Cidades

Faixa de pedestres completa 22 anos, mas conscientização precisa de reforço

O projeto foi criado para salvar vidas, e Brasília se consolidou como a capital da travessia segura. Apesar dos bons resultados, é necessário reforçar a conscientização de motoristas. Uma pessoa morreu este ano atropelada onde deveria estar protegida

Isa Stacciarini
postado em 01/04/2019 06:00
É preciso que condutores prestem mais atenção e que quem anda a pé tome mais cuidado ao atravessar, alertam especialistas
Aproximar-se de uma faixa de pedestre, fazer o sinal de vida, esperar a parada dos carros e, finalmente, atravessar de um lado a outro da pista. Há 22 anos esse comportamento se mantém e virou tradição entre pedestres e motoristas de Brasília. O respeito à travessia projetou o Distrito Federal como exemplo nacional e até mundial. Mostrar a mão com o braço estendido antes de cruzar a via é convenção dos brasilienses. Não está no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) nem é lei. O resultado é que as 3,7 mil faixas em todo DF resultam em menos mortes no trânsito.

Ernani Zago, morador de MG, elogia o DF pelo respeito à faixa
Contudo, na visão de especialistas, pouca coisa mudou em mais de duas décadas. A faixa faz aniversário hoje. Surgiu em 1; de abril de 1997. Um ano antes, em 1996, 266 pedestres perderam a vida ao tentar atravessar pistas do DF. O índice acendeu o sinal vermelho para autoridades e fez com que governo, entidades civis organizadas e pesquisadores se unissem para reduzir as tragédias. A partir de campanhas de conscientização, conseguiram mudar o comportamento e construir uma cultura de respeito à travessia (leia Para saber mais).

Quando atravessa, Marcia Mossmann percebe muitos motoristas distraídos
Prova disso é que no ano de lançamento do projeto, o número de pedestres mortos diminuiu para 202 e, em 1998, para 153. Diretor do Departamento de Trânsito do DF (Detran-DF) na época, Luís Miura se lembra do comportamento agressivo de motoristas antes da campanha Dê sinal de vida. ;Os condutores de Brasília eram selvagens, quase assassinos. Nós tínhamos um problema de altíssima velocidade, até porque vivíamos em uma cidade feita para carros, não para pedestres;, recorda. A ideia de respeitar quem anda a pé veio do coronel da Polícia Militar Renato Fernandes de Azevedo, que morreu em 2012, de um câncer no pulmão.

Anaxágoras Vale Santos defende que é preciso ter mais campanhas educativas
Ele viajou para a Europa e trouxe a sugestão da faixa ao Detran. Miura conta que, primeiro, teve de reduzir a velocidade das vias. ;A pressa no trânsito em Brasília era altíssima e, tanto tecnicamente, quanto socialmente, era impossível implantar o projeto. Depois que colocamos fiscalização eletrônica com pardais e lombadas, a redução foi visível. Com a diminuição, o coronel Azevedo disse que estávamos preparados para parar na faixa e respeitá-la;, explica. O objetivo era escolher um lugar central, onde 80% da população transitava, para instalar as listras brancas.

Por isso, equipes pintaram inicialmente 300 faixas no Plano Piloto. ;Eu duvidava que o projeto desse certo, mas fizemos de tudo para que fosse um sucesso, e foi. Tinha países que faziam isso com naturalidade e o único lugar do Brasil que nasceu respeitando o pedestre foi Chuí, no Rio Grande do Sul. Por que não fazer isso também em Brasília?;, ressalta Miura. Passados 22 anos, ele lamenta o fato de a capital não ter avançado no respeito ao pedestre. ;Duas décadas depois, nós já deveríamos estar respeitando o pedestre, esteja ele na faixa ou não. No trânsito, a responsabilidade maior é sempre do motorista;, ressalta Miura.

Luís Miura era diretor do Detran na época de implantação da faixa
De janeiro até agora, uma pessoa morreu atropelada na faixa de pedestre. Em 2018, duas perderam a vida do mesmo jeito. Comparando-se o ano passado com 2017, quando cinco pedestres não resistiram, é possível
observar que os casos diminuíram 60%. Em 2009, 11 pessoas chegaram a perder suas vidas na faixa que deveria dar segurança (veja quadro Óbitos por ano). Ernani Zago, 59 anos, mora em Unaí (MG), mas constantemente vem visitar os filhos em Águas Claras e em Vicente Pires. Ele elogia o DF por ser uma unidade da Federação de grande respeito à faixa.

No entanto, comenta que, devido a congestionamentos, pressa de motoristas e aumento no número de veículos, muitos têm desrespeitado. ;Deve haver uma orientação para que os órgãos voltem a conscientizar as pessoas. Às vezes, é até perigoso atravessar porque um carro tampa a visão do outro e, quando estamos na faixa, ficamos com medo;, ressalta. Marcia Mossmann, 53 anos, anda a pé e percebe a distração de motoristas. ;Tem vezes que a gente dá com a mão e os carros não param. As pessoas estão muito ligadas no celular e não prestam atenção;, lamenta.

Ela mora em um condomínio próximo ao Paranoá e percebe que o desrespeito é mais frequente nas regiões administrativas do que no Plano Piloto. ;Na periferia, as pessoas respeitam menos;, observa. Como motorista, o empresário Anaxágoras Vale Santos, 44 anos, defende que sempre para ao visualizar um pedestre na faixa, mas, na visão dele, faltam campanhas educativas e de conscientização para alertar as pessoas. ;Trabalho na região central e sempre escuto freadas bruscas perto de faixas e até batidas. Muita gente fica no celular e perde a atenção. Por causa dos meus filhos, dirijo sempre atento e, quando vejo alguém perto da faixa, já reduzo a velocidade;, garante.

Respeito nas vias


Neste ano, a campanha da Semana Nacional do Trânsito tem como tema ;No trânsito, o sentido é a vida;. As ações começam em maio e duram até abril de 2020, com foco em pedestres, ciclistas e motociclistas. Haverá atividades destinadas à conscientização dos condutores para promover o respeito a pessoas mais vulneráveis no trânsito. A primeira campanha educativa ocorre de maio a agosto e tem foco nos pedestres. Entre as iniciativas a serem desenvolvidas, estão atuações de valorização das faixas de pedestres e do sinal de vida na travessia.

Óbitos por ano: morte de pedestres na faixa em uma década


2009: 11
2010: 7
2011: 4
2012: 8
2013: 2
2014: 7
2015: 4
2016: 5
2017: 5
2018: 2
2019:1 *

*Entre janeiro e março

Victor Pavarino, consultor em segurança viária
Integrante do grupo que implantou a faixa no DF, o sociólogo e mestre em transporte Victor Pavarino analisa que o respeito à faixa é proporcional à preservação da infraestrutura das travessias. ;Uma faixa mal pintada, com má manutenção, tem a possibilidade de ser menos respeitada do que aquela com boa estrutura. Isso, de certa forma, reflete a própria importância que o governo deposita a essa estrutura;, destaca. Pavarino reforça ainda a importância de os pedestres fazerem a parte deles, esperando os motoristas pararem.

Segundo ele, que também atuou como coordenador de cursos de educação do Centro Interdisciplinar de Estudos em Transportes da Universidade de Brasília (Ceftru/UnB), em algumas circunstâncias, o motorista não para apenas por simples e puro desrespeito, mas porque o entorno do instrumento não ajuda. ;A faixa pode estar mal iluminada, sombreada ou o condutor, distraído;, explica. Diretor-geral do Detran-DF, Fabrício Moura diz que equipes do órgão fazem um mapeamento de onde estão as principais faixas de pedestres. Além disso, segundo ele, desde o início do ano, houve uma intensificação da campanha de segurança na travessia para apoiar pedestres, principalmente perto de escolas.

;Sabendo onde elas estão, conseguimos, por meio da engenharia, saber se estão sinalizadas, pintadas e revitalizadas para que os motoristas possam enxergá-las e, quando se aproximarem, diminuírem a velocidade;, esclarece. Para Fabrício, a população de Brasília respeita a faixa, mas ele considera importante os pedestres fazerem o sinal de vida antes da travessia. ;Os três fatores causadores de acidentes em geral são a combinação de álcool e direção, o excesso de velocidade e o uso do celular ao volante;, acrescenta.

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