoas que passam por aqui costumam nos desprezar e esquecem que também somos seres humanos. A gente agora tem pelo menos um pouco de dignidade;
Jean Carlos da Cruz, o Passarinho

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