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Escândalo no clero de Formosa completa um ano com acusados em liberdade

Em 19 de março de 2018, nove pessoas foram presas acusadas de desvios na diocese do município, entre elas o bispo da região, dom José Ronaldo Ribeiro. Os acusados estão em liberdade e seguem vinculados ao Vaticano

Walder Galvão
postado em 18/03/2019 06:00
Segundo o Ministério Público, que investigou as denúncias, bispos e padres teriam desviado dinheiro de batizados, casamentos e de outros eventos
Um ano após investigação do Ministério Público de Goiás (MPGO) que identificou desvios de mais de R$ 2 milhões dos cofres das paróquias da Diocese de Formosa (GO), os réus permanecem em liberdade, vinculados à Igreja Católica e sequer foram ouvidos pela Justiça. Em 19 de março do ano passado, a Operação Caifás resultou na acusação de 11 pessoas, incluindo o bispo da região, dom José Ronaldo Ribeiro. Ele é apontado como chefe do esquema criminoso.
As investigações começaram em 2015, quando fiéis, desconfiados da movimentação financeira da Igreja, se reuniram para denunciar as irregularidades ao Ministério Público. Os promotores constataram que o bispo, padres, além de outras pessoas vinculadas à cúria da cidade estariam desviando dinheiro de batizados, casamentos e de eventos promovidos pela Igreja. A suspeita é de que eles tenham adquirido carros de luxo, joias e propriedades.
Após a deflagração da operação, nove dos 11 réus permaneceram presos por quase 30 dias. Eles conseguiram liberdade após a terceira tentativa de habeas corpus. A soltura foi autorizada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO). No entanto, permanecem em vigor medidas cautelares: eles estão impedidos de deixar o país sem autorização judicial, obrigados a comparecer a encontros na Justiça e devem obedecer ao toque de recolher às 22h.
As audiências do caso começaram em 10 de setembro. Até o momento, cinco sessões foram realizadas e o juiz interrogou testemunhas de defesa e de acusação. A próxima está marcada para 29 de março, quando os réus devem começar a ser ouvidos. No entanto, um dos promotores à frente do caso, Douglas Chegury, explica que uma das estratégias da defesa é prolongar ao máximo o julgamento. ;Os advogados querem que o caso perca força e que os crimes prescrevam;, afirmou.

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Trâmite


Por duas vezes, a defesa de dom José tentou liberação das medidas cautelares impostas a ele em tribunais superiores. Os recursos foram negados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Agora, os defensores entraram com novo recurso no STJ para tentar tirar a competência do processo do TJGO e levá-lo para a Justiça Federal. O juiz à frente do caso e o Ministério Público avaliam a solicitação.
Desde o início das investigações, a defesa dos acusados mantém o posicionamento de que eles são inocentes. À frente da defesa do juiz eclesiástico Thiago Wenseslau, acusado de participar do esquema, o advogado Thiago Aguiar de Pádua afirma que toda operação é embasada em ;fofocas de paróquias;. Além disso, ainda ressalta que, um ano após as acusações, o Ministério Público não conseguiu comprovar nada. O Correio entrou em contato com o advogado do bispo dom José, e dos demais réus, mas eles não se posicionaram até o fechamento desta edição.
Mesmo ainda sem uma conclusão do processo, os promotores à frente do caso, Douglas e Fernanda Balbinoti, encaram a Operação Caifás como positiva. De acordo com eles, a ação já pode ser considerada bem-sucedida no aspecto social. ;Os religiosos acusados já não gozavam de boa reputação junto aos fiéis. Agora que estão afastados da Igreja, novos representantes da Igreja assumiram os cargos e a comunidade católica retomou a confiança;, defendeu Douglas.
Para Fernanda, a operação foi simbólica no combate à impunidade. ;Estamos acostumados com ações voltadas para desvios de verbas públicas, casos de corrupção de colarinho branco. A Caifás mostrou que não existe ninguém isento da responsabilidade quando se pratica algum ilícito;, frisou. Os promotores acreditam que o processo resultará em uma condenação. ;Com todas as provas que produzimos até o momento, com o trabalho sério e comprometido, acreditamos que teremos êxito em uma condenação. Todos os elementos são efetivos desses delitos que foram imputados;, destacam.

Mudanças


Após a operação, a rotina das paróquias mudou. Os sacerdotes acusados de participar do esquema foram afastados dos cargos e o arcebispo de Uberaba (MG), dom Paulo Mendes Peixoto, se tornou o administrador apostólico da Diocese de Formosa. Meses depois, em 12 de setembro, o Papa Francisco aceitou a renúncia de dom José, que passou a ser bispo emérito. Ele continua vinculado à Igreja e goza dos direitos de um bispo aposentado por idade ou por problemas de saúde.
Agora, os fiéis se preparam para recepcionar o novo bispo que assumirá a região. Em 27 de fevereiro, o Papa Francisco anunciou que dom Adair José Guimarães será o novo bispo de Formosa. A posse dele está marcada para 1; de junho. Com a medida, dom Paulo retornará a Uberaba e não terá mais pendências na cidade goiana.
Para os frequentadores da Igreja, o escândalo gerou mal-estar dentro dos templos. O comerciante Fernando Resende Silva, 54 anos, nasceu em Formosa e frequenta a Igreja Católica desde a infância. Quando o Ministério Público deflagrou a operação, ele conta que muitos se afastaram das missas. ;Temos que ter consciência de que a instituição não é culpada. É uma casa de Deus;, destaca. Porém, com a chegada do novo bispo, ele garante que o clima está melhor.
;A situação está mais estável. Ficamos muito tempo sem um líder, mas agora a coisa vai mudar;, comentou. Sobre a operação, o comerciante garante que a Justiça saberá dar um desfecho. ;A maioria das pessoas achou boa a renúncia de dom José. Muitos ficaram abalados, mas sei que a estrutura tende a melhorar daqui para frente;, afirmou.

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