Cidades

'Transferência não educa', diz especialista sobre caso de ameaça no Gisno

Carregando o estigma de ser a escola do Plano Piloto para onde são enviados alunos com comportamentos violentos, o Gisno enfrenta o desafio de recuperar a autoestima dos estudantes e dos educadores.

Bruna Lima, Alan Rios, Mariana Niederauer
postado em 19/03/2019 06:00
foto da fachada do colégio Gisno, na Asa Norte

A promessa de um atentado contra o Centro Educacional Gisno, na 907 Norte, que mobilizou o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), a Polícia Civil e o Corpo de Bombeiros e paralisou as aulas na instituição de ensino, não passou de ;uma brincadeira;, de acordo com o relato dos cinco estudantes que, se aproveitando do momento de comoção nacional após o ataque em Suzano (SP), fizeram ameaças a outros alunos e a professores. Como punição, foram transferidos de colégio.

;A transferência compulsória dá apenas uma falsa ideia de solução do problema pela lógica da punição, mas não educa;, ressalta a especialista em psicologia educacional Telma Vinha. Na avaliação dela, lidar com questões de violência nas escolas exige muito mais do que responsabilizar fatores isolados. ;É necessário focar na qualidade da convivência e do clima das escolas, fortalecendo a cultura do diálogo e trabalhando pontos de divergência e convergência apontados por alunos, professores e familiares.;

As limitações de recursos humanos são citadas pela direção do Gisno como uma das barreiras para promover a assistência necessária aos alunos. De acordo com o diretor, Isley Marth, apenas um orientador educacional atende aproximadamente mil alunos dos ensinos fundamental e médio regular. ;Como temos baixo efetivo de funcionários em algumas funções, acabamos tendo que ser professores, médicos, psicólogos e tudo o mais;, relata.

Carregando o estigma de ser a escola do Plano Piloto para onde são enviados alunos com comportamentos violentos, o Gisno enfrenta o desafio de recuperar a autoestima dos estudantes e dos educadores. ;O colégio acaba sendo um antro de dificuldades que lidamos diariamente. Todo estudante que apresenta algum tipo de problema é mandado para cá;, diz o professor de português Ricardo Andrade.

O diretor Isley conta que chegou a ouvir educadores de fora rotularem a instituição como uma ;escola problema;. ;Nós recebemos muitos alunos rejeitados mesmo, mas esse é o certo, temos nosso lado humano e não vamos deixar um jovem sem matrícula enquanto tivermos vaga aqui.;

Diretora do Sindicato dos Professores (Sinpro-DF), Rosilene Corrêa concorda que a falta de infraestrutura e de profissionais qualificados para lidar com situações de conflito contribui para a violência nas escolas. Ela considerada também que o episódio de ontem é resultado de uma sociedade com cada vez mais desumanizada. ;Reflexo disso é uma grave ameaça ser tratada como mera brincadeira, o que é ainda mais preocupante e expõe a necessidade de um olhar mais atento às novas gerações.;


Abandono


Durante a investigação das ameaças, chamou a atenção do chefe da Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA), delegado Vicente Paranahiba, o perfil dos adolescentes envolvidos. A maioria deles tem histórico de problemas sociais e familiares. ;Um dos jovens tomou remédio controlado, se consultava com psiquiatras, tem marcas de autoflagelação e tentou suicídio. Pelo menos três deles têm problemas familiares e citaram que sofreram bullying.;

As investigações começaram após a direção do colégio ter acesso a mensagens postadas pelo grupo de estudantes, entre eles um maior de idade. ;As bombas foram posicionadas com antecedência semana passada. (...) Nós vamos invadir pela área atrás do Gisno, onde estão guardadas as armas e munição;, escreveu um dos adolescentes no status do WhatsApp. Na mesma noite, funcionários da escola fizeram um boletim de ocorrência, e a Polícia Civil começou a investigar o caso, por meio da 2; Delegacia de Polícia (Asa Norte) e da DCA.

Por volta de 1h, agentes foram até a casa de um dos suspeitos, de 17 anos. ;Revistamos o local com a autorização dos envolvidos e conduzimos o garoto e sua responsável, a irmã, para a oitiva. Quando chegou aqui à delegacia, ele disse que as postagens ameaçando a escola eram uma ;brincadeira;, que não teria coragem de fazer isso;, detalha Vicente Paranahiba. Os agentes não encontraram nada de ilícito, mas acessaram o celular do rapaz e descobriram mais mensagens combinando possível atentado.

Como os diálogos citavam bombas, o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), a Polícia Civil e o Corpo de Bombeiros mobilizaram especialistas nesse tipo de ocorrência e foram até a escola por volta das 5h. Duas horas mais tarde, os bombeiros declararam o fim da operação sem que se tivesse encontrado qualquer explosivo na escola.

Alunos do ensino médio que chegavam para as aulas da manhã aguardavam apreensivos o fim da ocorrência do lado de fora da instituição. Alguns responsáveis também esperavam com medo. Foi o caso de Maria Oliveira, 63 anos. ;Quando minha neta me contou das ameaças, fiquei em pânico;, diz. ;Assusta ainda mais isso acontecer perto do massacre de São Paulo.;Após a operação, a direção resolveu cancelar as aulas do dia.

Projeto em elaboração


A Secretaria de Educação do DF informou, em nota, que elabora o projeto Escolas para a Paz, para ser lançado em abril. ;Foi instituído um grupo de trabalho para mapear situações de violência física e psicológica no ambiente escolar, com o objetivo de subsidiar as novas ações;, destaca o texto. Além disso, a pasta afirma que trabalha em parceria com o Batalhão Escolar da Polícia Militar, com objetivo de promover a segurança nas proximidades das unidades de ensino, e oferece capacitação aos docentes no Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação (Eape).


Busque ajuda


; O Adolescentro presta
atendimento individual e
em grupo a adolescentes
de 10 a 18 anos de idade.

; Um dos serviços é o de assistência e tratamento em psiquiatria e neurologia a adolescentes com demandas específicas.

Horário de funcionamento:
das 8h às 12h e das 14h às 17h.

Endereço: SGAS 605,
lotes 32/33 ; Asa Sul.

Telefones: 3242-1446/
3242-1447/3445-7573/3445-7581.

Padrões

Em uma das mensagens postadas nas redes sociais ameaçando ataque ao Gisno, o caso de Suzano (SP), na semana passada, é mencionado. O doutor em ciência política Tulio Kahn, consultor da fundação Espaço Democrático, observa alguns padrões que se repetem no caso do massacre que ocorreu em São Paulo e nas ameaças dos estudantes em Brasília, como citar casos que servem de inspiração. Outro sinal é o leakage, termo que em inglês significa vazamento. ;É muito comum que postem ou deem indícios do ato antes, tem a ver com o desejo de notoriedade;, afirma.

O especialista estuda o fenômeno do mass shooting ; assassinatos em massa ; a partir da literatura norte americana sobre o tema e explica que a prevenção desse tipo de crime é complicada. ;Numa amostra de casos de mass shooting americano, o perfil que se mostrou é muito genérico. Tem-se uma preponderância de homens, brancos, que jogam games violentos. Mas aí se está falando de milhares de jovens;, exemplifica.

;Se você não tiver indícios concretos, algo de mais palpável, é muito difícil prevenir. Uma forma de atenuar seria lidar com o problema da violência escolar como um todo;, avalia o consultor. Enquanto os casos de massacres são esporádicos; e, no Brasil, raros ;, as diversas formas de violência fazem parte do cotidiano da maioria dos estudantes no país. Sistemas de prevenção a bullying, de identificação de distúrbios psíquicos e de violência doméstica, além de aprimoramento das medidas de segurança dos colégios, são alguns dos pontos destacados por Kahn. Ele reforça que um traço comum em atiradores que protagonizam esse tipo de ataque é que sejam vítima ou autor de agressões em casa.

O psicólogo e doutor em educação Mauro Gleisson de Castro Evangelista, servidor da Secretaria de Educação do DF, explica que, diante da precarização de serviços de saúde mental, assistência social e segurança, a escola acaba por assumir um papel abrangente na vida de adolescentes e jovens. Portanto, apesar de representar a política pública mais eficaz e eficiente no combate à violência, ela pode reforçar exclusões quando não percebe e enfrenta posturas de vulnerabilidade.

;Eu acompanhei o caso de Realengo, o protagonista era Wellington, ele tinha um histórico de desempoderamento ; não só, mas também ; no ambiente escolar;, afirma o professor. O mesmo perfil pode ser observado nos atiradores de Suzano. ;E é claro que a escola acentua essas exclusões, porque também está muito só. Ele (adolescente) não vai todo dia para o posto de saúde, para a delegacia;, destaca.

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