Aline Brito*
postado em 18/02/2019 06:00
O sofrimento da descoberta, a dor do tratamento e o renascimento da cura. Esses são momentos que marcam a vida dos portadores de leucemia. A doença não escolhe idade nem avisa quando vai aparecer, mas, com diagnóstico precoce e acompanhamento, há grandes chances de se tornar somente uma visita incômoda e, ao fim da jornada, uma lição de aprendizagem.
Andrea Pandolfi Barcelos, 39 anos, é uma dessas sobreviventes. Aos 11 anos, precisou encontrar forças para lutar pela vida. No início da adolescência, teve de abrir mão da escola e da convivência com os amigos para se adaptar à rotina de tratamento contra o câncer. Os sintomas começaram com febre, palidez e cansaço, queixas que podem ser facilmente confundidas com uma virose. Ao procurar atendimento para saber a causa do mal-estar, soube que era leucemia. ;Foi bem rápido para descobrir. Quando fiquei sabendo, foi um choque para mim e para a minha família;, conta Andrea.
Depois de dois anos de quimioterapia, ela curou-se. Retomou os estudos, concluiu o ensino fundamental e o ensino médio. Após se ver livre da doença, Andrea passou a se dedicar a projetos de ajuda a outros pacientes. ;Toda a minha família envolveu-se com a leucemia. Minha mãe, meu pai, minha irmã, todos começaram a participar de trabalhos voluntários. A oncologia virou parte da minha vida;, diz.
A batalha serviu de inspiração para a jovem, que ingressou na faculdade de medicina e se especializou em oncologia pediátrica. Hoje, 28 anos depois, Andrea trata de crianças que vivem o mesmo que ela sofreu no passado. ;Como fiz especialização no Hospital de Base, tive a oportunidade de ser aluna de alguns médicos que me trataram quando estive doente;, revela a oncologista.
A trajetória tornou-se sinônimo de inspiração para os pacientes diagnosticados com leucemia. ;Todos no hospital sabem da minha história. Algumas crianças que trato dizem que também querem ser médicos. As mães me veem como uma esperança;, relata Andrea. ;O que me motiva é ouvir uma criança dizer que quer ser igual a mim quando crescer;, comenta.
Pequena guerreira
Aos 3 anos, Ana Letícia Santos, iniciou a batalha contra a leucemia. Para a mãe, Tuany da Silva Santos, 28, o diagnóstico veio com o medo, a preocupação e a força para lutar pela vida da filha. Mesmo sem saber ao certo o que estava ocorrendo, a menina nunca reclamou e se manteve alegre durante todo o tratamento. ;Ela ficou um mês internada, fez quimioterapia, perdeu os cabelos, mas nunca se abateu. Ela sempre dizia que só precisava tomar o remedinho, que ia ficar boa e logo iria para casa. Realmente, foi isso o que aconteceu;, relata Tuany.
Em janeiro de 2018, a criança apresentou, pela primeira vez, sinais da doença. Febre, manchas vermelhas no corpo e vômito, foram alguns dos sintomas. Depois de realizar um hemograma ; exame que avalia as células sanguíneas ;, Ana Letícia foi encaminhada para o Hospital da Criança e iniciou o acompanhamento para combater o câncer. A criança precisou parar de frequentar a escola, e Tuany deixou o trabalho para cuidar da filha.
Nos dias em que esteve no Hospital da Criança para receber as doses de quimioterapia, Ana Letícia fazia questão de ir fantasiada. ;Ela tem várias fantasias, sempre ia vestida com alguma. Era a forma de ela expor sua felicidade e beleza;, diz a mãe. Entre Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, Mamãe Noel, princesa, a fantasia predileta da pequena é de bailarina. ;Eu amo as fantasias. A de bailarina é a mais bonita;, conta Ana Letícia.
Para Tuany, um dos momentos mais delicados da luta contra o câncer foi ver a filha perder o cabelo. ;Eu não conseguia aceitar, porque, para mim, era o estágio mais marcante do câncer. Ficar careca era a ilustração da doença;, explica. Nessas horas, Ana Letícia demonstrava força e consolava a mãe. ;Quando ela me via chorando, dizia que não era para eu ficar triste, que logo ela estaria curada. Inclusive, ela tomou a iniciativa e pediu para raspar o cabelo;, afirma Tuany.
Com o diagnóstico precoce, a doença foi descoberta no início, facilitando o tratamento. ;Depois de alguns meses, em outubro de 2018, ela não tinha mais sinais de célula de leucemia no sangue;, ressalta a mãe. No caso de Ana Letícia, não precisou realizar o transplante de medula óssea. ;A quimioterapia foi suficiente para a cura. Ela respondeu bem à quimioterapia e conseguiu vencer;, comemora a mãe.
Aos 4 anos, Ana Letícia está em casa e voltou a frequentar a escola. Um pouco mais de um ano depois da descoberta do câncer, quase não se nota traços da doença. A alegria da criança está mais viva do que nunca. ;O cabelo dela cresceu, ela não sente dor, não sente nada. Tem uma rotina normal. Claro que existem alguns cuidados especiais, mas nada que interfira na vida dela;, afirma Tuany.
*Estagiária sob supervisão de Guilherme Goulart
Mutações
É um tipo de câncer que afeta os glóbulos brancos do sangue, conhecidos como leucócitos. A doença começa quando algumas dessas células sofrem mutações e se multiplicam de forma descontrolada na medula óssea, substituindo as células sanguíneas normais. A medula óssea, também conhecida como tutano, é o local no interior do osso onde são formadas as células sanguíneas (glóbulos brancos, glóbulos vermelhos e plaquetas).
Como doar
Confira os passos para fazer uma doação de medula:
1 - Procure o hemocentro mais próximo e agende uma consulta de esclarecimento sobre doação de medula óssea
2 - Assine um termo de consentimento e preencha uma ficha com informações pessoais. Será retirada uma pequena quantidade de sangue (10ml) do candidato a doador. É necessário apresentar o documento de identidade
3 - O sangue será analisado por exame de histocompatibilidade (HLA), um teste de laboratório para identificar as características genéticas que serão cruzadas com os dados de pacientes que necessitam de transplantes
4 - Os dados pessoais e o tipo de HLA serão incluídos no Redome
5 - Quando houver um paciente com possível compatibilidade, o doador será consultado para decidir quanto à doação. A orientação é manter os dados atualizados
6 - Para seguir com o processo de doação, serão necessários outros exames para confirmar a compatibilidade, além de uma avaliação clínica de saúde
7 - Somente após todas essas etapas concluídas, o doador poderá ser considerado apto a realizar a doação
Requisitos
- Ter entre 18 e 55 anos
- Estar em bom estado geral de saúde
- Não ter doença infecciosa ou incapacitante
- Não apresentar doença neoplásica (câncer), hematológica (do sangue) ou do sistema imunológico
- Algumas complicações de saúde não são impeditivas para doação, sendo analisadas caso a caso
Transplante de medula óssea
O transplante de medula é um dos tipos de tratamento proposto para leucemias e consiste na substituição de uma medula óssea doente ou deficitária por células normais, com o objetivo de reconstituição de um tecido saudável. É um dos procedimentos mais utilizados na busca pela cura. Segundo a Secretaria de Saúde, de janeiro a novembro de 2018, foram realizados 118 transplantes de medula óssea no DF.
Fernando Alves, 20 anos, é um dos brasilienses que precisou de doação de medula. No início do tratamento, o jovem não precisava de doador por ele responder bem à quimioterapia. Em julho de 2017, quando teve uma recaída da doença no sistema nervoso central, o transplante se fez necessário. ;Começamos imediatamente uma campanha pelas redes sociais e amigos e familiares se juntaram a nós na divulgação. Em pouco tempo, foi encontrado um doador internacional compatível 100% e foi programado o transplante com ele;, detalha Elizabete Alves, mãe de Fernando.
Mesmo depois dessa localização, as buscas continuaram. ;Cerca de um mês depois, o banco localizou um doador nacional também compatível 100%, e a programação do transplante seguiu normal com a troca de doador;, diz Elizabete. Depois de marcado o transplante, para setembro de 2017, o jovem ainda apresentou células da doença e precisou adiar o procedimento. ;Sofremos muito, imagina pra ele tudo isso, muito desgaste emocional. Procuramos outros centros transplantadores, mas não conseguimos também porque teria de ser particular, e o nosso plano de saúde ainda estava em período de carência. Em pouco tempo, a doença do Fernando evoluiu muito;, relembra a mãe.
Entre idas e vindas, a data do transplante foi agenda, pela quarta vez, para 18 de dezembro de 2018. ;Depois de tanto sofrimento, finalmente conseguimos realizar o transplante. Fernando ficou internado durante 35 dias e, agora, está bem;, comemora Elizabete. ;Deveremos retornar para casa ainda neste mês.;
A gerente do ciclo do doador do Hemocentro, Thays Borba, alerta para a importância de doar medula óssea. ;É uma das formas mais eficazes de conseguir cura para algumas doenças que têm origem na medula;, explica. Segundo Thays, quantos mais doadores cadastrados, mais fácil fica encontrar compatibilidade ;para salvar uma vida;. O Hemocentro de Brasília é o único lugar da capital com cadastro. Bancos de sangue particulares não fazem esse serviço.
Conscientização
No segundo mês do ano, a cor laranja ganha destaque como alerta à população. A campanha de fevereiro traz a mensagem de conscientização e combate à leucemia. Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer, para 2019, são esperados 80 novos casos de leucemia em homens e 70 em mulheres. No Brasil, a estimativa é de 5.940 para homens e 4.980 mulheres. Apesar da grande incidência, a taxa de cura da doença é alta: 80% de sobrevida. Isis Magalhães, hematologista pediatra, afirma que a leucemia linfóide aguda é o tipo de câncer mais comum em crianças. A médica chama atenção para a importância do diagnóstico precoce. ;Quanto antes descobrir, mais fácil o tratamento. A doença tem uma manifestação rápida e, geralmente, responde bem à quimioterapia. A média para alcançar a cura é de dois anos;, esclarece Isis.