Cidades

Em exemplo de cumplicidade e união, marido doa o rim à mulher

Depois de descobrir doença que compromete o funcionamento dos rins e enfrentar um câncer de mama, professora recebe do marido a doação do órgão que deu a ela a volta da qualidade de vida

Darcianne Diogo*, Renata Nagashima*
postado em 23/04/2019 06:00
Iara Xavier e Elias Cleliton Gonçalves
;São muitas as curvas deste rio sinuoso chamado vida. Todos nós temos que navegar nele. No meu caso, com muitas paradas, algumas curvas difíceis. A maior, eu acredito que já passei e, agora, estamos nos aquietando e chegando ao porto. É isso que me deixa feliz.; É assim que a professora Iara Xavier, 48 anos, define a difícil trajetória pela qual passou na luta para vencer um câncer e uma doença renal crônica com a ajuda do marido.

Doença silenciosa, a nefropatia por IgA chegou sem dar nenhum sinal. Apesar de já ter uma filha, a pequena Ana Rute Xavier, à época com 8 anos, Iara e o marido, Elias Cleliton Gonçalves, 43, tinham o sonho de ter mais uma criança. Mesmo após dois abortos espontâneos, em 2013 o casal se planejou e decidiu que tentaria pela última vez. No quarto mês de gestação, ela perdeu o bebê. ;Os exames estavam normais e tudo estava contribuindo, mas minha pressão começou a subir;, conta Iara.

Outros sinais de algo estava errado apareceram nos exames e ela, natural de Barreiras (BA), decidiu ficar no Distrito Federal, onde havia planejado passar o Natal, para descobrir o que estava acontecendo. ;Esse era o começo dos meus cinco anos de muita luta;, relembra. Por conta da doença, iniciou um tratamento rigoroso. ;Não podia comer nada fora de casa. No começo, eu pesava 72kg. Nessa época, passei para 58kg. Além da medicação que tomava diariamente: cheguei a tomar 20 comprimidos por dia.;

Com a dieta, os rins voltaram a funcionar o equivalente a 20%, logo esse percentual caiu de novo, para menos que 10%. Iara passou a precisar de diálise até que fosse possível um transplante do órgão. Os quatro irmãos de Iara se disponibilizaram a vir a Brasília e fazer exame de compatibilidade. Dois deles eram mais de 50% compatíveis e a mais velha, Deuslaine Xavier, 53, seria a doadora.

Tudo agendado quando os últimos exames de rotina diagnosticaram câncer na mama direita, em junho de 2016, o que levou ao adiamento do transplante por dois anos, tempo necessário para verificar se não restavam mais células cancerígenas. ;A notícia do câncer não me abalou tanto quanto a do tempo que eu teria de aguardar. Meu mundo caiu naquele dia;, conta.

Depois de ter as duas mamas retiradas e aguardar o período indicado, veio outra má notícia. A irmã doadora havia adoecido. Era agosto de 2018. Foi quando, em uma conversa com o médico, ela tomou a iniciativa de se inscrever na lista de doações em São Paulo. ;Eu tinha uma esperança de alguém me ligar, mandar uma mensagem ou algo do tipo. Mas, nesse mesmo dia, o doutor perguntou se o meu marido era compatível.;

Para a surpresa do casal, Elias era 50% compatível e o estado de saúde do comerciante estava bom. A preparação começou em outubro e, no último mês do ano, o próximo passo era agendar a cirurgia. Mesmo com tudo pronto, o casal tinha mais um empecilho: um exame constatou que, em vez de uma artéria ligada a cada rim, Elias tinha três de um lado e duas no outro, o que poderia acarretar em mais cortes, aumento do tempo de internação e de recuperação.

Uma semana antes do procedimento, o cirurgião explicou ainda que o rim transplantado poderia não funcionar 100%. Confrontado pelo médico, o marido não pensou duas vezes e disse: ;Doutor, meu coração já é dela, o que é um corte a mais?;
Iara Xavier e Elias Cleliton Gonçalves no hospital

União

Companheirismo: é assim que o casal define o casamento de 19 anos. Depois de tantos obstáculos, agora podem desfrutar da vitória. Mas nada foi por acaso. As barreiras serviram para unir ainda mais o casal. ;Quando nos casamos tínhamos certeza do que estávamos fazendo. Ao fazer o voto de ficar com ela na saúde, na doença e até na morte, não fiz em vão;, relata Elias, natural de Anápolis (GO).

Cristãos, eles afirmam que a fé ajudou a superar as dificuldades. ;Em momento algum passou pela minha cabeça que ele iria me abandonar, pois temos muita cumplicidade;, explica a professora, sob o olhar atencioso do marido. ;Ele é um guerreiro de me aguentar, pois imagina uma baiana, de temperamento forte e passando por uma situação difícil?;, conta, emocionada.

O tão sonhado transplante foi realizado em 16 de março deste ano, e tudo correu dentro do normal. ;Nós estamos nos recuperando bem. Ele está ótimo, já vai voltar a trabalhar. Eu estou passando por ajustes de medicações. Em breve, farei a cirurgia para a retirada do cateter da diálise e o rim está respondendo bem;, afirma Iara.

Para ela, essa é uma lição de que o amor e o altruísmo fazem muita diferença na vida de quem precisa. Hoje, a professora come de tudo, inclusive chocolate. Ela, que fez aniversário na última quarta-feira, considera a vitória um presente.

A baiana, agora, pretende carregar na lembrança apenas o que tirou de bom das lutas e voltar para sua cidade natal, na Bahia. ;Acho que, quando eu nasci, Deus perguntou se eu queria uma vida com emoção ou sem emoção, e eu respondi: ;Com emoção;;, brinca.

Diagnóstico

Nefropatia por IgA (NIgA) é uma doença renal causada por depósitos de anticorpos (Imunoglobulina A), que causam inflamação e lesão dos glomérulos renais progressiva ao longo dos anos. Nas fases iniciais, apresenta poucos sintomas e eles podem demorar anos para aparecer. A doença não tem cura, mas o tratamento previne a insuficiência renal.

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