Cidades

Pais de gêmeas siamesas falam da emoção após a cirurgia de Mel e Lis

Rodrigo e Camilla comemoram a superação da fase mais difícil e esperam ansiosos o momento de estar com as filhas em casa

Mariana Machado
postado em 30/04/2019 06:00
Camilla Vieira e Rodrigo Martins: superação e perseverança durante todo o processo que envolveu a gravidez e a cirurgia

O riso solto e a voz serena de Camilla Vieira Neves e Rodrigo Martins Aragão são reflexo da alegria de ver finalmente as filhas separadas fisicamente. A união das garotinhas agora se dá apenas pelo amor da família. No rosto do pai, que trabalha como supervisor comercial, é possível ver os olhos cheios de lágrimas quando fala das meninas e da atuação da equipe médica. Já na mãe, o sorriso vai de orelha a orelha quando segreda os planos para o futuro: ;Nosso sonho é simples, é o mesmo de todo pai e toda mãe. A gente só quer colocar as meninas no carrinho de bebê e ir passear em um parque ou shopping;.

A gravidez de Camilla foi uma sucessão de revelações. O casal brasiliense não planejava ter filhos e, por isso, riem ao dizer sem medo ;foi nosso acidente mais maravilhoso;. Moradores de Ceilândia, eles optaram por fazer o pré-natal e o parto no Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib). ;A princípio, a gente achava que seria uma. Depois, descobrimos que eram duas e foi um susto, mas recebemos bem;, recorda.

Ela estava na décima semana de gestação quando veio a notícia: as gêmeas que estava esperando seriam siamesas. ;Não foi fácil. Foi uma notícia devastadora. Choramos muito, pensamos que não iria para frente;. A servidora do Ministério da Saúde chegou a ser perguntada sobre fazer um aborto, caso a separação não fosse possível, mas negou de imediato. ;Sou muito católica. Entreguei para Deus e pedi que me enviasse anjos para me ajudar. Foi quando surgiram o doutor Benício e toda a equipe médica. Eles nos abraçaram como a uma família;, emociona-se.

Depois do nascimento, Camilla e Rodrigo iam diariamente no Hospital da Criança, tanto para exames como consultas. Para evitar olhares maldosos, ela cobria as filhas com um paninho. Diferentemente de muitas mães, no entanto, Camilla nunca teve a chance de amamentar as bebês. Como o rosto delas era muito próximo, a gesto seria impossível. ;No começo, elas se alimentavam por sonda. Depois que ficaram maiorzinhas, e mesmo agora, só com mamadeira. Meu leite secou e eu nunca pude dar de mamar;, relata.

Nem isso abalou a confiança dos pais de primeira viagem. Um dos momentos de maior tensão para ela aconteceu pouco antes da operação. ;Tive medo no último minuto. Pensava, ;meu Deus, vou embora agora correndo com elas;. Mas eu sabia que era o melhor, que elas estavam nas mãos dos melhores, então. eu só entreguei a eles e rezei;.
Agora, eles mal podem esperar pela hora de ter a família toda em casa. ;É muito emocionante vê-las separadas, poder imaginar elas correndo, gritando, brincando, riscando as paredes. A gente está bem esperançoso;, comemora o pai. ;O coração está apertado, já choramos bastante, mas estamos ansiosos e esperançosos agora;.

Uma mãe como poucas


A tranquilidade com que Camilla enfrentou toda a situação foi um aspecto surpreendente para os médicos e enfermeiros do Hospital da Criança. O neurocirurgião Benício Oton recorda da calma dela desde os primeiros momentos. ;Depois do parto, especialmente de gêmeos, é normal a mãe estar cansada, imagine uma situação assim? Mas ela estava feliz, rindo o tempo todo;, descreve.

Enquanto Rodrigo tem uma personalidade reservada e tímida, ela passava confiança o tempo inteiro. ;Se ela desabou em algum momento, ninguém aqui viu;, garante dr. Benício. ;Durante o procedimento que fizemos para colocar as expansões, o pai não conseguiu estar presente, e é difícil mesmo, afinal, colocamos agulhas na cabeça das meninas. A Camila só ria e segurava as meninas;, diz o doutor.

Assim como ele, o líder da enfermagem durante a cirurgia, Carlos Eduardo da Silva, também elogiou a postura da mãe. ;Ela impressiona a gente. Você chega em uma situação como essas e ela é calmaria o tempo todo. Houve momentos em que eu achava que não era possível ver tamanha serenidade;, comenta com bom humor.

O anestesiologista Luciano Fares ainda parece não acreditar no perfil da mãe. ;Ela parece ter 50 anos de idade, tamanha a maturidade;. O especialista ressalta que Camilla passou por um trabalho multidisciplinar oferecido pelo hospital, o que inclui o acompanhamento psicológico. ;Ela confiava demais no dr. Benício e se fortaleceu com os aconselhamentos. Esse trabalho emocional é muito importante, porque, afinal, você vai dividir dois cérebros. Pode dar errado, pode morrer, vai ter cicatriz;, pondera.

Luciano foi um dos últimos médicos a deixar o hospital no domingo. Eram 3h30 da madrugada quando ele finalmente foi embora. Mais do que um procedimento cirúrgico, ele derrama lágrimas quando fala do marco na carreira. ;Essas meninas estarão comigo para sempre. Minha família inteira sabe e conhece elas;. Durante as 20 horas de trabalho, os envolvidos se revezavam para levar atualizações aos pais. Quando foi minha vez, eu fui aos prantos na frente deles, mas de alegria, porque tudo estava dando certo, dentro do tempo previsto. Choramos juntos várias vezes;, afirma Luciano.


A família católica não esperou pela cirurgia para batizar as meninas. Mesmo após o procedimento mais complicado, a mãe ainda pede a todos que rezem pelo bem-estar das meninas. ;Oração nunca é demais;, afirma Camilla. Encantados com o sucesso da separação de Mel e Lis, os pais confeccionaram camisetas e todos os profissionais envolvidos no caso adotaram o visual.

Na frente, o nome das meninas e a imagem de dois anjinhos. Atrás, um salmo escolhido a dedo pela mãe e um primo dela. ;Eu te louvo porque me fizeste de modo especial e admirável. Tuas obras são maravilhosas! Digo isso com convicção;, é a primeira parte de Salmos 139:14-16. ;Queríamos uma passagem forte e esta casou com elas. Minhas filhas já nasceram guerreiras;, sorri a mãe.

A gratidão dela é mostrada a cada frase. Nenhum nome escapa da mãe que se sentiu acolhida pelos profissionais. ;Deus estava providenciando tudo: um médico maravilhoso, uma equipe médica maravilhosa. Todo mundo ali abraçou a causa, as pegou para eles e é o que eu mais achei bonitinho. Não são minhas gêmeas, são as gêmeas da equipe inteira;, celebra Camilla. Tanto ela quanto Rodrigo têm a certeza de que Mel e Lis não vieram por acaso. ;Na nossa vida pessoal mudou muita coisa, mas a gente acha que no mundo também;, declara.

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