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Artesãos mantêm viva tradição de arranjos com plantas do cerrado

Artesãos mantêm viva a tradição de colher e trabalhar arranjos com plantas exclusivas do cerrado



Elas encantam e alegram a fachada da Catedral Metropolitana. Aglomeradas em barraquinhas de artesãos, as flores secas do cerrado são uma atração a mais para quem passa pelo local. É impossível não se impressionar com tamanha beleza e diversidade. São mais de 50 espécies, com cores que vão do rosa-neon até o vermelho-vibrante. Por trás de cada uma dessas flores, há um segredo especial: a maneira de fazê-la.

Todo o processo de elaboração, como colheita, tingimento e decoração é um trabalho minucioso e demorado. O artesão Francinaldo Fernandes dos Santos, 51 anos, administra uma das barracas das flores secas. A tradição, que veio de família, se resume em amor pelo trabalho. ;Desde os 10 anos, eu vinha com meus pais. Eles colhiam e eu e meus irmãos desidratávamos as plantas e vendíamos. Adoro essa profissão e me considero um autodidata no assunto;, brinca.
O artesão explica o passo a passo da produção das flores, para, ao final, compor uma decoração especial ao comprador. Todas as quartas, quintas, sextas-feiras, e sábados, Francinaldo se dedicada apenas à colheita, um trabalho que leva em torno de quatro horas. ;A maioria das flores eu pego no cerrado do Entorno. Algumas eu também encontro em Alto Paraíso de Goiás;, diz.

Entretanto, é nessa etapa que ele se depara com uma das maiores dificuldades. ;Está difícil encontrar as plantas por causa de três motivos: desmatamento, queimadas e pecuária. O trabalho de colher é artesanal, não usamos maquinários. Então, quando eu puxo a flor, ela não vem com a raiz e não morre. Brota outras vezes. Agora, quando passa um trator ou tem uma queimada, toda a raiz morre;.



Após a coleta, as flores passam pela fase de aperfeiçoamento. No primeiro momento, elas ficam expostas ao sol para secar, e depois são pintadas com anilina, uma tinta específica de couro, palha e flores. O resultado completo só fica pronto depois de seis horas. ;É muito difícil encontrar essa beleza para vender em outros lugares, porque é um trabalho árduo e nem todos querem fazer. Mas a maior satisfação é quando está tudo pronto e vemos o quanto as pessoas se encantam;, explica o artesão.

Na barraca em que comanda, a diversidade é grande. São dezenas de espécies à venda: capim-rabo-de-raposa, pingo-de- ouro, papolinha, dentre outras. Os valores variam entre R$ 4 e R$ 30. De todos os tipos de plantações, a flor-porta-guardanapo é uma das mais procuradas pelo público. ;O passo a passo dela é mais complexo. Tiramos primeiro a celulose e a clorofila, depois a cozinhamos na soda, pintamos e moldamos em formato de rosa;, destaca Francinaldo.

O comerciante e agricultor Rivelino de Souza, 44, está em Brasília há oito meses. Ele veio do município de Cariré (CE), com o propósito de arrumar um emprego, mas se deparou com portas fechadas. Foi quando decidiu trabalhar de ajudante em uma das barracas de flores secas do cerrado. ;Ainda estou aprendendo como funciona o processo das flores. Sei apenas vender, mas vou me aprimorando aos poucos;, conta com diversão. Para ele, a profissão é relaxante e ajuda a distrair. ;Antes de chegar aqui, eu não tinha nenhum contato com essa área. Foi uma novidade e me empolguei bastante.;



Preservação

Embora as flores secas sejam uma marca registrada de Brasília, elas se encontram ameaçadas pela ocupação predatória do homem na região do cerrado. O tema preocupa os especialistas e os artesãos que dependem da matéria-prima para garantir a renda salarial. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, divulgados em junho do ano passado, em dois anos, o cerrado perdeu 14.185 km; por causa do desmatamento. A área corresponde a cerca de 1 milhão de campos de futebol.

Professora de ciências agrárias do Instituto Federal de Brasília (IFB), Edilene Carvalho explica que, cada vez mais, as áreas de preservação natural estão sendo afetadas. ;As construções de edifícios, prédios, casas e empresas, queimadas e invasão do cerrado, como o cultivo agrícola, têm sido os principais motivos que degradam as plantações;, argumenta. Segundo ela, a conscientização humana sobre a importância do bioma deve ser feita de maneira específica. ;O que tem acontecido é que as pessoas coletam as flores de maneira errada, de modo que não deixam indivíduos que vão gerar novas sementes e se multiplicar.;

A doutora em botânica pela Universidade de Brasília (UnB) e diretora de vegetação e flora do Jardim Botânico (JBB), Priscila Oliveira, ressalta a falta de respeito por parte da população na degradação do cerrado. ;A vegetação do bioma é muito arbusto e o conhecimento que as pessoas têm é que aquilo não passa de um simples mato. Mas, é importante entender o quão essas plantas são ricas para a capital e tem característica única;, destaca.


Na visão do turista

O servidor público Eude de Amor, 28, veio de Sergipe, na companhia de cinco amigos para realizar um curso de capacitação em Brasília. A oportunidade de conhecer a capital não poderia ter passado em branco. ;Já fomos ao memorial JK, à Biblioteca Nacional e queremos ir a todos os principais pontos turísticos daqui. É tudo muito diferente de onde moramos, o clima, a temperatura e a cultura, está superdivertido;, conta.

No passeio, o que não passou despercebido foram as barracas das flores secas do cerrado, o que encantou o grupo. ;Lá em Sergipe não temos isso. É impressionante os detalhes do trabalho, as cores, tamanhos e tipos;, explica Eude.
Após morar 15 anos no DF, a operadora de máquina Silvana Augusta, 43, decidiu se mudar para São Paulo, e desde então já se passaram 27 anos. Mas depois de tanto tempo, a saudade falou mais alto e ela decidiu vir passar alguns dias na capital para matar a saudade. ;A sensação que tenho é de estar em casa. Amo esse lugar. É incrível ver como a cidade mudou tanto, está mais moderna;, conta. O passeio na calçada da Catedral Metropolitana logo foi interrompido pela beleza das flores secas. ;São muito lindas. Quero comprar uma de cada. O trabalho que os artesãos fazem é perfeito e detalhista.;
* Estagiária sob supervisão de José Carlos Vieira