Fernanda Bastos*, Pedro Canguçu*
postado em 25/04/2019 06:00
Raciocínio rápido, muita atenção e boa memória. Os jogos tradicionais, como truco, dominó e gamão, exigem um pouco de cada um desses elementos e reúnem, nos bares, cafés e praças de Brasília uma série de admiradores. Muitos jogam por anos. Outros, começaram agora e ainda estão aprendendo. Nesses eventos, gerações de grandes jogadores e de novatos se reúnem para trocas de histórias, experiências e boas risadas.
Parte dessas vivências podem ser guardadas numa pequena maleta preta. Ao abri-la, um tabuleiro formado por triângulos coloridos, alguns dados e peças redondas de duas cores aparecem. Os objetos fazem parte do gamão. Jogado entre dois adversários, o principal objetivo desse divertimento milenar é retirar as peças do tabuleiro antes do oponente. Funciona assim: os números que saíram nos dados simbolizam as casas (triângulos) que serão andadas. Um jogador move no sentido horário as peças e o outro, no anti-horário. É preciso ter uma estratégia lógico-matemática para alcançar o objetivo.
Na Asa Sul, em um café na Quadra 205, cerca de 16 amigos se encontram todas as segundas-feiras para jogar o gamão. ;Isso aqui é sagrado;, comenta o desenhista industrial e jogador de gamão por 40 anos Murilo Santos Lobato, 65 anos. O grupo começou há 20 anos e já chegou a receber mais de 30 jogadores por noite. Cada partida dura, em média, 15 minutos, mas as reuniões começam às 20h e duram, às vezes, até as 3h. ;É um jogo de ciência, se a pessoa começa a jogar hoje, daqui a um ano ela pode ganhar a primeira partida. Até lá, é aprendizado. Não é sorte ou a falta dela, é conhecimento;, destaca Murilo.
Uma outra integrante das noites de gamão é a aposentada Vera Moraes, 62. Aprendeu o jogo com o marido quando ainda eram namorados e, hoje, com 32 anos de casados, é ela quem vai para as partidas. Ganhadora de um torneio nacional em Mangaratiba (RJ) e entrevistada por Ana Maria Braga, da TV Globo, após vencer grandes jogadores, a aposentada afirma que sua maior força é a ousadia. ;O jogo de gamão tem a sorte, assim como todos os jogos de dados. Mas não é ela que predomina, o principal são as estratégias de grandes referências do gamão, que podemos observar ao participar de torneios. No meu caso, eu sou muito impulsiva. Gosto de ousar em jogadas perigosas;, afirma.
Técnica
Ousadia é o que não falta no truco. Conhecido por ser uma partida de blefe e de muitas estratégias e gritaria, o jogo de cartas é realizado por duas duplas adversárias, na qual o objetivo é jogar a carta mais alta durante as partidas. Truco é a palavra usada para desafiar o oponente. As maiores cartas do jogo são o quatro de paus, o sete de copas, o ás de espadas e o sete de ouros, conhecidos como manilhas.
No entanto, no bar do seu Eupídio, em Ceilândia, o truco é jogado de uma maneira diferente. Com a utilização de sinais sendo passados por meio do contato das mãos, sem disfarce, e as maiores cartas do jogo sempre sendo diferentes, esse tipo de truco é o praticado nos campeonatos realizados na cidade. Nesse jogo, o baralho é dividido ao meio, e todas as cartas são utilizadas. A que fica virada na mesa é a carta chave, e define as manilhas do jogo.
Segundo o comerciante Carlos Russi Fernandes, 34, morador de Vicente Pires e presidente do time Arsenal e do Zap Capital, o jogo funciona dessa maneira para evitar possíveis fraudes. ;Esse truco é mais técnico, dá margem para menos blefe;, observa o jogador.
Para o integrante do Areg e também do Zap Capital Marcos Roney Xavier Franco, 46 ; campeão do torneio brasiliense em 2016 e vice em 2017 ;, o segredo para vencer em muitas partidas é a percepção de todas as movimentações do jogo. ;A estratégia é a atenção. A partir da primeira carta jogada, é preciso entender o motivo dessa jogada, entender qual o desenho de jogo do adversário, analisar cada movimento;, afirma. Este ano, o Zap da Capital está em segundo lugar na classificação geral do Campeonato Anapolino de truco, um dos mais disputados do país.
Mas, além de toda a competição, o mais importante para os jogadores é a amizade e a diversão que essas reuniões proporcionam. ;Sempre que juntar quatro truqueiros em algum lugar, acaba em brincadeira e muita história boa para contar;, resume Carlos Fernandes.
Faça chuva ou sol
As tardes de Miguel Oliveira, 82 anos, são sagradas. Todos os dias, o aposentado se reúne com os amigos para o clássico dominó, na Quadra 30 do Guará 2. Conhecida como terno branco, a atividade é um passatempo para o grupo. ;Não estamos fazendo trabalho nenhum, então, nos reunimos aqui para brincar;, relata.
A regra do jogo é clássica: não há aposta. Quando o jogador não tem a peça, ele passa a vez. Sai a dupla que perde as quatro rodadas. Miguel comenta que, quando chega um novo integrante, ele é acolhido. A melhor estratégia, segundo ele, é um bom parceiro. ;Saber fazer uma boa leitura do jogo, contar as peças, isso é essencial.; Para o grupo, não há tempo ruim. ;Faça chuva ou sol, o importante é a diversão;, acrescenta o jogador.
O aposentado e advogado Sebastião Dourado, 65, conta que a relação com o jogo começou há 20 anos, no Sesc da 504 Sul, numa recreação após o almoço. ;Eu estudava na UDF e, ao sair da faculdade, íamos para o Sesc jogar algumas partidas. Foi lá que aprendi o jogo.;
Atualmente, Dourado é presidente da Federação Brasiliense de Dominó e diretor da Federação Brasileira de Dominó. Ele relembra que, durante uma competição na Costa Rica, os jogadores foram saudados pela tripulação da companhia aérea. ;Eles anunciaram a comissão brasileira de dominó que ia representar o Brasil no país. Isso é muito gratificante;, exalta.
* Estagiários sob supervisão de Mariana Niederauer