Cidades

Especialistas e alunos divergem sobre efetividade de colégios militarizados

Projeto do governo de delegar à Polícia Militar a responsabilidade de gerenciar disciplina em colégios não é consenso. Alunos reclamam de exigências, como o corte de cabelo, mas especialistas defendem o modelo adotado em quatro centros de ensino

Alexandre de Paula, Ana Viriato
postado em 17/02/2019 08:00
PM faz continência no Centro Educional 3 de Sobradinho: rotina dos estudantes alterada desde a implementação da gestão compartilhadaCabelos curtos para os meninos e presos em coque para as meninas. Brincos e adereços apenas para as garotas e com a ressalva de que devem ser discretos. Uniforme, disciplina, regras, padronização e amor à Pátria e aos símbolos do país. Além disso, segurança. Essas são as promessas do GDF para as quatro escolas públicas do DF inseridas no projeto de gestão compartilhada, que coloca a Polícia Militar na coordenação da disciplina dos colégios, em vigor desde segunda-feira. A proposta, porém, não é unanimidade. Especialistas, alunos e parlamentares divergem sobre a efetividade da medida e dos métodos aplicados.

Do lado favorável à ;militarização; de escolas públicas, um dos argumentos é de que a presença da PM se justifica pela falta de segurança de alunos e de professores e pela necessidade de ações mais rígidas e eficazes para resolver problemas de disciplina. Quem discorda da medida, no entanto, destaca a padronização como estratégia de imposição com poder para minar a identidade de cada aluno e contesta a efetividade da adoção da doutrina militar na qualidade do ensino.

Doutor e professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), Francisco Thiago Silva é morador de Ceilândia e conhece de perto a realidade de um dos colégios escolhidos para o projeto piloto do governo. Para ele, a militarização não é capaz de resolver os problemas educacionais e cria um ambiente artificial de segurança.

[SAIBAMAIS] A militarização do ensino, para o professor, não é capaz de resolver um problema central nas escolas públicas situadas em regiões carentes: a falta de estrutura familiar. ;Eles não têm como controlar e mudar isso, e é uma das questões mais sérias. A falta de alimentação, as dificuldades da família, as questões materiais, tudo isso desemboca na escola;, argumenta. O especialista vê também o risco de precarização dos professores com a entrada de profissionais sem formação específica para a educação nos colégios.

Um dos pontos mais graves, para o especialista, é o risco de que a padronização provoque um retrocesso nas políticas afirmativas e de diversidade. ;Quando você enxerga uma escola dessa forma, deixa padronizada, com os alunos acuados. Então, sai do processo educacional e passa para o processo punitivo. Com isso, toda a política para diversidade pode se perder;, analisa.

Formação cívica

O doutor em sociologia pela UnB Antônio Flávio Testa avalia a iniciativa por outro viés. Para ele, a militarização do ensino é um grande acerto e pode contribuir para a melhoria da educação brasileira. ;Traz para os alunos a formação cívica, uma educação que eles nem sempre recebem. Escolas assim são muito necessárias, principalmente nesse momento, em que o Brasil precisa rever o projeto pedagógico;, acredita.

;Se o GDF tiver condições de ampliar esse modelo, será relevante, principalmente nas áreas mais carentes. Temos exemplos com bom resultado em Goiás, no Entorno;, alega. No estado vizinho, há 60 escolas com participação da PM na gestão. A medida, para o sociólogo, também contribui para a segurança pública. ;Você diminui o risco de crianças serem capturadas pelo crime organizado. Elas começam a conviver com outros valores, criam uma outra lógica, que pode ser muito eficaz;, explica Testa.

Para o professor da UnB e doutor em sociologia pela Universidade de Erlangen-Nuremberga (Alemanha) Lúcio de Brito Castelo Branco, o modelo militarizado é uma ;resposta à anarquia e à diluição da ordem que tomou conta das escolas;. ;A escola é um espaço que deve transmitir a disciplina. A educação é a domesticação de instintos. Se não há autoridade, não há avanço;, defende.

Sob avaliação

O modelo de gestão compartilhada foi implementado em quatro escolas do DF: Centro Educacional (CED) 1 da Estrutural; CED 3 de Sobradinho; CED 308 de Recanto das Emas; e CED 7 de Ceilândia. Para realizar a escolha dos colégios que receberiam o projeto, o governo levou em consideração o Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (Ideb), o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o Mapa da Violência.

Vulneráveis


Confira índices de violência de 2018 nas cidades onde ficam as escolas da gestão compartilhada:

Ceilândia
  • 8.073 crimes contra o patrimônio
  • 87 assassinatos

Estrutural
  • 847 crimes contra o patrimônio
  • 19 assassinatos

Sobradinho
  • 1.142 crimes contra o patrimônio
  • 13 assassinatos

Recanto das Emas
  • 2.394 crimes contra o patrimônio
  • 21 assassinatos

Fonte: Secretaria de Segurança Pública


Jovens criticam padronização

Gabriel, Ana Beatriz e Beatriz mostram estilo e questionam mudanças nas vestimentas
Em frente ao Centro Educacional 7, em Ceilândia, a abertura dos portões no turno vespertino ocorre rigorosamente às 13h. Quem chega antes, precisa aguardar do lado de fora. Meninos e meninas vestem camisetas de times de futebol ou com estampa de filmes. Eles ainda não receberam as camisetas brancas que devem ser usadas até a distribuição das fardas, prevista para maio.

Os adolescentes investem nos estilos de moda. É uma forma de revelar as identidades diversas, contam. Exibem brincos chamativos, colares, pulseiras. Há meninas de dreads e de cabelos afro, meninos com madeixas descoloridas e topetes altos. As exigências no visual devem ser cobradas depois de um período de adaptação. ;É difícil chegar à escola e ver, de repente, que tudo mudou. Vamos ter de usar saias e eu, como muitas meninas, não nos sentimos confortáveis assim;, diz Beatriz de Sousa, 14 anos. Mesmo com o incômodo, ela acredita em melhorias e espera que o novo modelo ajude no desejo de se tornar policial.

Ela e os amigos Ana Beatriz Lucena, 14, e Gabriel Emídio, 14, acreditam na melhoria disciplinar da escola, mas não deixam de questionar. ;O que o cabelo e a roupa têm a ver com essa mudança?;, pergunta Gabriel. ;O que tem de mudar é o nosso comportamento, a nossa perspectiva. Ninguém aqui é igual. Por que não ter liberdade?;, reflete Ana Beatriz.

Repeito à Pátria

A rotina dos alunos de escolas sob a gestão compartilhada também mudou. Após a implementação do modelo, os estudantes passaram a cantar o Hino Nacional diariamente. No período matutino, durante o hasteamento da Bandeira Nacional; no vespertino, no arriamento. Para isso, organizam-se em filas que devem ter o mesmo tamanho e ficam ;em posição de descanso;, com as mãos para trás. Ao explicar a dinâmica, os policiais afirmam que a medida visa despertar o respeito à Pátria.

No CED 3 de Sobradinho, que abriu uma turma do 1; ano do ensino médio para atender à demanda após o anúncio da militarização, as mudanças começam a ganhar destaque. Quando professores faltam e não deixam tarefas designadas, policiais monitores assumem as turmas e lecionam disciplinas da cultura cívico-militar, como ordem unida.

Entre os alunos, a presença deles, mesmo com armas e cassetetes, é aceita, assim como a padronização dos uniformes. ;Ninguém vai ficar se achando ou diminuindo os outros, porque estaremos todos parecidos;, acredita Gabriel Fiuza. O menino, de 14 anos, pretende ser PM e acredita que a gestão compartilhada pode ajudá-lo a alcançar o sonho. ;Vai fazer de mim uma pessoa melhor e mais responsável;, completa.

Como em Ceilândia, no entanto, há ressalvas quanto à restrição a adereços e penteados. ;A escola não pode se meter em algo tão pessoal. É como se, aqui, fossemos um personagem. Queremos ser quem somos dentro e fora da escola;, argumenta Sabrina Lopes, 13, que sonha seguir a carreira de médica ou de advogada.


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