Walder Galvão
postado em 13/04/2019 07:00 / atualizado em 14/10/2020 11:19
Condenado por tentativa de homicídio, Alessandro Guerreira Barros, 27 anos, cumpriu pena de cinco anos no Complexo Penitenciário da Papuda. Foi preso e condenado em 2013 por atirar em um homem que, segundo suspeitava, era amante da namorada dele. Há seis meses, o jovem foi contemplado com o regime domiciliar e, desde então, trabalhava em um bar da Asa Sul. A liberdade assistida, no entanto, durou pouco. No início da noite de quinta-feira, Alessandro envolveu-se em uma briga de trânsito no Itapoã e matou, com quatro tiros, o motorista de transporte por aplicativo Felype Anderson de Sousa, 22.
O crime é investigado pela 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá), que ainda não prendeu o acusado. A delegada à frente do caso, Jane Klébia, ressalta que os agentes também tentam descobrir a origem da arma usada no assassinato. “A família disse que ele (Alessandro) estava sendo ameaçado, mas não sabia que ele andava armado. Pedimos a prisão preventiva dele à Justiça e estamos aguardando a resposta. Enquanto isso, os policiais o procuram”, afirmou. Os investigadores acreditam que outras pessoas estejam ajudando o suspeito a se esconder.
Alessandro é casado e tem uma filha de 1 ano. A mulher dele prestou depoimento, mas disse que não sabe o paradeiro do companheiro nem que ele guardava uma arma em casa. A delegada Jane adiantou que o acusado deverá responder na Justiça por homicídio duplamente qualificado, por motivo fútil e impossibilidade de defesa da vítima. Caso condenado, pode pegar de 12 a 30 anos de prisão.
O crime
Na noite de quinta-feira, o suspeito estava acompanhado da sobrinha, de 16 anos, quando bateu na lateral do carro de Felype Anderson. O motorista do sistema de transporte alternativo manobrava para estacionar na avenida principal do Itapoã. Ambos começaram uma discussão, mas, segundo testemunhas, Alessandro não aceitou os xingamentos, sacou uma pistola e disparou contra o jovem. Em seguida, voltou para o veículo e fugiu do local.
Sem acreditar na situação, a sobrinha do acusado perguntou se as balas eram de verdade e se a vítima tinha morrido. O tio apenas pediu para que ela não contasse para ninguém sobre o que havia ocorrido. Ele, então, a deixou em casa, abandonou o automóvel, que era da mãe da menina, e seguiu para o endereço da sogra, onde largou a arma do crime e desapareceu. Depois disso, Alessandro disse para a irmã, por telefone, que não se apresentaria à polícia.
Desespero
Aos 22 anos, o motorista Felype Anderson decidiu deixar a casa dos pais e tentar a vida com a companheira, Victória Damasceno, 18. Há três semanas, eles alugaram uma casa no Itapoã, cidade onde viveram a infância, e começavam a se adaptar à nova rotina. O jovem morreu quando seguia para a academia ao lado de Victória, que testemunhou o crime. Eles estavam com casamento marcado para segunda-feira, na Igreja Sara Nossa Terra, também no Itapoã.
Abalada, Victória não prestou depoimento à Polícia Civil. Na manhã de ontem, o silêncio da rua onde a família de Felype morava era quebrado pelo choro da jovem. De fora do portão, era possível escutar o desespero da garota e da mãe da vítima, que preferiu não conceder entrevistas. “Ele não merecia isso, nunca fez mal a ninguém. Era uma pessoa querida por todos. A minha mãe não está conseguindo comer nada nem falar uma palavra”, lamentou a irmã da vítima, Rebeca de Sousa, 19.
Vizinhos que não quiseram se identificar descreveram Felype como um jovem esforçado e trabalhador. “Conheço ele desde menino, a vida toda. Nunca mexeu com ninguém e procurava ajudar todo mundo. É uma tristeza muito grande toda essa situação”, emocionou-se um conhecido.
Desde outubro de 2017, Felype trabalhava como motorista de sistema de transporte alternativo. O carro dele, um Ford Ka, era a paixão dele. No Facebook, fazia questão de exibir o veículo na postagem das fotos. Carinhosamente, o automóvel era apelidado de “meu bebê”. Com ele, o jovem percorria as ruas do Distrito Federal e pagava as contas. Segundo amigos e parentes, além de casar, sonhava ingressar na faculdade.
VIOLÊNCIA
O suspeito
Alessandro Guerreira Barros
» Tem 27 anos
» Trabalha como auxiliar em um bar da Asa Sul
» Tem uma filha de um ano
» Mora no Itapoã
A vítima
Felype Anderson de Sousa
» Tinha 22 anos
» Trabalhava como motorista do sistema de transporte alternativo
» Casaria na segunda-feira
» Morava no Itapoã
Memória
5 de fevereiro de 2018
Uma briga de trânsito acabou em tiroteio, no Pistão Norte, em Taguatinga. Um cabo do Corpo de Bombeiros, de 28 anos, se apresentou à 12ª Delegacia de Polícia (Taguatinga Centro) após atirar contra um homem, passageiro de outro veículo. A vítima, de 23 anos, foi baleada na cabeça e socorrida no Hospital Regional de Taguatinga (HRT) em estado grave. Em seguida, precisou ser transferida para o Hospital de Base de Brasília por apresentar piora no quadro de saúde.
22 de dezembro de 2017
Um motorista de um Nissan Frontier atirou em um motorista de ônibus no terminal de Samambaia Norte. O caso aconteceu por volta de 13h15, após os condutores se desentenderem durante o trajeto. O autor dos disparos seguiu o coletivo até a rodoviária da cidade. No local, ele atirou uma vez no chão e duas vezes nas pernas do motorista.
6 de dezembro de 2012
Dois motoristas discutiram no Buraco do Tatu, na área central de Brasília. Após a briga, um dos envolvidos atirou contra o outro. Os veículos estavam na via S2, atrás do Setor de Diversões Sul (Conic). O autor dos disparos fugiu, e a vítima precisou ser levada ao Hospital de Base de Brasília, porém, sem gravidade.
Palavra de especialista
“Sensação de impunidade”
“Esse caso é um fenômeno complexo. Ele se reflete na sociedade brasileira, que é violenta. Nessa ocasião, podemos ver que tem a questão do ego masculino, de honra. São dois rapazes que querem mostrar virilidade. O homem tem uma socialização já violenta e são ensinados a reprimir qualquer tipo de sentimento e sensibilidade. Isso acaba conduzindo a um ego machista. No espaço público, isso é traduzido em valentia. Por isso, pequenos desentendimentos, seja no trânsito, seja com vizinhos, seja em partidas de futebol, podem se tornar situações de violência. Quando você arma esses indivíduos, eles recorrem a armas de fogo para resolver conflitos.
Por isso, não podemos caracterizar essa situação como isolada. A gente tem conhecimento de situações assim e mais podem aparecer. A arma serve para quê? Para matar. Esse discurso de legítima defesa é falho. As pessoas não têm preparo psicológico nem técnico para usar uma arma. Líderes políticos têm inflado e estimulado o uso de armamento. Isso gera uma certa legitimação, que acaba tendo a sensação de impunidade”.
Welliton Caixeta Maciel, professor de antropologia do direito e pesquisador da UnB