Isa Stacciarini
postado em 27/03/2019 06:00
As obras de infraestrutura de Vicente Pires apresentam risco ao Lago Paranoá. O principal córrego da região, também chamado de Vicente Pires, recebe todo o tipo de resíduo da construção, como terra, cascalho e brita, carregado pela chuva. Esse material desemboca na bacia do Riacho Fundo e termina no espelho d;água, uma das fontes de abastecimento hídrico para moradores do Distrito Federal. Por causa desse movimento, os braços do reservatório mais próximos ao Riacho Fundo sofrem com o assoreamento.
Segundo o diretor da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal (Adasa), Jorge Werneck, quando o rio desemboca no Lago Paranoá, a velocidade da água diminui e os materiais se depositam no reservatório, formando uma zona chamada tecnicamente de Delta, ou seja, uma área assoreada. Para monitorar a condição do espelho d;água, a Adasa fez uma parceria com pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB).
Professores da área de engenharia ambiental, agrônoma e civil retiram o sedimento do reservatório e levam para análise. De acordo com Jorge, um dos resultados mostra que o material se acumula principalmente no fim do Riacho Fundo, próximo à Vila Cauhy. ;As primeiras análises demonstram que, no meio, o sedimento não chega, mas algumas regiões (do lago) apresentam problemas mais sérios, como na chegada aos braços, onde se criou um ambiente de sedimento sendo depositado;, detalhou.
O diretor da Adasa esclarece que, em Vicente Pires, o processo de ocupação desordenada e as obras de drenagem causam o movimento da terra. Sem contenção, grande parte dos resíduos segue para o rio. ;A Adasa contratou um trabalho de consultoria e, dentro dele, estamos fazendo um diagnóstico de quais as técnicas são utilizadas em construção e quais não são seguidas, mas deveriam ser feitas. A ideia é gerar guias e manuais para orientar tecnicamente essas ações;, destacou.
A intenção é de que as empresas possam computar os custos de conter os sedimentos no local, evitando que o material alcance os córregos. ;É preciso ter obras limpas, que não joguem sedimentos no meio da rua. Há formas de controle disso. O próprio Código de Construção traz essa necessidade, porque não se pode gerar um risco de prejuízo para o instrumento público;, disse.
Controle
O Córrego Vicente Pires tinha 1,5m de profundidade, mas hoje não passa de 80cm nos pontos mais fundos. A calha rasa e larga, com bancos de areia nas curvas, é uma característica do assoreamento. Devido ao acúmulo de areia, cascalho e restos de construção, não há peixes.
A pedido do Correio, o engenheiro agrônomo e professor doutor em paisagismo Fábio Viana visitou as margens do córrego há uma semana. O especialista explicou que, com o solo desprotegido, não há nenhuma forração capaz de segurar o barranco e controlar a carga da rede pluvial. ;Se o assoreamento persistir, o que vai acontecer é diminuir cada vez mais o nível de água e aumentar o sedimento, porque, na cabeceira do rio, não há nenhum tipo de controle para segurar o que vem da chuva;, alertou. Segundo o pesquisador, se a degradação persistir, o córrego pode desaparecer. ;Se as condições se mantiverem, ele não chega a 15 anos;, avaliou.O acúmulo de sedimentos intensifica os eventos de cheia, provoca inundações e leva poluentes para as bacias. ;O córrego pode ser recuperado se melhorar a arborização em torno dele, se houver limpeza do leito e evitar o lixo;, destacou Fábio.
Em torno do espelho d;água, a reportagem identificou garrafas pet, embalagens de spray e de desodorante, além de plásticos e entulho. ;Com certeza, aquele rio foi fonte de pesca em algum momento. Hoje em dia, pelo fato de receber tanta poluição, dejetos e assoreamento, é mais provável que os animais tenham se afastado do local, parado de procriar ali e não utilizam mais aquele ambiente como habitat;, avaliou o professor.
Consciência ambiental
Uma das nascentes que alimenta o Córrego Vicente Pires sofre com o aterramento. ;Com ela morrendo, o rio também começa a receber menos água. Quanto mais nascentes forem mortas ao longo do leito do córrego, mais ele vai perder recurso até morrer totalmente;, reforçou o engenheiro e paisagista Fábio Viana.
Consciência ambiental
Uma das nascentes que alimenta o Córrego Vicente Pires sofre com o aterramento. ;Com ela morrendo, o rio também começa a receber menos água. Quanto mais nascentes forem mortas ao longo do leito do córrego, mais ele vai perder recurso até morrer totalmente;, reforçou o engenheiro e paisagista Fábio Viana.
O curso d;água é soterrado por entulho e lixo, como cadeiras, engradados de plástico e até colchão. Todo o material pode chegar ao Lago Paranoá. ;É um problema político, mas também de consciência ambiental. Brasília é uma das cidades com o maior número de pessoas com nível superior e que não sabe separar o lixo da forma correta;, criticou o especialista. Na visão dele, só um grande projeto de reflorestamento poderia minimizar a degradação.
O presidente da Associação dos Moradores de Vicente Pires (Amovipe), Gilberto Camargos, visitou o córrego e lembrou que as obras de infraestrutura na cidade deveriam ser iniciadas em 2015, mas só ganharam expressividade em 2018, ano eleitoral. ;Abriram grandes frentes de trabalho, fizeram valas e tudo isso acarretou no assoreamento do córrego;, criticou o ambientalista.
Para saber mais
Estudo acadêmico
Em 2007, uma monografia de conclusão de curso da Universidade Católica de Brasília (UCB) alertou para o assoreamento do Córrego Vicente Pires. O estudo feito por um aluno de engenharia ambiental mostrou que, devido à ocupação desordenada do solo, o córrego apresentava riscos ambientais e ecológicos. ;A quantidade de material sedimentar e resíduos sólidos que se desloca até o córrego, deixando o seu leito cada vez mais assoreado, é de grande magnitude. Consequentemente, o braço do Riacho Fundo na Bacia do Lago Paranoá está cada vez mais comprometido e é o grande fornecedor de material sólido para o Lago Paranoá;, pontuou uma parte do TCC.
À época, o então estudante citou como fatores para o aumento da degradação a retirada da mata ciliar; a deposição de resíduos sólidos e a elevada taxa de ocupação desordenada do solo. O autor do estudo é servidor da Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb), mas evitou traçar um paralelo das condições do local no momento do estudo e agora ao alegar ter se passado um período longo para a análise.