Bruna Lima
postado em 10/05/2019 06:00
Foram mais de 320 horas de sofrimento agudo. Cácia Regina Pereira da Silva, 47 anos, sentiu a pele se desfazer junto com a roupa. Enquanto a visão escurecia e o rosto ardia, ela tirou forças para correr e gritar por ajuda. Vítima da agressão do ex-marido, a mulher teve 45% do corpo queimado por ácido sulfúrico. Ficou internada no Hospital Regional da Asa Norte (Hran) e chegou a receber um implante de pele. Apesar de ter lutado pela vida, não resistiu aos ferimentos e tornou-se, ontem, a 11; vítima de feminicídio no DF em 2019, a terceira só na região de Sobradinho.
Mãe de uma adolescente de 14 anos e de uma jovem de 28, Cácia havia se separado recentemente do ex-marido, o vigilante Júlio César Villanova, 55, com quem teve a filha mais nova e um relacionamento que durou 15 anos. Na noite de 25 de abril, o homem invadiu a casa da mulher, localizada em Nova Colina, em Sobradinho 1, e a surpreendeu, jogando o ácido contra ela. Em seguida, tentou atirar ao menos quatro vezes. No entanto, a arma falhou. Enquanto a vítima tentava fugir, Júlio César se matou com um tiro na cabeça.
Socorristas do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) levaram a mulher para o hospital. Na última sexta-feira, ela passou por uma cirurgia de implante de pele humana, que durou quatro horas. ;As equipes das unidades de queimados e cirurgia plástica do Hran usaram todos os recursos disponíveis no tratamento da paciente, que sofreu queimaduras de terceiro grau na face, pescoço, colo, tórax e membros superiores;, detalhou a Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). De acordo com a equipe médica, a paciente morreu em decorrência da infecção provocada pelas queimaduras.
A 13; Delegacia de Polícia (Sobradinho 1), responsável pelo caso, fechou o inquérito apenas para fins de arquivamento. ;Sem que o autor esteja vivo para responder, há a extinção da punibilidade;, explica o delegado-chefe, Hudson Maldonado. Mesmo assim, a polícia ainda apura a procedência do revólver usado pelo autor do crime. ;A arma não tem registro e a numeração que consta nela não bate. Por isso, vamos investigar de onde vem e a relação do responsável com o autor;, diz Maldonado.
Vida de doação
Mulher de fibra, alto-astral, de coração humilde e generoso. Para os mais próximos, essas são apenas algumas das qualidades de Cácia. A vida dela com os três irmãos foi toda em Sobradinho. Lá, cresceu e fez amigos de infância, com quem mantinha contato sempre que podia. O líder comunitário Rogério da Costa, 52, é um deles. ;São mais de 30 anos de amizade com ela e toda a família. Éramos muito próximos e fazíamos parte do mesmo grupo de dança, de flash back. Foram muitos momentos maravilhosos e divertidos que guardo na memória.;
Cácia trabalhava como consultora de vendas em uma concessionária, mas, na região, era conhecida pelo engajamento social. ;Ela nos ajudava a sustentar o projeto Mães do futuro. Sempre que pedíamos, fazia doação de banheirinhas, fraldas, roupas e o que fosse preciso para montar os kits entregue a gestantes em situação de vulnerabilidade;, conta Maria Soares Pureza, responsável pela iniciativa.
O espírito de colaboração de Cácia também é reconhecido na Associação das Mulheres de Sobradinho 2. Idealizadora da ação, que visa acolher mulheres vítimas de violência doméstica, Geralda Florisbela Gonçalves, 63, relata que Cácia sempre ajudava com doações, mas nunca chegou a procurar ajuda pessoal na instituição. Para ela, os altos índices de violência contra a mulher revelam a falta de políticas públicas. ;Repensar as medidas de combate à violência contra mulher e dar uma solução prática para estimular as denúncias são questões de urgência. Nossas mulheres estão morrendo e, com cada uma, morre também um pedaço da gente.;
O velório de Cácia será hoje, às 8h, no Cemitério de Sobradinho. O sepultamento está marcado para as 11h.